Por Rosângela Ribeiro Gil – NPC/SP
Com colaboração da jornalista Cidinha Santos
Ela é jornalista da Federação dos Trabalhadores, Empregados e Empregadas no Comércio e Serviços do Estado do Ceará (Fetrace); apresenta, às sextas-feiras, o programa da entidade “Conexão Feminina” na Rádio Classista, via web; e, ainda, todos os dias, está à frente do “Democracia no Ar” pela rádio Atitude Popular. Como é o nome dela? Marina, ou melhor, Nina Valente!
Nessa entrevista concedida ao BoletimNPC, saindo de uma forte gripe, Nina nos deu muita informação importante sobre o fazer comunicação para valer e teceu boas análises sobre os caminhos para disputar corações e mentes no Brasil de hoje.
Como descreve, a Fetrace tem um sistema de comunicação avançado, para fazer a (boa) diferença. “Trabalho com eles desde que me formei na faculdade por meio da Metamorfose Comunicação. Fazemos diversos tipos de material, como cartazes, folders, alimentação de site, cobertura fotográfica, produção de release, cartilhas etc.. “Todo ano, produzimos agendas lindíssimas que mostram a luta popular. Ano passado [2017] destacamos a Revolução Russa [de 1917] na agenda; neste ano, foi a guerrilha do Araguaia. A gente traz essa referência histórica e conta os detalhes de como é que foram cada uma dessas lutas e cada mês tem uma arte específica na capa. Temos uma postagem enorme de conteúdos que são produzidos pela federação. Material nosso já foi levado para Cuba”, diz, orgulhosa. Ela faz questão de destacar o secretário de Comunicação e Imprensa da Fetrace, Francisco Luiz Neto, que está à frente de todo esse trabalho.
O Conexão Feminina conta, na produção, com o jornalista Esdras Gomes e a secretária de Mulheres, Ana Claudia Silva de Sousa, ambos da Fetrace. Nina explica que os nomes de convidados e temas são sugeridos pelo grupo.
Democracia no ar contra o golpe
Já o programa Democracia no ar que comanda diariamente, das 10h às 11h, é apoiado pelo movimento “Democracia participativa”, composto, relaciona Nina, por intelectuais de esquerda do Ceará, professores, advogados e também por diversas entidades sindicais e que nasceu no momento em que se iniciavam as primeiras tentativas de golpe contra a então presidenta Dilma Rousseff. Ele é retransmitido pela radioweb da Fetrace e por três rádios do Interior, sendo duas delas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os convidados são sugeridos, às vezes, pelos próprios membros do movimento. “Também acontece de as próprias pessoas que comentam no programa fazerem indicações de nomes e assuntos e dos próprios ouvintes. Trabalhamos de forma bastante democrática.” Ela reforça: “O programa é construído assim, com escolhas bem abertas e amplas, tentamos pautar sempre os principais temas que estão em voga naquele momento. Interessante que, tanto na Rádio Classista quanto na Atitude Popular, não existe uma censura para convidados nem ideológica.”
Segundo analisa, antes “mesmo de a gente começar a falar em unidade de esquerda ou do campo progressista, a Fetrace deixou evidente que se é do campo progressista pode e deve ser convidado independente de ser de uma corrente ideológica diferente ou que tenham discordâncias. Todos que estão na luta contra o golpe e contra o machismo podem vir e contribuir”. O mesmo acontece, assegura Nina, com a Atitude Popular: “A gente leva no programa as mais diferentes forças políticas. Por exemplo, entrevistamos a Sônia Guajajara, que é a vice na chapa de Guilherme Boulos [chapa do PSOL à Presidência da República]. Achei a entrevista riquíssima. Foi muito bem comentada e assistida. Então, tem essa liberdade total. Já estiveram no programa, ainda, dirigentes da Força Sindical, do Conlutas, da CUT.”
