Por Venício Lima
20/01/10

Nos últimos meses, ainda mais do que nas últimas décadas, temos assistido a uma crescente intolerância dos principais grupos de mídia – Estadão, Folha, Globo e Abril – e das associações por eles controladas – ANJ, ANER e ABERT – em relação ao debate sobre as comunicações no Brasil.

Um dos princípios básicos da democracia é exatamente que qualquer tema pode e deve ser discutido pela cidadania. É assim, dizem os liberais, que se forma a opinião pública esclarecida, responsável, em última instância, pela escolha periódica e legítima dos dirigentes políticos do país.

Na democracia praticada pela grande mídia brasileira, no entanto, as comunicações devem ser permanentemente excluídas desse debate.

Qualquer pré-projeto, projeto, estudo, carta de intenções que se encontre em alguma gaveta de um ministério que inclua ou insinue o debate sobre a mídia será, automática e irreversivelmente, rotulado de “ameaça autoritária” e/ou “ataque à liberdade de expressão”.

A rotina é sempre a mesma: um jornalista encontra um desses pré-projetos, projetos, estudos e/ou carta de intenções; o jornalão dá manchete de primeira página alertando para o mais novo ataque do governo à liberdade de expressão e/ou à liberdade de imprensa; os outros jornalões (revistas e emissoras de rádio e televisão) repercutem a matéria entrevistando as mesmas fontes de sempre – pessoas e/ou entidades. Em seguida, todos publicam editoriais e/ou artigos de “analistas” sobre “as ameaças” autoritárias. Está armado o cenário.

Constituição não é parâmetro?

A quem interessa a permanente interdição da mídia como tema da agenda pública de debates? O que realmente querem e esperam os grupos empresariais que controlam a grande mídia no nosso país?

As normas adotadas unanimemente em democracias consolidadas do planeta e a Constituição Federal não servem mais de parâmetro para que se “permita” ou “admita” o debate. Até mesmo propostas de regulamentação de dispositivos Constitucionais têm sido entendidas, sem mais, como significando um “ardil” e/ou uma “armadilha” do governo para instalar um regime autoritário no país e, portanto, são automaticamente desqualificadas.

Ou não foi exatamente isso que ocorreu em relação às propostas da 1ª. Confecom – boicotada pela grande mídia; às diretrizes do III PNDH –ignorado ao longo de todo seu processo de construção; e, mais recentemente, ao documento-base da 2ª Conferência Nacional de Cultura que será realizada em março?

Despreza-se inteiramente a necessidade de leis federais, vale dizer, de um marco regulatório, que regulem a atividade de mídia, inequivocamente expressa na Constituição. Está escrito:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

(…)

§ 3º – Compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

E a democracia?

Na verdade, a grande mídia tem se colocado acima das leis, da Constituição e das decisões do Judiciário, apesar de se apresentar como defensora suprema das liberdades.

Ao mesmo tempo, se recusa a discutir ou a negociar, boicota conferências nacionais, distorce e omite informações, sataniza movimentos sociais, partidos, grupos e pessoas que não compartilham de seus interesses, projetos e posições. Dessa forma, estimula a intolerância, a radicalização política e o perigoso estreitamento do debate público.

Como explicar, então, a atitude cada vez mais intolerante da grande mídia? Onde encontrar hipóteses e/ou explicações para um comportamento que, tudo indica, é deliberadamente articulado?

Acuar o governo e impedir que ele tome qualquer iniciativa no setor? Intimidar os movimentos sociais? Garantir a manutenção de interesses ameaçados? Estratégia de combate para o ano eleitoral?

Seja qual for a explicação, a principal derrotada é a democracia, exatamente o valor que a grande mídia simula defender.