Por Itamar Silva*, em perfil de rede social, via professor Cunca Bocayuva

Como morador e militante do movimento de favelas do Rio de Janeiro preciso explicitar minha decepção com as conclusões da ADPF 635 apresentadas no último dia 2 de abril de 2025.
Mesmo com anos de acompanhamento dos desgovernos no plano estadual quando o tema é segurança pública, neste processo acreditei que daríamos passos mais largos na defesa da vida nas favelas.
Foram cinco anos de espera para ouvir o Supremo Tribunal Federal (STF) dizer que o Estado tem 180 dias para completar a instalação de câmeras corporais nas polícias do Rio. Decisão tomada desde maio de 2022.
Cinco anos em que o governo do Estado desrespeitou, sistematicamente, as orientações do STF que visavam diminuir a letalidade policial no Rio de Janeiro.
O número de mortes neste período poderia ter ido muito menor, caso o Estado respeitasse integralmente as decisões e orientações da ADPF.
E, declarações de comandantes e autoridades, contribuíram para disseminar a ideia que o aumento da criminalidade no Rio de Janeiro deveu-se à impossibilidade de ação das polícias, em função das restrições impostas pelo ministro Fachin.
Com esta decisão, aumenta o risco de que o caso João Pedro, 14 anos, assassinado dentro de casa, em uma incursão mal explicada pelos policiais, no complexo do Salgueiro, em São Gonçalo e que aguarda, há seis anos, julgamento, não dê em nada. Pois, a casa invadida e o assassinato do adolescente dentro do seu lar, podem ser interpretados como acidente de percurso, e permitir que ganhe força o argumento de que havia criminosos dentro da casa. Essas e outras arbitrariedades podem ganhar status de legalidade.
Foram cinco anos de mobilização e expectativas. Esperava-se que o apelo pela defesa da vida dos de baixo, dos mais pobres, dos moradores de bairros populares, favelas e periferias estariam, de fato e de direito, sob a mesma proteção de todo o resto da sociedade: a proteção dada pela constituição brasileira.
Isso foi adiado, mais uma vez.
Inaceitável a não proteção das crianças nos espaços escolares, sob qualquer argumento. Aumenta a minha resistência em aceitar discursos e narrativas que defendem a educação como prioridade e não se mobilizam para defender a vida das crianças pobres nas escolas.
Sim, porque crianças ricas que, por ventura, estudam em estabelecimentos escolares próximos a favela têm seus bunkers para se protegerem.
Desilusão, retrocesso e indignação. No entanto, é necessário não jogar fora toda a mobilização produzida por essa iniciativa e valorizar as insurgências que provocam a nossa lenta democracia.
A ocasião me colocou, mais uma vez, diante das reflexões do professor Luiz Antônio Machado da Silva que ilustram bem, a meu juízo, o resultado proferido pelos ministros do STF no julgamento da ADPF das Favelas.
Ele diz:
“…regimes democráticos não garantem de antemão a igualdade, mas geram a possibilidade de que ela venha a ser atingida aos poucos, por meio do próprio convívio social. Por outro lado, a segunda consequência é que, por esse mesmo processo e ao mesmo tempo, as hierarquias que permanecem tornam-se legitimadas, isto é, aceitas por todos como lícitas.” (MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Cidadania, Democracia e Justiça Social. IN Rio: a democracia vista de baixo. Rio de Janeiro, IBASE, 2004. P.26).
Assistimos, neste processo, ao empenho do governador Claudio Castro e do prefeito Eduardo Paes que pessoalmente entraram na disputa e conseguiram atenuar as decisões anteriormente manifestas pelo relator do processo, o ministro Edson Fachin, e o resultado reproduziu um pacto que evidencia o quão distantes estamos de uma conquista plena de direitos. A luta continua.
Pessoalmente não consigo celebrar o resultado, apesar de reconhecer a importância do processo, inclusive, como aprendizado para o movimento social, no qual o diálogo e a articulação entre diferentes representações orientaram possíveis avanços e explicitam retrocessos.
Os avanços precisam ser comprovados.
Rio de Janeiro, 06.04.2025
*Itamar Silva, formado em Comunicação, coordena a Escola Sem Muros Grupo Eco, na favela Santa Marta, no Rio de Janeiro. É conselheiro do Dicionário de Favelas Marielle Franco e pesquisador do Laboratório do Direito à Cidade, do NEPP/UFRJ, e da Universidade da Cidadania.