Conexão no aplicativo
A Rádio Classista tem um estúdio bem organizado com uma boa quantidade de equipamentos e grade bem diversificada. “Ela está crescendo”, comemora Nina, indicando que a rádio é transmitida pelo site da Fetrace e também por meio de aplicativos para telefone celular, assim como pelos portais das entidades filiadas à federação. “É um programa [Conexão Feminina] bem bacana porque a gente sempre traz uma música que pauta o feminismo, além de trazer o nome de uma grande personalidade na história do Brasil e do mundo, uma personalidade feminista viva ou que já tenha falecido, mas que tenha marcado a história de luta das mulheres e a gente depois faz um programa de entrevistas.”
O Conexão Feminina caminha para completar um ano de vida. “Ainda temos ajustes a fazer, mas tem sido bem bacana a experiência de ser um programa feito por mulheres, pensado por nós, onde a gente traz a luta do feminismo, inclusive de uma forma muito sincera, às vezes falando até dos problemas que a própria esquerda tem com essa bandeira, então a gente caminha com grande tranquilidade para dizer o que é preciso dizer e fazer longos debates sobre isso”, comenta.
A Rádio Classista é praticamente a primeira iniciativa de rádio sindical no estado cearense, assegura Nina. “Ela é pioneira, e isso se deve ao diretor Francisco Luiz Neto”, faz questão de repetir.
Casa de ferreiro, espeto de pau
Apesar do importante trabalho de comunicação desenvolvido pelas duas rádios, os recursos para mantê-las são levantados de forma bem “suada”. “Existe a estrutura da Fetrace para bancar a rádio, mas tudo com muito esforço e alguns sacrifícios. Já Atitude Popular tem sempre uma dificuldade mensal de arrecadação, de estruturar o estúdio. Nina agradece, especialmente, ao padre Ermanno Allegri, um dos comentaristas fixos do programa, que conseguiu uma doação recentemente. Além dele, outros nomes fortes compõem o time do programa: a professora Sandra Helena; o radialista Antônio Ibiapino; o professor Fábio Sobral, protagonista, na Universidade Federal do Ceará, nas discussões contrárias ao golpe; e o advogado trabalhista Marcelo Uchôa. “Com essa doação conseguimos colocar uma mesa nova, melhorar o sistema de câmeras e fazer algumas manutenções nos aparelhos”, alegra-se.
Mas ainda é muito pouco e precisa mais. “Estamos fazendo uma rifa para sustentar a rádio. Não é fácil fazer a comunicação progressista aqui no Ceará e acredito que no Brasil inteiro, porque ainda é muito ‘casa de ferreiro, espeto de pau’.” Ela reflete: “As entidades sindicais preferem respeitar mais os programas da mídia comercial do que aqueles que são produzidos por nós.”
Se antes alguns dirigentes sindicais não “dispunham” de agenda para participar do Democracia no Ar, hoje as coisas já começam a mudar. “Hoje tem gente que pede para ser entrevistada”, comemora.
Nina constata, sabiamente, que o movimento sindical ainda não trata a sua própria comunicação como prioridade, “é muito triste isso, eu falo isso com muita tristeza mesmo, pois eu sou militante da comunicação sindical”.
Formada jornalista em 2006 e hoje aos 39 anos de idade, Nina está na área da comunicação popular há mais de dez anos. “A gente ainda ouve um discurso que é muitas vezes alardeado no microfone sobre a importância dessa comunicação, mas que não se reverte em investimento ou mesmo em respeito. A gente tem que brigar para o dirigente compartilhar os programas e para que as pessoas participem e mandem perguntas.” Ela cita o caso do presidente da Fetrace, Elizeu Rodrigues Gomes, que, para ajudar na audiência da Rádio Classista, compartilha e convoca as pessoas para assistir ao programa. “Não é uma coisa automática as pessoas buscarem essa comunicação e deveria ser, porque se você é militante de esquerda e do campo progressista você deveria ser o primeiro a dar o exemplo para que outras pessoas viessem a ouvir e assistir esses programas e a gente conseguir furar a grande mídia em todo o seu poderio”, ensina ela.
