[Por Tatiana Lima] Caminhada em Defesa da Vida, saiu mais uma vez pelas ruas do Rio de Janeiro nesta sexta-feira, 23 de julho, pedindo justiça e lembrando a morte da chacina de meninos na Candelária há 17 anos. Os manifestantes destacaram também os 20 anos do desaparecimento de onze jovens da favela de Acari e os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Outras vítimas da violência, especialmente da violência policial, também foram lembradas.

Cerca de 2 mil pessoas com faixas de protesto atravessaram a Av. Rio Branco. A passeata começou depois de um ato ecumênico que lotou a igreja da Candelária. Glaciene Rodrigues dos Santos, mãe do menino Mateus, que morreu no Conjunto das Favelas da Maré quando saia de casa pra comprar pão precisou várias vezes ser amparada. Muito emocionada, ela disse que não aceita a morte do filho. “Quero justiça. Meu filho só queria comprar pão e morreu”.

No final do ato, os participantes seguiram até a frente da Câmara Municipal, na Cinelândia. Na chegada, os nomes de cada um dos jovens assassinados na chacina da Candelária foram lidos. A cada nome, os manifestantes gritavam: “Presente”. Mônica Aguiar, mãe de um jovem executado pela polícia em 2003, resumiu o sentimento do ato. “Meu filho era um adolescente que cometeu sim ato infracional, mas não existe pena de morte no Brasil. O que existe é pior é pena de vida. Pobres e pretos não tem direito a vida. São Zés niguéns. São pessoas que não tem o direito nem de ir a um julgamento. são abatidos. O imposto que eu pago matou o meu filho. A bala que fez o coração dele parar de bater foi comprada com o nosso dinheiro. Isso é um absurdo”, desabou ela indignada. E completou: “Mas estou aqui feliz de viver e de lutar. Luto para que outras mães não tenham que enterrar seus filhos. Luto e vou continuar lutando”.

Acompanharam a manifestação muitos jovens e críticas, além de mães que perderam seus filhos em diversas chacinas no estado. Faixas e cartazes lembraram as vítimas e pediram investigação e punição aos responsáveis pelas mortes. Assim como no caso da chacina da Candelária, há suspeitas sobre o envolvimento de policiais militares no desaparecimento dos jovens de Acari. O caso marca também uma maior articulação de familiares para pedir punição dos casos de violência.

A Caminhada chamou a atenção de quem passava pela av. Rio Branco. Arlete Gomes, mãe de 3 filhos, chorou ao ver passar a manifestação. “É preciso ter justiça nessa cidade. Sou mãe e não sei mais o que fazer para proteger meus filhos. Nem na escola eles estão seguros. Moro em Pavuna, perto de onde o menino foi executado essa semana. Vivo com medo. Tenho medo até de viver”, confessou.

Glaciene Rodrigues dos Santos, mãe do menino Mateus, que morreu no Conjunto das Favelas da Maré quando saia de casa pra comprar pão precisou várias vezes ser amparada. Muito emocionada, ela disse que não aceita a morte do filho. “Quero justiça. Meu filho só queria comprar pão e morreu”.

Entenda o Caso

A igreja da Candelária, que foi o cenário da triste chacina que matou sete crianças e um jovem, nesta sexta reúne mães, parentes e amigos de vítimas que morreram em episódios de violência no Rio e também em São Paulo. Eles lembram também da chacina de Acari, que em 1990 deixou 11 pessoas desaparecidas.

A chacina da Candelária, crime que deixou revoltada a população do Rio de Janeiro, teve repercussão nacional e internacional. Oito meninos de rua foram assassinados nas imediações da Igreja da Candelária, um dos prédios mais conhecidos do Centro. Mais de 40 crianças dormiam na praça da igreja quando cinco homens desceram de dois carros e dispararam em sua direção. Até hoje não se sabe o que motivou a matança. Duas crianças e um rapaz de 19 anos foram mortos no local, enquanto os outros, aqueles que acordaram a tempo, tentavam fugir. Perseguidas, mais duas crianças foram alcançadas e mortas. Outros dois corpos foram localizados no Aterro do Flamengo, local a poucos quilômetros da Candelária.

Wagner dos Santos, a principal testemunha do crime, contou que foi levado de carro pelos homens e só sobreviveu porque se fingiu de morto. Mais de um ano depois da chacina, em dezembro de 1994, Wagner sofreria outro atentado no qual levou quatro tiros e resistiu aos ferimentos. Em outubro de 1995, o sobrevivente pediu proteção ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, para prestar novos depoimentos sobre o caso. Ele se mudou para a Suíça e vinha ao Brasil para participar dos julgamentos dos acusados.

Três anos depois do crime, em novembro de 1996, num julgamento que durou 19 horas, o PM Nelson Cunha foi condenado a 261 anos de prisão. Outro acusado, o também policial militar Marcus Vinícius Borges Emmanuel, foi julgado três vezes. Primeiro, ele foi levado a júri popular, em abril de 1996, mas a defesa recorreu. Em junho do mesmo ano, ele foi condenado pela morte de dois menores e absolvido em outras nove acusações. Em 2003, depois de um recurso do Ministério Público, o ex-policial foi julgado por quatro homicídios e cinco tentativas de homicídios. Emmanuel cumpre pena de 300 anos.

Marcos Aurélio de Alcântara foi o terceiro e último acusado a ser julgado, em agosto de 1998. Ele chegou a confessar o crime em 1995, mas mudou a versão no primeiro dia de julgamento e alegou inocência. Os advogados tentaram provar que ele teria sido induzido a confessar o crime, mas Marcos Aurélio de Alcântara foi condenado a 204 anos de prisão.

Dez anos depois, os sobreviventes tinham tomado diferentes rumos. Um deles passou a morar em uma favela com os pais e uma filha de 10 anos. Outro, que tinha 5 anos no dia do crime, permanecia nas ruas. Já a testemunha Wagner dos Santos foi morar na Suíça e vinha ao Brasil passar alguns dias. Em 2003, ele afirmou que ainda não recebera indenização dos governos no Brasil.

* Tatiana Lima é aluna do Curso de Comunicação Comunitária do NPC.