O programa 6 e Meia do NPC e apresentado pela jornalista Claudia Santiago e tem o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Este programa foi ao ar no dia 1º de abril de 2021.
Giannotti insistia na necessidade dos sindicatos e da esquerda terem um jornal de circulação nacional e diário
[Por Rafael Lopes] na história da luta dos trabalhadores no Brasil, a comunicação sindical sempre foi protagonista nas estratégias de luta. No entanto, foi no final da década de 1980 que a imprensa das entidades do serviço público ganharam solidez, na esteira do processo de redemocratização do país. E na conjuntura atual, com o surgimento das redes sociais, como um novo campo de disputa pela hegemonia, a comunicação dos trabalhadores precisa mais uma vez se organizar para não deixar escapar suas principais características: formar e informar.
“O início dos anos 90 foi um momento de expansão no processo de militância sindical, de atuação sindical e dos trabalhadores. A gente vinha da eleição de 1989 quando Lula quase venceu, com o discurso mais à esquerda de todas as campanhas dele. E era um sindicalismo muito mais definido na atuação da comunicação porque eram materiais impressos e o ritmo era mais recuado em termos de produção. O grande desafio hoje é ganhar gente que distribua o que é produzido, dentro e fora da categoria. A gente não vai a lugar nenhum nas redes sociais se o servidor não estiver ganho. Podemos fazer mil lives, ou peças, mas o material precisa ter capilaridade”, analisa o jornalista da Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (Aduff-SSind) e do Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II (Sindscope), Hélcio Lourenço.
Ainda de acordo com Hélcio, ao mesmo tempo do desafio de influenciar a população sobre a importância do serviço público, para contrapor ao ataque que está em curso hoje, a comunicação do funcionalismo público também precisa ter uma volumosa produção de qualidade. E no mundo cada vez mais mediado por tecnologia de redes virtuais, convencer o servidor de que ele deve ser esse vetor, é fundamental: “Podemos fazer o melhor possível, mas se não chega a ninguém não serve”
O sindicalista Moacir Lopes, servidor do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), também aponta sobre a necessidade do servidor criar um vínculo político através da comunicação. Sobretudo, num contexto de acirramento das reformas administrativa e dentro de uma lógica de trabalho que tende a ser o mais remoto possível.
“Primeiro é importante convencer os trabalhadores a participarem desse processo, defender seu trabalho, porque ele pode existir amanhã. O trabalho em home office começa a mudar nossa vida e gera demandas que antes não existiam. A energia elétrica, a internet e os equipamentos são todos de uso pessoal. Os patrões não pagam mais nenhum centavo. O governo chegou a informar que economizou com gastos por causa da pandemia.”
Para Moacir, membro da Federação Nacional de Sindicatos em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS ), estamos vendo um século de luta dos trabalhadores serem destruídos pelas reformas trabalhista e previdenciária. E soma-se a isto, a fábrica de fake news comandada pelo governo de Bolsonaro, onde a mentira impera para que o projeto de Estado destrua qualquer possibilidade de garantia de direitos dos trabalhadores.
“Como trabalhar nesse processo? A gente tem tentado construir com os trabalhadores uma comunicação virtual permanente, boletim cards, pequenos vídeos, aquilo que aprendemos com o Núcleo Piratininga de Comunicação. Precisamos nos reinventar a todo momento. A comunicação dos sindicatos está nesse caminho. Este é o caso da nossa base do INSS. É um desafio grande chegar aos trabalhadores e convencê-los.”
Segundo pesquisa realizada pelo Atlas do Estado Brasileiro, o país possui mais de 11 milhões de servidores públicos. E é função da comunicação das centrais sindicais fazer essa unidade ampla para que as diversas categorias do setor público possam se convencer que as reformas tocadas pelo Estado vão acabar com empregos e estabilidade. E agir dentro de um cenário de crise econômica, agravada pela postura negacionista do governo Bolsonaro em relação à pandemia provocada pela Covid-19, não é tarefa simples.
“No momento, as pessoas estão buscando se salvar. Isso faz o individualismo crescer. A apatia que percebemos hoje também está ligada a esse fato.”
Para Hélcio, que trabalha a mais de 30 anos na comunicação sindical, nesse momento de pandemia, a imprensa classista é fundamental. Do ponto de vista da organização sindical, estamos num momento de guerra, as pessoas estão sendo massacradas, há um genocídio em curso. E não podemos abrir mão de nenhuma estratégia.
“Não dá pra pensar uma comunicação na lógica da década de 90. As direções sindicais não podem pensar assim. O investimento hoje na comunicação profissional é fundamental como foi no passado. Os setores hegemônicos não agem assim. Se naquela época a gente precisava do militante para levar o jornal, agora precisamos ainda mais. E sem uma equipe profissionalizada, não temos como fazer essa disputa.”
E a questão básica nesse ponto para Hélcio é que a comunicação sindical tem o desafio de “vender um produto” que normalmente as pessoas não querem acessar. E por isso, a participação da militância é mais que fundamental.
O protagonismo das ruas
A comunicação virtual possui um papel central na disputa de projetos de sociedade. Porém, ela é mais um elemento dentro dessa batalha. O protagonismo histórico das ruas para os movimentos sociais, da classe trabalhadora não possuem papel secundário dentro desta conjuntura.
“Tradicionalmente, a esquerda sempre teve na rua seu lugar de maior protagonismo nas reivindicações da classe trabalhadora da história brasileira. Sem ter atividade de rua, a gente não rejuvenesce a luta. Tudo o que organizamos sempre termina com ato nas ruas. Mesmo as manifestações que começam nas redes sociais têm nas ruas esse reflexo. E a fraqueza que sentimos hoje é porque a luta está fragmentada.”
O lugar da comunicação sindical
Aprender e reaprender é papel do movimento sindical. Para os dois sindicalistas, a função da comunicação sindical é conseguir fazer a unidade da classe trabalhadora, de convencê-la a lutar por objetivos comuns. Tendo sempre no horizonte uma sociedade mais igualitária, que não tenha esse sistema perverso. Nesse contexto, os sindicatos precisam repensar profundamente a maneira de atuar.
“Não consigo compreender porque os sindicatos atuam de forma tão isolada. O Vito (Giannotti) insistia na necessidade dos sindicatos e da esquerda terem um jornal de circulação nacional e diário, que levasse a voz dos trabalhadores para os trabalhadores. Imaginem montar um departamento de comunicação conjunto para disputar essa batalha. O movimento sindical tem que acabar com essa estrutura de propriedade”, avalia Hélcio.
Rafael Lopes* é jornalista e faz parte da Rede de Comunicadores do NPC
Edição de Texto e revisão: Moisés Ramalho, jornalista e antropólogo.