Vito Giannotti: o mestre
Nina frisa, enfaticamente, que “é fundamental termos os nossos meios de comunicação em destaque, principalmente neste momento de ataques aos nossos direitos e à democracia”. Todavia, lamenta que o movimento sindical ainda “não tenha aquele veículo de grande porte, da unidade das entidades e de circulação nacional, com qualidade para disputar com a grande mídia. É uma tristeza, é uma lamentação que nós comunicadores sindicais e populares fazemos há muitos anos”.
Ela prossegue: “O Vito Giannotti, fico até emocionada em dizer, era um eterno militante dessa causa, mas nós não conseguimos sair do lugar nesse sentido. Criam-se experiências, elas morrem, elas têm dificuldade de financiamento. É muito triste ver isso, mas agora mais do que nunca porque a gente viu, por exemplo, agora, no caso do tríplex como a ausência das imagens do que realmente tinha lá dentro fez falta de nós termos no momento adequado, porque a grande mídia fez questão de não mostrar, inclusive o R7 [portal do grupo de comunicação Record] chegou a mostrar fotos mentirosas de um outro lugar, e a gente comeu bobeira, a gente não tinha o nosso material, a gente não buscou por onde. Então a gente tem que investir nessa comunicação alternativa porque ela é a única nesse País, hoje, que está dizendo a verdade.”
Nina Valente conclama: “Está na hora do movimento sindical entender que a gente precisa disputar o discurso hegemônico, precisa ir furando a grande mídia, precisa de comunicação alternativa de qualidade, alternativa não no sentido, que às vezes a gente fala alternativa e o pessoal acha que é para fazer uma coisa caseira. Não é isso não! É um discurso alternativo àquele que é feito pelo grande poder, pelo capital. Até mesmo para poder fazer a propaganda que é necessária para que a gente consiga reestruturar as entidades sindicais com larga sindicalização.”
Ela não tem dúvida que o momento exige a realização de grandes e intensas “campanhas de sindicalização e só a comunicação sabe realmente como fazer isso com qualidade, não dá pra fazer as coisas de forma amadora porque a gente disputa com uma qualidade técnica dos grandes veículos de comunicação”.
Nada é imparcial no mundo
Sobre o mito recorrente da “imparcialidade” da imprensa, Nina detona: “Nada no mundo é imparcial. Todos temos lado. A sociedade se organiza por relações políticas e que são negociadas em torno de um bem, como Aristóteles dizia. A comunicação dos trabalhadores tem lado e a comunicação dos patrões também.”
Nesse sentido, a nossa jornalista cearense também arrasa nos seus ensinamentos: “A nossa, e eu digo isso sempre com muito orgulho, é uma comunicação honesta porque está bem claro o lado a que ela pertence. Se você vai ouvir o programa de rádio você vai ver quais são as entidades que financiam, que estão por trás dela. Se você vê no jornal, está o nome da entidade e a ideologia está bem clara. Infelizmente tem nomes de grandes veículos de comunicação que parecem muito democráticos, muito abrangentes, como O Globo, O Povo, ou às vezes, o nome do próprio Estado no jornal, mas a gente sabe que aquela comunicação tem um lado e não está claro, as pessoas acreditam que aquilo ali é imparcial ou acreditam nessa falsa imparcialidade. E tomam como 100% verdade aquilo que está escrito em suas páginas, o que não é, que também é uma comunicação com lado e com muitos interesses.”
Lado com ética
Outra questão apresentada por Nina é sobre que “ter lado não significa não ter ética”. Ela é categórica: “Eu não posso sair, por exemplo, aumentando o número de participantes num evento, ou dizer que uma greve foi vitoriosa, mesmo não sendo. Isso não se sustenta porque o trabalhador está na fábrica e sabe o que está acontecendo. Precisamos dar a informação e deixar o trabalhador construir o pensamento crítico sobre as coisas.”