Por Carlos Castilho / Observatório da Imprensa
A infiltração de interesses políticos e econômicos disfarçados de informação no noticiário jornalístico deixou de ser uma exceção para transformar-se numa regra que já preocupa até os grandes jornais e revistas como o The New York Times e The Economist.
A preocupação resulta do fato de que é cada vez mais difícil distinguir dados de interesse público de fatos, números e interpretações de interesse privado, o que compromete a credibilidade do noticiário e consequentemente o faturamento das empresas jornalísticas de todos os tipos e tamanhos.
Os mais novos protagonistas no esforço para moldar a opinião pública por meio de notícias apresentadas como jornalísticas são os chamados think tanks, expressão inglesa que poderia ser traduzida como grupos de estudo e pesquisa. Eles passaram a ocupar o lugar dos lobistas e dos chamados spin doctors, outra expressão inglesa muito usada no submundo da distorção informativa. Os spin doctors são especialistas em interpretar um dado de acordo com as conveniências de quem o contratou.
Os think tanks já existem há muito tempo e muitos deles surgiram associados a instituições acadêmicas, que lhes conferiram credibilidade e respeitabilidade. Mas com a intensificação da guerra pelo controle do noticiário, os grupos de pesquisa passaram a ser usados pelos lobistas para produzir estudos financiados por empresas e governos. Em alguns casos, os think tanks chegam até a contratar jornalistas para produzir reportagens e informes, também financiados por alguém, como é o caso de algumas organizações não governamentais como Save the Children e Oxfam.
O sistema funciona da seguinte maneira: a instituição recebe um financiamento para produzir um estudo analítico ou uma pesquisa sobre um tema de interesse do financiador; as conclusões do trabalho são levadas aos jornais, revistas e telejornais como material inédito e relacionado a algum tema de atualidade. A partir da publicação, as conclusões passam a ser citadas por políticos, empresários e governantes para justificar ou refutar alguma questão em debate no Parlamento.
Esta prática tornou-se tão comum que os próprios jornais começaram a tentar encontrar maneiras de reduzir o mercado de notícias sob encomenda. Há casos claros em que a empresa participa como cúmplice dessa estratégia de vender gato por lebre, mas aumentou enormemente o número de casos em que jornais e revistas são manipulados sem saber. Algumas publicações passaram a exigir que os autores de artigos de opinião declarem empregos e posições ocupadas anteriormente. Quando se trata de relatórios ou informes, discute-se a exigência de identificação de financiadores.
Só que isso é restrito a algumas poucas organizações jornalísticas, nos Estados Unidos e Europa. Aqui no Brasil o tema ainda é tabu na grande imprensa, embora algumas tímidas iniciativas de buscar mais transparência sobre a autoria tenham sido feitas pela Folha de S.Paulo. O grande obstáculo é a complexidade da questão porque a ocultação de interesses pode obrigar jornais, revistas e telejornais a publicarem extensas explicações bem como investigações trabalhosas sobre o que está embutido numa reportagem ou notícia. Os executivos da imprensa reclamam muito do alto custo e do escasso beneficio imediato desta busca pela credibilidade por meio da transparência da autoria.
Agora o pobre do leitor passa a ter que avaliar não apenas o conteúdo da informação, mas também o seu autor, o que complica ainda mais a já difícil tarefa de separar o joio do trigo no dia a dia do noticiário. Isto reforça a necessidade de o público desenvolver o hábito da leitura crítica, algo que o Observatório da Imprensa vem promovendo há 18 anos. Como o tempo disponível pela maioria das pessoas é limitado, não há outro jeito senão apelar para o compartilhamento de leituras críticas, por meio de redes sociais, o que pode gerar a formação de comunidades de informação.
Alguns jornais começam também a avaliar a possibilidade de incluir informações de leitores na composição da ficha sobre autorias, interessados e financiadores de estudos e pesquisas, mas segundo o editor chefe do britânico The Guardian isso só poderá ser feito em casos específicos porque é inviável para todas as notícias e reportagens publicadas pelo jornal. Outra possibilidade é a colaboração entre órgãos da imprensa para reduzir a distorção e o viés nas notícias, dados e estudos. Mas isso esbarra na tradicional autossuficiência de empresas.
O resultado é que entramos decididamente na era da complexidade noticiosa, onde o hábito de ler jornais, ouvir noticiários radiofônicos ou assistir a telejornais deixa de ser algo simples e prazeroso para ser uma tarefa árdua e muitas vezes frustrante. Basta ver o que acontece hoje com o noticiário sobre a campanha eleitoral brasileira.