Por Sheila Jacob
“Direito à Comunicação também é Direito às Cidades” foi o tema de um debate ocorrido no último dia do Fórum Social Urbano, 26 de março. Estiveram presentes Vito Giannotti, coordenador do NPC; Álvaro Neiva, do Coletivo Intervozes; Helena Elza de Figueiredo, do Movimento Helaiz, que luta contra o seqüestro de crianças; e Gizele Martins, editora do jornal O Cidadão, da Maré. Ao final do debate foi apresentado o vídeo Levante Sua Voz, produzido pelo Intervozes, que retrata a concentração da mídia no Brasil.
Giannotti, fazendo referência ao tema da mesa, constatou que não é garantido a todos(as) o direito à cidade devido à visão que se tem de cidade-empresa, que não prevê a inclusão da população negra e pobre. Ele lembrou que, historicamente, os movimentos sociais e de trabalhadores que se opõem a tal situação e passam a lutar por seus direitos acabam sendo reprimidos e silenciados. Quem é vítima dessa criminalização não tem garantido seu direito à comunicação exatamente para que se naturalize tal modelo de gestão do espaço urbano. “Assim, é a mídia do capital que acaba tendo o domínio da fala. E o que ela faz? Acaba agindo como o verdadeiro partido da burguesia. Através de suas novelas, de seus programas e telejornais, ela faz a cabeça de todos(as) e acaba mobilizando também. Se você prestar atenção às notícias, vai ver que o grande problema do Brasil são os negros, os pobres os favelados”, analisou Giannotti. Como ele avalia, essa estratégia é importante para deixar a classe trabalhadora cada vez mais e oprimida e assustada, sem reconhecer seus direitos. “Por isso é importante combater essa mídia burguesa, criando nossos próprios meios de comunicação que disputem a visão de mundo”, concluiu.
Álvaro Neiva, do Intervozes, falou sobre a importância de toda a sociedade refletir sobre seu direito à comunicação, o que muitas vezes não se torna claro devido à brutal concentração da mídia que existe no Brasil. Ele ressaltou que há muito ainda para ser conquistado: “Apesar de haver alguns avanços na Constituição, que prevê, por exemplo, proibição de monopólios e oligopólios e a complementaridade dos sistemas estatal, público e privado de radiodifusão, tais pontos não foram ainda regulamentados”, esclareceu. Neiva citou outro aspecto importante, que é a renovação das concessões, feita praticamente de forma automática. “Temos o exemplo da Venezuela. Quando Hugo Chavez não renovou a concessão da RCTV, foi chamado por grande parte da mídia de ditador. Mas aquela concessão é pública, e o Governo não só pode como deve sempre fiscalizar. Isso tanto lá quanto aqui”. Para finalizar, Neiva disse ser importante disputar o conceito de “liberdade de expressão”, pois ele deve ser entendido como um direito de toda a sociedade, e não de pequenos grupos. “Não dá para rádios comunitárias continuarem a ser criminalizadas, terem seus equipamentos apreendidos. A mídia comercial, que diz defender a liberdade, ajuda mais ainda a criminalizar. Também ela se manifesta contrária a qualquer tentativa de fiscalização por parte do poder público. Ou seja: defende apenas a sua própria liberdade, não de todos”. Além da construção de meios alternativos, o militante pela democratização lembrou a importância de se entrar na disputa por um novo marco regulatório e por novas políticas públicas de comunicação.
Comunicação própria para combater exclusão na mídia
Helena Elza de Figueiredo deu um depoimento emocionado, relatando como existem diferenças no tratamento dado pela mídia e pelo porder público em relação a ricos e pobres. Moradora do Morro Tuiuti, em São Cristovão, ela contou que sua filha foi sequestrada e morta em 2006. Após o trágico episódio, Helena e outra mãe resolveram criar o Movimento Helaiz – mães em ação contra o rapto, sequestro e desaparecimento de crianças. “Nós, pobres e favelados, somos desprezados, e o tratamento é bem diferenciado. Como a polícia age quando ocorre sequestro do filho do rico? Ela age rápido, e logo dá início às investigações. Já a gente eles mandam para casa. E a mídia, o que faz? Ao nosso caso quase nunca dá atenção”. Helena avalia que o que facilita o desaparecimento de crianças nas comunidades é a falta de políticas públicas que garantam um espaço seguro em tempo integral para os filhos. “O nosso movimento não tem divulgação nenhuma. O sequestro do pobre não importa, ninguém quer saber”. A jornalista Paula Máiran, que vem acompanhando e prestando assessoria ao Movimento, lembrou o sequestro da menina inglesa Madeleine, em 2007, que estava com seus pais em Portugal. O caso foi capa e destaque em vários jornais e revistas. “Naquela época a Helena me ligou chorando, perguntando por que a vida daquela menina tinha mais valor do que a da filha dela”, relatou Paula, mostrando como é importante criarem-se alternativas de comunicação.
E uma dessas alternativas é o jornal comunitário O Cidadão, da Maré, que já existe há 10 anos. Como contou a estudante de comunicação Gizele Martins, que trabalha nele há sete anos, são rodados 21 mil exemplares, distribuídos nas 16 favelas que formam o Complexo da Maré. Na avaliação de Gizele, apesar das dificuldades por causa da equipe reduzida e do trabalho voluntário, o veículo vem cumprindo uma importante função: “Esse jornal veio para fortalecer a identidade dos moradores da Maré, porque a mídia burguesa não nos representa como personagens, não mostra o que a gente é. Pelo contrário: produz clichês como o de que todo favelado é vagabundo, criminoso, envolvido com o tráfico”, desabafou Gizele. Ela lembrou uma pesquisa recente que mostra que apenas 2 ou 3% dos moradores estão ligados ao tráfico. “Portanto todo o resto é trabalhador e estudante, ou pelo menos tenta ser. Muitas vezes acaba não conseguindo trabalhar ou pela falta de emprego ou pelo preconceito na hora da contratação; e não consegue estudar porque o ensino público
está cada vez mais sucateado”.
A estudante de comunicação lembrou a importância que teve a apuração de perto feita pela equipe d’O Cidadão da morte do menino Mateus, de apenas oito anos, assassinado pela polícia quando saia de casa para ir à padaria comprar um pão. A mídia burguesa começou a divulgar a versão dos policiais, de que o menino tinha “ligação com o tráfico” e de que havia ocorrido “troca de tiros”. Essas são algumas justificativas normalmente usadas em casos de violência policial nas favelas, e reproduzidas largamente sem que sejam ouvidos os moradores desses locais. A presença do jornal comunitário conseguiu alterar essa versão. “Nesse momento eu vi a importância das nossas mídias, tanto na apuração quanto dos próprios fotógrafos da Maré, os grandes responsáveis por fazer a perícia naquele dia”, concluiu.