Por Beto Almeida
Diretor da Telesul

Terminou sem solução a reunião da Unasul, com a participação de chanceleres, destinada a debater o conflito instalado entre Venezuela e Colômbia. Uma proposta apresentada pelo Brasil com um conjunto de  medidas para a normalização das relações bilaterais foi rejeitada pela Colômbia no último instante. Em razão disto, decidiu-se pela convocação de nova reunião com a presença dos presidentes. A dificuldade para um consenso talvez esteja de fato expressando o antagonismo de projetos e de expectativas  entre os países citados sobre qual destino histórico almejam para a América do Sul, especialmente sobre os passos já dados para a integração do continente, sendo a própria constituição da Unasul uma prova de que algo caminha, aos trancos e barrancos, apesar dos esforços do neocolonialismo para sabotar a idéia da cooperação sul-americana.
 
Notoriamente, localizam-se na Colômbia os maiores obstáculos para o desenvolvimento das políticas de integração. Ainda que muitas das iniciativas energéticas, econômicas de cooperação incluam a pátria de Gabriel Garcia Marquez no projeto, apesar da canina obediência de seu governo à ideologia que preservaria, na América do Sul, os “interesses vitais” dos Estados Unidos. Em outras palavras, um confronto de vida e morte está instalado no coração na Colômbia, produzindo uma situação socialmente catastrófica para a maioria de sua população e sendo parte dos fatores que ajudariam a explicar as acusações grosseiras feita pelo governo Uribe à Venezuela. Maior presença militar estadunidense na Colômbia só podera agravar tal situação e ameçar, concretamente, o curso da integração continental, que pressupõe soberania e autonomia em relação aos EUA.
 
Vale lembrar, primeiramente, que Álvaro Uribe, que deixa o cargo em 7 de agosto próximo, tentou durante seus dois mandatos manter uma estratégica política de conflito permanente e regulado com a Venezuela e também com o Equador. Mas, por que somente a apenas 15 dias do fim de seu mandato lançaria um ataque midiático de tal porte contra o governo Chávez?  Já encontramos aí um sinal de sua própria debilidade, já que contra  o Equador, em março de 2008, suas forças militares primeiro atacaram e só depois apresentaram o que chamaram “provas” de uso de território equatoriano por guerrilheiros das Farc, até hoje sem uma comprovação cabal que as retire da sombra da manipulação e da falsificação. Já as “provas” apresentadas recentemente contra a Venezuela em tudo e por tudo guardam semelhança com as chamadas “armas de destruição em massa de Sadam Husseim”, esgrimidas com estardalhaço midiático mundialmente para justificar a sangrenta invasão e as encomendas da indústria bélica, até hoje banhadas em lucro estupendo.
 
Outro sinal das dificuldades do uribismo para cumprir sua função de ser tocador dos tambores de guerra sul-americana, impedindo qualquer projeto de integração ou até mesmo uma simples nornalização de relações políticas, que também podem levar a planos de cooperação já que a Colômbia também foi afetada pela crise mundial do capitalismo, é a derrota do presidente em duas ações centrais: primeiro, não conseguiu apoio para um terceiro mandato; segundo, também não conseguiu que a Suprema Corte anistiasse seus correligionários mais próximos, inclusive alguns familiares, das robustas acusações de vínculo com o paramilitarismo colombiano e, também, como desdobramento, com o narcotráfico que ,retóricamente,  anuncia combater.
 
Discensões no uribismo?
 
Embora Santos, o presidente eleito, tenha sido seu minitro da defesa, suas primeiras declarações após a vitória eleitoral,  cuja abstenção atingiu quase 60 por cento do eleitorado , chamaram a atenção por indicar interesse em normalizar as relações com os governos chamados bolivarianos, ou seja, com a Venezuela e o Equador. Além deste sinal, há poucos dias houve a troca de toda cúpula militar colombiana, e já após o ataque circense-midiático feito pelo embaixador colombiano  na OEA contra a pátria de Bolívar. Sem contar, que já foram nomeados pelo menos três ministros que são claros desafetos de Uribe, entre eles o novo chanceler.
 
