Entre a vinda ao mundo em Caconde (cidade do interior paulista), em 8 de julho de 1936, e a partida, em São Paulo, em 21 de julho de 2000, a vida intensa incluiu a passagem por vários dos principais veículos jornalísticos do país. Biondi começou na Folha da Manhã (que depois se tornaria Folha de S.Paulo) em 1956, aos 19 anos. Durante o regime militar (ditadura, em bom português), participou ativamente da resistência com seu trabalho: numa revista Veja muito diversa da atual, desenvolveu uma cobertura pioneira do mercado de capitais; na efêmera, mas impactante, Revista Fator, esmerou-se em destrinchar os números da política econômica do todo-poderoso ministro Delfim Netto; na respeitada Visão, botou lenha na disputa entre ortodoxos e desenvolvimentistas, e venceu um Prêmio Esso ao mostrar os impactos econômicos do desrespeito ao meio ambiente.

Mais adiante foi, durante a década de 90, uma das poucas vozes a se levantar contra foi a abertura econômica sem freios e a condução das privatizações. No período, colaborou com uma série de veículos – Folha de S.Paulo, Diário Popular, Caros Amigos, Revista dos Bancários e Revista Bundas, entre outros – e escreveu o livro O Brasil Privatizado – Um Balanço do Desmonte do Estado, em que calculou quanto o governo gastou e quanto obteve com a venda das estatais. O cálculo cuidadoso mostra que o discurso da equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso escondia o fato de que R$ 87,6 bilhões não entraram ou saíram dos cofres públicos nesse processo. Isso precisava ser descontado do saldo. “O balanço geral mostra que o Brasil ‘torrou’ suas estatais, e não houve redução alguma na dívida interna, até o final do ano passado (1998)”, escreveu o jornalista. O livro foi um campeão de tiragem: mais de 130 mil cópias.

O método de trabalho de Biondi tinha como regra o imenso esforço de apuração e análise. O segredo de como rastrear as informações certas para reportar os fatos. Na maioria das vezes, sem uma entrevista exclusiva com determinada fonte de conhecimento privilegiado, mas pela própria pesquisa – em balancetes de empresas, no aprofundamento de pesquisas oficiais, no cruzamento de estatísticas e na leitura linha por linha dos jornais. Após semanas debruçado sobre dados de pesquisas, finalizou levantamento pioneiro – “Quem é Quem na Economia Brasileira” – em que eram identificados os personagens principais ligados ao desenvolvimento do país. Em outro caso, no final da década de 1960, lendo todos os mapas de importação e exportação, desconstruiu o discurso da ditadura militar sobre o perfil “essencial” nas compras do exterior. Na década de 1990, sua capacidade de produção o levou a ter simultaneamente duas colunas diárias, várias semanais e inúmeras mensais ou bimestrais.

Na rotina das redações era admirado por sua postura reta. Sua forma de dialogar com editores e repórteres trazia uma forma de pedagogia da profissão – coisa rara nos tempos atuais. Ajudou a formar gerações de jornalistas dentro dos veículos em que trabalhou. Esteve cercado de amigos na profissão: Washington Novaes, Lauro Veiga Filho, Delmar Marques, Irene Solano Viana, Ricardo Kaufman, etc. Exercitava em alguns veículos o hábito de reuniões de pauta abertas a todos da equipe de produção jornalística, como os casos de Diário da Manhã e Shopping News. A verve didática chegaria às salas de aula da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, onde lecionou jornalismo após longo processo de convencimento do então coordenador Marco Antonio Araújo.

O idealismo e a determinação contra o senso comum colocaram Aloysio Biondi em muitas polêmicas e situações complicadas ao longo da trajetória profissional. Pelo mérito e pelo tom de suas críticas, chegou a fazer inimigos dentro de ministérios militares e civis. Manteve longos debates por escrito com colegas jornalistas nas páginas do mesmo veículo, discordâncias públicas com expoentes da própria esquerda, inclusive economistas do MDB, que não admitiam, por exemplo, a fase de retorno do crescimento econômico do país na década de 80 em nome da disputa política contra a decadente ditadura militar.

Era fã de música – clássica e popular brasileira, com destaque para Strauss, Beethoven, Gal Costa e, especialmente, Chico Buarque. Em noitadas caseiras com a roda de amigos mais próximos, mergulhava no piano. Também adorava conversar horas num boteco, expediente que o aproximou de vez de uma turma de alunos e professores. E cozinhar para os filhos. Era capaz de uma caprichada moqueca, mas a escolha quase sempre se dava entre macarrão e capeletti – com três molhos, para não desapontar as preferências. Foi muito apaixonado pela mulher, Angela Leite, artista plástica reconhecida por seu trabalho em defesa da fauna e flora brasileiras, de quem se separou quando os filhos eram adolescentes. Pedro é jornalista e escritor. Antonio também se tornou jornalista e militante pela democratização da comunicação. Bia é música, e escreveu um livro sobre sua vida, no qual compartilha suas dificuldades, desafios e conquistas e como eles se ligam à paralisia cerebral de que é portadora.

Aloysio Biondi se foi exatamente duas semanas depois de completar 40 anos e 288 meses, segundo os cálculos com que costumava brincar. Deixa um legado de ética, coerência e alegria, que este projeto procura honrar. Cada depoimento a seguir e cada linha registrada em seus textos ajudam a contar sua biografia e a própria história recente do jornalismo e dos trabalhadores brasileiros. Em livro aberto.