[Por Marcos Aurélio G Ribeiro – Historiador] A greve dos trabalhadores topógrafos de 1858 no Rio de Janeiro ocorreu em um contexto de transformação socioeconômica no Brasil. O país vivia o período do Segundo Reinado (1840-1889), sob o governo de Dom Pedro II, marcado por avanços na urbanização e modernização, especialmente nas cidades como o Rio de Janeiro, que era a capital do Império.

Nesse período, o Brasil ainda era uma sociedade majoritariamente agrária, com sua economia dependente da produção e exportação de café, açúcar e outros produtos agrícolas. No entanto, o desenvolvimento das cidades começou a atrair mais trabalhadores especializados, como os topógrafos, que eram essenciais para obras de infraestrutura e o planejamento urbano.

A escravidão ainda era amplamente praticada no Brasil, mas o país também estava passando por mudanças, com o crescimento do trabalho assalariado e a pressão para acabar com o tráfico de escravos. Isso gerou tensões nas relações de trabalho, já que havia uma convivência de mão de obra escrava e livre.

Resistência Escrava no Rio de Janeiro: Lutas pela Autonomia e Manutenção de Laços no Século XIX.

Em meados do século XIX, episódios de resistência escrava tomaram forma no Rio de Janeiro. Um deles envolveu um grupo de escravos que, armados com achas de lenha e facas, paralisou as atividades em uma fábrica e exigiu sua imediata venda para outro senhor. Embora a motivação para essa revolta não tenha sido claramente declarada, há relatos de que Rocha Paiva, o proprietário, tentou negociar e adiar a discussão para o dia seguinte, alegando o avançado da hora. Os escravos, majoritariamente crioulos e africanos, responderam de forma enérgica, afirmando que “não queriam esperar, pois aquilo era um assunto que precisava ser resolvido imediatamente”.

A resposta do proprietário não veio através de um acordo, mas sim com a repressão policial. Quase cem homens foram mobilizados, causando alvoroço entre os moradores da Corte e atraindo a atenção da imprensa. Quando a polícia chegou à fábrica, os escravos se entregaram pacificamente, talvez acreditando que, ao serem presos, ficariam temporariamente afastados da fábrica e, eventualmente, seriam vendidos, como desejavam.

Um caso semelhante ocorreu em 1858, na rua da Saúde, onde escravos de um armazém de café se rebelaram contra seu proprietário, Manuel Ferreira Guimarães. Nesse episódio, no entanto, os escravos não queriam ser vendidos. Cientes das dificuldades financeiras de seu senhor, temiam ser levados para fazendas de café no interior, longe da cidade onde haviam construído laços familiares e de amizade. O desejo de permanecer juntos e evitar o trabalho nas áreas rurais foi tão forte que o armazém parou suas atividades. Como resposta, os escravos foram rapidamente enviados para a Casa de Detenção, sofrendo represálias imediatas.

A Primeira Greve Operária do Brasil: O Marco Histórico dos Trabalhadores Gráficos de 1858

A greve dos trabalhadores gráficos no Rio de Janeiro é um movimento reivindicatório que envolve profissionais da indústria gráfica, geralmente organizados por sindicatos, como o Sindicato dos Trabalhadores Gráficos (STIG). Essas greves geralmente ocorrem em busca de melhorias salariais, melhores condições de trabalho, segurança e garantias de direitos trabalhistas, como férias e benefícios.

Em 1858, os topógrafos do Rio de Janeiro fizeram uma greve, o que era algo raro na época. Esses trabalhadores eram responsáveis por medir e mapear terras, um trabalho altamente qualificado. A greve provavelmente estava relacionada a demandas por melhores salários e condições de trabalho, já que a categoria de trabalhadores especializados começou a perceber seu valor em um mercado de trabalho em expansão. 

A greve dos tipógrafos já foi apontada como a primeira paralisação de trabalhadores conhecida na história brasileira. Mas estudos apontam que existiram paralisações coletivas de pessoas escravizadas que aconteceram antes da greve dos tipógrafos.

Esse evento pode ser entendido dentro do contexto mais amplo da lenta transição do Brasil para uma economia capitalista e a busca por direitos trabalhistas em uma sociedade ainda muito marcada pela escravidão e pelo autoritarismo das elites.

Assim, a paralisação dos tipógrafos deve ser reconhecida como um dos marcos históricos do movimento sindical, mas não a primeira paralisação de trabalhadores do país – e sim a primeira de uma classe totalmente livre e assalariada.

A greve acabou dias depois, sem o aumento pretendido e sem a redução da jornada de trabalho, mas ela serviu de inspiração para diversos outros movimentos que ocorreram na capital do país nos anos seguintes.

Marcos Aurélio Gomes Ribeiro – Professor de História contemporânea do Brasil e Pesquisador do Movimento Sindical e Operário brasileiro.

Fontes:

Gomes, F. dos S. Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.

Mattos, M. B. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2008.

Negro, A. L.; Gomes, F. dos S. “Além de senzalas e fábricas: uma história social do trabalho”. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, 18, 1, 2006.

CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil – Volume 1: 1877 – 1944. Editora Record, São Paulo, 1994.

PRADO, Caio Jr. Formação do Brasil Contemporâneo. Companhia das Letras, São Paulo, 2011.