Tais fatos não devem ser menosprezados e podem estar revelando as dificuldades do uribismo para tentar manter intacta a mesma linha política no governo que se inicia. Se por um lado a oligarquia, especialmente a cafeeira, pode contentar-se com a posição subalterna ante os planos estadunidenses de transformar a Colômbia simplesmente num novo Israel, por outro,  para a burguesia industrial colombiana, a Venezuela é um excelente mercado para seus produtos, sobretudo automóveis, têxteis, calçados, laticíneos. Portanto, não dispondo de espaços no mercado dos EUA e outros, sabe que a normalização das relações com a Venezuela lhe assegura acesso a um mercado consumidor em  fortalecimento, já que o salário mínimo venezuelano é hoje o mais elevado de toda a América Latina.
 
São contradições desta natureza que fazem com que esteja em construção um gasotudo ligando Colômbia e Venezuela, ou seja, um plano concreto de integração energética e econômica, apesar de no plano político os dois países estarem sempre em posição de embate. Cabe assinalar, também, a presença de pelo menos 4 milhões de colombianos vivendo hoje na Venezuela, onde recebem documentação, cidadania, tratamento médico e dentário gratuitos, com especialistas cubanos, educação gratuita e uma razoável segurança para trabalhar, o que haviam perdido nas áreas de conflito entre as Farc, o exército e os paramilitares em sua terra colombiana Não teriam direito a nada disso caso  – numa hipótese remotíssima  –  emigrassem par os EUA, onde, se entrassem, seriam tratados como sub-cidadãos. O próprio povo estadunidense não dispõe, ainda hoje, em sua maioria, de uma saúde e previdência públicas…
 
Uribe versus Lula
 
Por fim, o protesto de Uribe contra as declarações de Lula não poderiam ser mais ridículo. Lula, deixando claro de que lado está,  aposta na integração sul-americana, sua política externa e os investimentos estatais e privados brasileiros o indicam concretamente. Mas, para que esta integração avance é necessária a consolidação das iniciativas de cooperação. Elas estão em curso, muito embora o uribismo que grassa, inclusive, na própria mídia comercial brasileira diga tratar-se apenas de “retórica itamarateca”. A cooperação energética entre Brasil, Argentina e Bolívia, para dar apenas um exemplo, já permitiu que uma importante crise no abastecimento de gás do país de Gardel fosse contornada com sucesso por meio do redirecionamento transitório para lá do gás boliviano que viria para o Brasil. Cooperação, planejamento e integração.
 
Porém, iniciativas desta natureza defrontam-se com obstáculos para serem implementadas, entre eles o governo da Colômbia, muito embora sua população, pelos indicadores sócio-econômicos negativos que ostenta, também delas necessitem. A instalação de sete bases militares estadunidenses pode fortalecer enormemente os sinistros planos da oligarquia colombiana, mas não expandem a indústria, o mercado, portanto, não geram emprego, nem fortalecem as políticas públicas de saúde, educação e democratização cultural, como as que foram instala
das na Venezuela mas também no Equador, no Uruguai, Bolívia, Argentina e Brasil.
 
Ao credenciar-se compor o tabuleiro mundial do xadrez estadunidense como um peão belicista tal como Israel, Coréia do Sul e o Paquistão, a Colômbia caminha na contra-mão do processo de integração da América do Sul. Mas, deve considerar que a própria Turquia, que adotava posições também recalcitrantes,  foi obrigada pelo curso do processo a dar uma virada radical em sua política externa em relação ao Irã, a Israel, à Palestina e também em relação à Rússia e OTAN, Veremos até onde a Colômbia poderá caminhar nesta rota de contramão, um verdadeiro beco sem saída, que desemboca inevitavelmente na guerra. E no seu próprio isolamento. Enquanto isto, Raul Castro já declarou que Cuba, que foi à África de armas nas mãos para derrotar o regime do aparthei e defender Angola, estará, obviamente, ao lado da Venezuela. O caminho está na integração e na cooperação sul-americanas.