Por Gizele Martins
O Cidadão

Não se pode negar que a cidade baiana é bela, com muito sol, lindas praias, céu azul, um povo caloroso, receptivo, sem contar na enorme diversidade religiosa. Mas como em qualquer outro lugar deste país, as diferenças e os problemas sociais de Salvador são diversos e perceptíveis.

Um deles é a falta de políticas públicas habitacionais voltadas para o povo mais pobre. Com isso, o número de movimentos de luta pela moradia cresce cada vez mais na cidade, pois eles precisam se fortalecer para cobrar dos governantes — aqueles que votamos de quatro em quatro anos — o que deveria ser direito de cada cidadão.

O Fórum Social Mundial Temático da Bahia, que chegou ao fim no dia 31 de janeiro, não poderia deixar de dar grande espaço para este assunto. Durante um dos encontros do Fórum, a repórter Gizele Martins, do jornal O Cidadão, da Maré, conversou com a militante baiana Ana Santos, da Frente de Resistência Urbana.

O que é a Frente de Resistência Urbana e quais são suas frentes de luta?
Esta é uma frente que vem se organizando a nível nacional. As primeiras articulações começaram no ano de 2006, e hoje ela reúne movimentos do Maranhão, do Pará, de Rondônia, do Amapá, do Ceará, da Bahia, de São Paulo, do Rio de Janeiro. São movimentos que defendem a autonomia, a ocupação como ação prioritária, e que têm como princípio a unidade de classe. Isso significa ter uma perspectiva socialista, de resistência do povo negro e indígena, feminino e popular. Queremos a construção de um poder popular, uma revolução que possibilite que as massas construam a sua própria história.

Este movimento tem levantado hoje duas grandes campanhas: uma primeira mais específica, chamada Minha casa, minha luta, que visa denunciar esta grande onda de despejos e remoções causada por intervenções que pretendem construir um palco para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. São as próprias obras governamentais que, a serviço da especulação mobiliária, estão interferindo negativamente nas comunidades e removendo-as.

A outra campanha que levantamos pode ser dividida em quatro eixos de atuação: direito ao trabalho; direito à moradia; projeto de reforma urbana popular; e, por fim, o combate à criminalização da pobreza, dos movimentos sociais e contra o extermínio do povo negro. Hoje, o movimento sem teto da Bahia está adotando esta campanha, assumindo o papel de construí-la aqui e agregá-la a outros inúmeros setores, a movimentos que se encontram dispersos porque talvez ainda não tenham encontrado referências nas quais possam acumular força para poder avançar. A ideia é servir de ponte para que todos os grupos dialoguem e saiam do isolamento.

Você falou que um dos eixos de luta da Frente de Resistência Urbana trata da criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. De que maneira esta criminalização é alimentada e praticada pelo Estado e vivida por vocês?

Quando a polícia entra nas ocupações com a justificativa de fazer o combate ao narcotráfico, quando a polícia invade a periferia e trata o povo preto e favelado como bandido, quando ela executa os jovens — independente de serem criminosos ou não — todas são formas de criminalizar a pobreza, uma forma de dizer que tudo ali é tráfico, é ilícito, e precisa ser exterminado.

Um bom exemplo se dá nos processos de reintegração de posse por que passamos. Quando o oficial de justiça vai até as ocupações, vai sempre com a polícia, e sempre com a polícia fortemente armada. Mas nós não somos criminosos! Quando ocupamos um imóvel abandonado, o fazemos porque as famílias precisam de um lugar pra morar. Este é um direito nosso, a moradia está na Constituição.

E o que o Estado tem oferecido em relação a políticas habitacionais aqui na Bahia?

Somos 22 ocupações aqui no estado. São 4 mil famílias e cadastramos todas elas. Das 32 mil casas que estão previstas de serem construídas pelo governo, nenhuma foi de fato fechada, nenhuma foi garantida. Temos uma relação histórica de desconfiança com o poder público, o que nos faz sentir insegurança e desamparo. Por tudo isso, o movimento tem optado por ocupar terrenos, já que as políticas públicas não nos atendem.