Por Sheila Jacob
A organização não governamental Justiça Global comemorou seus dez anos no dia 11 de dezembro. A entidade é reconhecida nacionalmente por sua atuação na defesa dos Direitos Humanos, procurando discutir e dar visibilidade a temas como violência policial; o papel do Judiciário no agravamento da criminalização dos movimentos sociais; as mazelas do sistema carcerário brasileiro; a concentração fundiária e a omissão do Estado em promover a Reforma Agrária; dentre outros. “Hoje comemoramos dez anos de muita luta e resistência, e de muito sofrimento. Mas é também uma década de muitas conquistas, e aqui estão presentes algumas das pessoas que trabalham em rede conosco, já que buscamos construir ações coletivamente”, disse a diretora Sandra Carvalho, na abertura do encontro de comemoração do aniversário.
Logo no início foi apresentado o vídeo A eloquência do sangue, que trata sobre os conflitos recentes entre Palestina e Israel. O filme foi feito com uma montagem de fotos em preto-e-branco de Rogério Ferrari. As imagens, acompanhadas da trilha sonora do turco Omar Faruk, emocionaram os presentes com imagens de injustiças, violências e disparidade de forças: os canhões de Israel que ameaçam meninos; armas que enfrentam pedras; as mães que trazem fotos de seus filhos mortos pela guerra. “A razão pelas quais esses jovens palestinos são exterminados é a mesma dos nossos brasileiros negros e pobres: é a matança dos povos oprimidos, que lutam por auto-afirmação e por justiça. É o mesmo principio de negação do direito a vida que nos une aos palestinos”, disse Ferrari na apresentação do vídeo.
Após uma rodada de apresentação de todos os cerca de 100 participantes, foi realizado um debate com a economista Sandra Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), e com Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST. Eles apresentaram as principais questões de direitos econômicos, sociais e políticos na atualidade, e apontaram alguns desafios para os movimentos sociais.
A economista lembrou as diversas guerras na atualidade ligadas a disputas de terra, e os grandes investimentos latino-americanos em projetos que desrespeitam as populações tradicionais no continente. “Os direitos dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos estão sendo violados por empreendimentos em nome do ‘desenvolvimento’ e do ‘progresso’ do continente”. Sandra citou os investimentos do BNDES em mega-projetos que afetam os Direitos Humanos, lembrando um encontro recente no Circo Voador que reuniu populações afetadas por projetos financiados pelo Banco na América do Sul. Para ela um dos caminhos possíveis é a construção de agendas comuns, articulando as principais lutas para tentar travar esse processo de destruição em andamento.
Para Gilmar Mauro, a crise econômica está relacionada a diversas crises, como a ecológica, a social, todas causadas pela mercantilização de tudo. “Desenvolvimento sustentável não existe sob a égide do sistema do capital”, afirmou o coordenador do MST. Para ele, o conceito de “desenvolvimento” é muito perigoso, e o grande desafio é saber pensar em novas articulações das particularidades com o universal, já que, para ele, “não existe saída individual”. “Rosa Luxemburgo já dizia ‘socialismo ou barbárie’. (István) Mészàros vai à frente, e diz que será a barbárie se tivermos sorte. Se não, assistiremos ao fim da humanidade”. Para Gilmar Mauro, assim como para Sandra, também é preciso estabelecer prioridades e promover unidades nas lutas, pois o jeito é buscar respostas coletivas.
Violência policial e banalização do extermínio da população pobre também foram discutidos
A advogada Fernanda Vieira, da Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola, e o militante Hamilton Borges, da Associação de Familiares e Amigos de Prisioneiros e Prisioneiras da Bahia, participaram do segundo momento de discussão sobre as políticas de segurança pública que institucionalizam a prática da violência e do extermínio.
Fernanda Vieira analisou o atual cenário da criminalização da pobreza de forma brutal pelo capital. “Com a atual política do medo se justifica o discurso punitivo contra as massas humanas que não fazem mais sentido para o capital. Nós só somos úteis se produzirmos. Se não, a vida humana não vale nada”, disse Fernanda. Para ela, esse sentimento de insegurança é produzido e ampliado pela própria gestão do capital. Isso explica, por exemplo, o discurso da “guerra” e a criação de territórios de exceção, como as favelas, em que tudo vale, inclusive vidas serem eliminadas. Ela citou também o caso do Rio Grande do Sul, em que o próprio Estado justifica a prática de extermínio do MST. “Esses discursos de punição se tornam o único caminho para volta da paz. O sociólogo Loic Wacquant, ao discutir o aumento da população carcerária, já analisava o crescimento do imaginário punitivo”. Para ela, esse sistema punitivo autoritário representa um atentado à própria humanidade. E lançou uma provocação ao final do debate: “resistir à barbárie significa a produção de outro estatuto de direito que não o penal, pois ele justifica toda essa lógica do extermínio”.
O militante Hamilton Borges, que vem do movimento negro, trouxe a Bahia ao cenário das discussões, apontando a concentração das notícias no eixo Rio – São Paulo. Ele citou, por exemplo, o atual relatório da ONG Human Rights que apresenta dados da política de extermínio das policias paulista e carioca, e deixa o estado da Bahia de fora. “Em 2008, 2340 pessoas morreram em Salvador, de acordo com dados do próprio Governo. 60% dessas mortes foram causadas por autos de resistência, e isso não foi divulgado”. Ele citou alguns casos de arbitrariedades da Justiça e de pessoas assassinadas por ações policiais, como o trapezi
sta Ricardo Matos, de 20 anos, enquanto jogava bola com os amigos. Borges elogiou a atuação da Justiça Global, que permite que as vozes dos marginalizados se amplie. “Nós temos a utopia de construção de uma nova sociedade”, disse o militante.
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