[Por Gabriella Gomes/NPC] É no contexto da história do sindicalismo no Brasil, traçando uma linha do tempo sobre a trajetória de luta dos trabalhadores dos anos 30 em diante, que os convidados desta semana do Quintas Resistentes dão uma aula sobre mais um capítulo importantíssimo da história do Brasil. São eles: Sebastião Neto, coordenador do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), membro do projeto Memória da Oposição Metalúrgica de São Paulo e do Fórum dos Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação,  e José Sérgio Leite Lopes, antropólogo e professor do Museu Nacional da UFRJ e coordena o Programa de Memória dos Movimentos Sociais (MEMOV). 

O professor José Sérgio explicou que o sindicalismo no Brasil já existia desde o início do século XX, mas só amadureceu durante a era Vargas, dos anos 1930, quando foi criado o Ministério do Trabalho, até 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A partir de então, foram criadas leis e diversos decretos que garantiam os direitos dos trabalhadores. Entretanto, o sindicalismo nesse período era restrito aos trabalhadores urbanos. Apenas 20 anos mais tarde, os trabalhadores rurais, que eram maioria — cerca de 70% da população vivia no campo —, se organizaram e se sindicalizaram. 

Um importante trabalho de pesquisa, realizado por José Sérgio através do MEMOV, busca recuperar e reunir estudos realizados por vários pesquisadores com o intuito de resgatar a memória dos trabalhadores, suas formas de organização e atuação nos movimentos. Além disso, realiza um estudo comparativo das diferenças e semelhanças dos movimentos rurais e urbanos. 

José Sérgio explicou que um dos motivos do golpe de 1964 foi justamente o medo que despertava nas classes dominantes o movimento dos trabalhadores que estava se articulando e se organizando desde os anos 50 e, mesmo com as limitações impostas, crescia cada vez mais. A comunicação sindical dando uma considerável contribuição a esse fortalecimento da organização sindical.

No entanto, com o golpe de 1964, os sindicatos sofreram uma violenta intervenção: as diretorias foram cassadas e dirigentes mais dóceis eram escolhidos pelo próprio regime. A imprensa sindical, por sua vez, suportou forte repressão, sendo por fim proibida. 

O professor falou ainda sobre a crescente desigualdade social deste período, aprofundada, de um lado, pelo arrocho salarial imposto pela ditadura e, de outro pela inflação alta, o que resultou em uma concentração ainda maior da renda. Tudo isso deu origem à luta pela reposição salarial e em 1967 foi criado o Movimento Intersindical unindo trabalhadores de diferentes setores que se encontravam isolados, mas buscavam reagir a essas violações.

Foi então essa política mais combativa cresceu e se espalhava pelos estados e municípios. “As coisas não acontecem assim de repente: com uma explosão, e se começa a fazer greves… Não! Tem toda uma evolução anterior e uma luta, às vezes invisível, para não atrair repressões; ou às vezes a repressão se dá, mas o pessoal consegue se reconstituir, e isso é importante para se compreender o período posterior”, explica José. 

 O ciclo das greves e a situação política do país

Sebastião Neto expôs o período da ditadura em que não se podia fazer greves e a repressão era muito intensa. Segundo ele, era um país ocupado pelos militares e tudo era proibido, principalmente as greves. De 1964 a 1984, foi uma época de resistência, organização e luta dentro das fábricas e houve todo um trabalho de base até se deflagrar as esse “boom” de greves. Com a maior parte concentrando-se em São Paulo, paralisações foram se ampliando por todo Brasil e ganhando adeptos de diversas categorias como metalúrgicos, bancários, petroleiros, entre outros. O coordenador do IIEP lembra que a interferência foi tal que os principais sindicatos em 2 de abril, no dia seguinte ao golpe militar, já estavam ocupados, e os interventores sendo nomeados. Neto relembrou também companheiros de lutas como Vito Giannotti, fundador do NPC e Valdemar Rossi. 

