Neste 5 de junho, outra vez os supermercados de opiniões estarão lotado de avaliações sobre o estado do planeta. Terá de tudo em mais esse Dia Mundial do Meio Ambiente: de catastrofistas (os de bem e os mal intencionados) a otimistas (idem, ibidem). Todos terão seus 15 segundos de fama. E todos que tratarem da “questão ambiental”, os de boa fé e os que não a possuem, em verdade estarão tratando de uma falsa questão. A “questão ambiental” como categoria de análise e por si só é falsa.
Aos apressados (os de bom caráter e os nem tanto), aviso que não virei ecocético, como aqueles que se opunham à energia atômica mudaram de lado para ganhar muito dinheiro preconizando a perigosíssima geração nucleoelétrica.
Sequer passaria pela minha cabeça negar que as mudanças no clima existem e geram fenômenos de intensidade e natureza absolutamente desconhecidas, quase sempre tendo a ver com a opção feita pela espécie humana de gerar a maior parte da energia a partir da queima de combustíveis fósseis e pelo uso intensivo de venenos agrícolas organofosforados.
Nem rejeito a existência da superexploração de crescentes escalas de reservas de água potável por grandes corporações internacionais que dominam a produção de alimentos e bebidas. A mesma água que é amplamente desperdiçada na mineração e na produção de hidroeletricidade subsidiada para exportadores de produtos intensivos em energia. Tampouco desconheço que o despejo diário a céu aberto de milhões de toneladas de lixo se constitui em uma das piores agressões a diversos ecossistemas.
Não se trata disso.
Refiro-me ao fato de que o ambiente é a resultante da interação entre o meio natural e a ação humana. Aquilo que se convencionou chamar de “questão ambiental” é um eufemismo esperto que esconde uma série de disputas pelo controle de largas porções dos territórios e de todos os tipos de recursos naturais, em especial água, energia, alimentos e materiais estratégicos (elementos químicos raros, combustíveis fósseis, diversidade biológica). Esconde também a exploração e a espoliação de seres humanos, integrantes tão legítimos da biosfera quanto qualquer mico-leão dourado ameaçado de extinção pelo desflorestamento.
Em verdade, a “questão ambiental” é a nova identidade da velha disputa por recursos que sempre colocou em lados opostos povos, nações, classes e grupos de interesse. Ela tem nome e sujeitos. Está na superexploração e na contaminação – por parte de subsidiárias da Coca-Cola e do sistema de produção suína no Sul do Brasil – do Aqüífero Guarani, espetacular fonte subterrânea de água potável de boa qualidade, suficiente para abastecer em níveis atuais de consumo toda a população da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai por centenas de anos. Está no barramento e desvio do Xingu para construção da hidrelétrica Belo Monte que, a despeito de secar os 100km de extensão da Volta Grande do rio, é voluptuosamente viabilizada pela desrespeito da legislação ambiental pelo Ibama e financiamento subsidiado pelo BNDES.
Está na ultraexploração dos minérios brasileiros pela Vale e sua venda ao exterior (em especial, Ásia) em bruto, sem valor agregado e em escala insustentável, com todo tipo de desrespeito ambiental e aos direitos humanos das populações dos locais em que atua. Tudo com a conivência do Estado brasileiro, que tem poder de veto na empresa mas fecha aos olhos para esse crime. Está nos inúmeros incentivos governamentais para que multinacionais graneleiras produzam soja no Cerrado e na Amazônia do Brasil. Exportam o grão para engordar vaca na Europa e porco na China, independentemente da queima de floresta e invasão de terras protegidas (incluindo terras indígenas) gerada por exportadores nacionais vinculados aos esquemas internacionais de agiotagem sobre a comida.
Toda essa situação é objetiva, cria estruturas de poder e age em simbiose com o Estado brasileiro. Mas nada tem a ver com essa mitologia “ambiental”.
Carlos Tautz é jornalista