Pedro Martins

Pedro Martins

Pulsar Brasil inicia a série de entrevistas sobre temas de relevância nacional que estão em curso no país. O nosso primeiro assunto em debate é o direito à comunicação e a situação das rádios comunitárias no atual contexto político brasileiro. O jornalista, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conselheiro político da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil), Pedro Martins, faz um balanço das políticas públicas e também do futuro da radiodifusão comunitária no país.

Pulsar: Pedro, uma das últimas medidas adotadas no governo de Michel Temer foi extinguir a autorização de outorga de mais de 130 rádios comunitárias no Brasil sob a alegação de que funcionavam de maneira irregular. Qual a sua avaliação desses 3 meses de governo Bolsonaro no que tange à política do direito à comunicação e da radiodifusão comunitária?

Pedro: Eu acho que não tem como a gente avaliar as políticas de comunicação do governo Bolsonaro sem falar do que foi o golpe de 2016 que tirou a presidenta legítima, a Dilma, para colocar o [Michel] Temer,  ele acaba com o Ministério das Comunicações e já dá um passo para termos perdas nas políticas de comunicação. Teve intervenção na EBC [Empresa Brasil de Comunicação]. Há críticas à formação da EBC, mas ela tinha um caráter de participação importante. E isso vai atingir também os setores das rádios comunitárias e da comunicação popular. Vemos um cenário de baixa intensidade de liberdade de expressão, de retirada de liberdade democrática.

O Bolsonaro persegue aqueles que tenham uma linha de pensamento ideológica oposta aos seus pensamentos fanáticos. E isso vai se refletindo nas rádios comunitárias. Hoje, a nossa preocupação é a entrada do setor neopentecostal, que é a base de sustentação do Bolsonaro neste campo, tentando eliminar o que tem de participação popular, de construção democrática das rádios comunitárias, porque a rádio comunitária é comunitária por todos participarem.  Algumas questões que são apontadas pra gente são bem difíceis, ao mesmo tempo, temos novos desafios. Os comunicadores comprometidos com a democracia  têm um papel de se reinventar num cenário que se caracteriza por um discurso fanático de perseguição dos que são de oposição ao governo. O mais importante neste momento são os desafios de mobilização. Eu acho que a experiência da comunicação comunitária e, não só das rádios, pode ser retomada neste sentido.

Pedro, o governo Bolsonaro tem uma forte ligação com o setor evangélico e sabemos que há o interesse em boa parte das igrejas em explorar também o serviço de radiodifusão comunitária. Na sua percepção, qual o impacto que essa relação estreita entre lideranças religiosas neopentecostais e o governo Bolsonaro pode resultar?

Essa combinação tenta avançar para os meios de comunicação.  A gente já vê neste início de governo Bolsonaro  a empresa que mais recebeu verba de publicidade do governo foi a Record, que é controlada pela Igreja Universal do Reino de Deus, pelo Edir Macedo. O próprio Supremo [Supremo Tribunal Federal] abriu um espaço para que as igrejas neopentecostais entrassem no setor de rádios comunitárias.

Em 2002, elas perdem uma liminar pedindo o direito ao proselitismo religioso dizendo que proibir seria contra a liberdade de expressão. Isso volta ao STF no ano passado. O relator, que era o ministro Alexandre de Morais, dá um parecer contrário, mas o Supremo aprova a liberação do proselitismo com a argumentação de que a liberdade de expressão estaria sendo vetada. E, paralelamente a isso, vemos um projeto que, a princípio, é positivo para as rádios comunitárias, aumentando as potências das emissoras de 25 para 150 watts  e aumentando o número de canais de um pra dois sendo debatido no Congresso e avançando.

Por que o estranhamento do momento que ele [o projeto] acontece, apesar de ser uma pauta positiva para as rádios comunitárias? Em 2012, o mesmo Congresso negou aumentar a potência das rádios para 100 watts por lobby da Abert [ Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão]. Então, está havendo uma movimentação no campo político para as igrejas neopentecostais abocanharem esse lugar e ganharem mais poder no cenário político brasileiro expandindo a sua comunicação através de meios como a Record e, agora, com o apoio do governo federal com essa aliança com o Bolsonaro.

Com a força das redes sociais nos últimos  tempos, o questionamento sobre o papel desempenhado pelas rádios comunitárias tem sido colocado cada vez mais em xeque. Diante do atual cenário, qual o futuro das emissoras comunitárias no Brasil? Elas precisam se reinventar?

Não podemos abrir mão de nenhuma possibilidade de comunicação. Em muitos lugares do Brasil o acesso à internet é precário. Somos um país em quem apenas 50% das pessoas têm acesso à internet e, em grande maioria, os acessos se dão pelos celulares  e não por uma internet de qualidade com acesso à diversidade. As pessoas frequentam mais as redes sociais, como o Facebook.

Em alguns pontos vemos transformações ocorrendo em mídias comunitárias como, por exemplo, coletivos de comunicação que têm a sua comunicação muito fortalecida pelas redes sociais. Temos que aprender com essas iniciativas, como o Coletivo Papo Reto no  Alemão[Complexo do Alemão] e o coletivo da Maré [Conjunto de Favelas da Maré] que têm se comunicado na internet e outros coletivos de favela que cumprem um papel muito importante para ressignificar a comunicação comunitária, mas, o mais importante é entender que a comunicação comunitária é mobilização e eu acho que ela deve debater a sua reinvenção, a sua intervenção  na sociedade, mas sem abandonar nenhuma plataforma. Ao passo que a gente tem uma dificuldade de mobilização das rádios comunitárias, temos um debate também sobre a digitalização do rádio que vai virar uma plataforma multimidiática, com multiprogramação, a recepção do rádio vai mudar. Precisamos fazer esse debate. Como se constrói uma rádio comunitária num ambiente digital com essas possibilidades que se abrem? (pulsar)

*Entrevista concedida à jornalista Jaqueline Deister