[Por Sérgio Domingues] A última pílula citou as formulações de Marx e Gramsci para mostrar que o senso comum é um emaranhado contraditório, constantemente atravessado por valores e preconceitos da ideologia dominante.
Apesar disso, boa parte da esquerda insiste em culpar a população pela confusão ideológica que vem garantindo seguidas vitórias à extrema-direita. Uma atitude metafísica que, a rigor, equivale a culpar a própria realidade.
Diante dessa situação, perguntava a última pílula, “o que fazer?”. Claro que não há resposta pronta para essa questão. Assim como não havia nada de universal ou definitivo na famosa resposta formulada por Lênin. Afinal, ele mesmo dizia que suas propostas eram produto “da análise concreta de situações concretas”.
A compreensão sobre o funcionamento e a dominação no capitalismo contemporâneo está presente em muitos estudos e pesquisas bastante precisos, sofisticados e de grande qualidade acadêmica.
Mas se todo esse acúmulo crítico não produzir efeitos transformadores na vivência concreta dos explorados e oprimidos, torna-se inútil. Marx, Engels, Gramsci, Lênin eram grandes teóricos, mas sua prioridade era a transformação da realidade, não apenas sua apreensão.
Nossa abordagem da realidade dos explorados e oprimidos é limpa, mas superficial. A da extrema-direita chafurda, mas pavimenta com eficiência o caminho da barbárie.
Os enigmas da luta de classes só se deixam revelar nos terrenos onde assumem toda sua radicalidade. É lá que a dialética costuma se apresentar como a esfinge que nos desafia a decifrar seu mistério dizendo: “Decifra-me, enquanto te devoro”.
A esquerda precisa encontrar um modo de responder a esse desafio urgentemente. Se continuarmos perdidos em nossas abstrações, acabaremos sendo tragicamente devorados pelo enigma.