O financiamento e a colaboração de empresas com a ditadura 

Neto e José Sérgio recorda ainda que, além da grande repressão por parte do Estado, havia também a repressão por parte dos patrões. Muitas empresas conhecidas, e algumas que estão em atividade até hoje, como é o caso da Volkswagen, por exemplo, “patrocinaram” a ditadura militar. Além de receberem incentivos fiscais, financiaram e contribuíram com os militares, fornecendo listas com nomes de operários engajados na luta, demitindo líderes das greves e até realizando detenções em suas fábricas.

A Comissão Nacional da Verdade iniciou uma investigação sobre a colaboração com a repressão e a violação dos direitos dos trabalhadores por parte dessas empresas. Sebastião Neto afirmou que a Volkswagen se recusa até hoje a fazer um acordo — e já se vão cinco anos de conversação. A criação de um memorial de luta dos trabalhadores, além de um documento de retratação por cooperar com a ditadura e doação recursos para investigar outras empresas que também apoiaram a ditadura, fazem parte de uma do pedido de reparação pela colaboração da Volkswagen com a ditadura e pela violação dos direitos de seus trabalhadores.

Há diversas outras empresas que foram denunciadas por sua colaboração neste período. A Cobrasma, por exemplo, fábrica que produzia equipamentos ferroviários na época e encerrou suas atividades, enviou uma lista contendo 18 nomes para o Dops. Eles foram os primeiros a serem presos quando aconteceu a greve de 68 em Osasco. Sebastião Neto afirmou que vai ser preciso ainda muita luta e trabalho: “É mais fácil levantar qual empresa não cooperou com a ditadura!” 

Os sindicatos hoje

 “O sindicalismo está lutando pra sobreviver”, afirmou o professor José Sérgio, trazendo o debate para o cenário atual. Ele reconhece que há uma tentativa de eliminar o sindicalismo com a diminuição de direitos sociais e trabalhistas. Desde o governo Temer, até o atual, estamos acompanhando um retrocesso nas conquistas dos trabalhadores. Mas para o professor, apesar de toda essa derrocada, há esperanças, como demonstra o movimento dos entregadores de aplicativos, por exemplo.

“O processo histórico se aproveita das lições do passado e transforma”, avalia José Sérgio, para quem as rivalidades do passado entre as centrais sindicais, transformaram-se hoje em cooperação: “Há uma união para tentar barrar esse processo destrutivo”, conclui o professor. 

Sebastião Neto, falou também sobre a modificação na estrutura sindical e as diversas críticas que os sindicatos e a esquerda vêm sofrendo. Para ele, na época em que se vivia um período muito favorável, não foi feito o trabalho necessário para modificar essa estrutura. “Mas a culpa maior é do sistema”, ressalva o professor.

“O patronato fez todo um esforço para destruir e enfraquecer os sindicatos. Há uma fábrica de maldades instalada no Palácio do Planalto, pensando: ‘Como vamos ferrar o povo amanhã?’ (…) não vamos procurar a culpa em nós; o problema não está na gente, está do outro lado; é ele que nós temos que tirar de lá”, finaliza o coordenador do IIEP. 

Sugestões de leitura:

  • Investigação Operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores
  • Movimentos cruzados, histórias específicas: estudo comparativo das práticas sindicais e de greves entre metalúrgicos e canavieiros.  É uma publicação organizada por José Sérgio Leite Lopes, professor titular do Museu Nacional da UFRJ e coordenador do Programa de Memória dos Movimentos Sociais (Memov), do Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE) do Fórum de Ciência e Cultura/UFRJ, e por Beatriz Heredia, que foi professora de Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ). Traz artigos de professores e pesquisadores de várias universidades públicas brasileiras. Além de José Sérgio Leite Lopes, textos de Alberto Handfas, Moacir Palmeira, Mário Ladosky, Miriam Starosky, Jaime Santos Jr,  Marilda Menezes,Ligya Sigaud, Roberto Veras, Murilo Leal, entre outros.

Sugestão de filme: