[Por Mario Camargo] A cinco minutos do início da gravação, o clima é de agitação no “estúdio”. Tudo conferido. A diretora grita para um homem alto, vestindo jaqueta preta: “Pode soltar”. O carcereiro abre a porta de ferro da Cadeia Pública de Votorantim, no interior de São Paulo, e
libera a equipe de reportagem da TV Cela.

Primeiro programa de TV feito por detentas no país, é um misto de talk show e documentário. Cada edição dura 30 minutos e tem um entrevistado. Entre os blocos, cenas da rotina da cadeia e depoimentos de presas.

A produção, desde a escolha dos convidados até a seleção das perguntas, é responsabilidade de cinco detentas. Todas respondem por tráfico de drogas ou associação ao tráfico.

Gravado em um espaço semelhante a uma gaiola com três metros de comprimento por dois de largura, o programa mobiliza a carceragem. Quando a produtora-detenta pede silêncio, a cantoria –ora pagode, ora sertanejo– cessa imediatamente.

As 150 mulheres, mantidas em um espaço projetado para 48, se vêem representadas por Iara Fernanda de Mello, 25, a apresentadora. Sempre de unhas feitas e maquiagem preparada por um profissional – voluntário, como o resto da equipe externa.

Edicleusa Gomes, 30, opera as três câmeras emprestadas pelo Ceunsp (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio). Concentrada, ela mira detalhadamente o convidado da vez, o advogado Hélio Bicudo.

Ele é recebido como estrela na cadeia. Antes de gravar, cumprimenta as presas. Uma delas chora. “Ele me lembra o meu vozinho”, sussurra.

Celebridades
O projeto começou em outubro de 2009 com o objetivo de ressocializar as presas. Há condenadas, algumas aguardando julgamento ou recorrendo da sentença.

Treze convidados já passaram pelo TV Cela desde a estreia. Os assuntos abordados vão de direitos humanos à saúde pública e outros temas ligados à rotina das detentas. As presas participantes devem mudar periodicamente, em sistema de rodízio.

O TV Cela é transmitido pela TV Votorantim, canal local do município (105 km de SP), e por outros 48 canais comunitários do Estado. No resto do país, chega via parabólica e internet.

A repercussão transformou as mulheres do TV Cela em celebridades carcerárias. Dezenas de cartas parabenizando chegam de presídios de todo o Brasil. Pela internet, as mensagens de apoio, que chegam até elas impressas, também se multiplicam.

“Receber um elogio vindo de tão longe faz muito bem”, diz a apresentadora Iara. Na cadeia há quatro meses, a produtora do programa, Alessandra Laquima, 38, emociona-se. “Quem está lá fora pensa que na cadeia só tem gente sem instrução e ignorante. Nós estamos mostrando que não é assim.”

Os quatro filhos dela mostraram o programa a amigos e até para professores. Mesma reação da filha de Suzana Maria Braga Ramos, 26, que também participa.

Coordenador do programa, o jornalista Werinton Kermes disse que o objetivo do projeto não é formar profissionais, mas resgatar a autoestima. “É para exercitar a individualidade. Ocupar o tempo delas.”

As detentas, porém, não descartam seguir carreira no jornalismo. “Se tiver oportunidade, seria maravilhoso. Eu me identifiquei com a comunicação”, fala Iara.