O Boletim NPC vem acompanhando com muito interesse a discussão sobre a Alca, proposta comercial dos Estados Unidos. No ano passado, participou ativamente da mobilização que culminou com um grande plebiscito em todo o Brasil, que levou mais de dez milhões de brasileiros e brasileiras às urnas de forma espontânea. O resultado também não poderia ser diferente, fruto de um acumulo de debate sobre o assunto, a esmagadora maioria dos participantes disse um redondo “não”  à adesão do País ao acordo comercial estadunidense.

  O assunto não está encerrado. Agora, no governo Lula, o tema assume um novo patamar e exige ainda mais mobilização de tantos que entendem a Alca como subserviência aos interesses dos conglomerados do império norte-americano.

  Ao completar nove anos de existência, o Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio), que envolve México, Estados Unidos e Canadá, não mostrou eficiência na promoção da justiça e do equilíbrio entre os países participantes. Ao contrário, conforme aponta Marco Aurélio Weissheimer, em reportagem para Carta Maior – Agência de Notícias, mais da metade de população do México vive na pobreza e 19% na indigência.

  Em tempos de “nove anos” do Nafta, nada melhor do que avaliar quais seriam as semelhanças que esse acordo guardaria (em segredo?) com a Alca, proposta que envolve os países da América Latina, excluindo Cuba.

  O Boletim NPC entrevistou um dos integrantes do Comitê Paulista Anti-Alca, Ricardo Gebrim, que ainda é presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo e membro do conselho editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Boletim NPC – São noves anos de Nafta. São nove anos de mais prejuízos para a população do México. Quais os problemas que a Alca traria na mesma proporção aos países latino-americanos, incluindo o Brasil?

Ricardo Gebrim – Bom, a  primeira questão que precisamos considerar é que os países que estão agrupados no Nafta, ou seja, os EUA, o Canadá e o México, representam quase praticamente 80% a 90% do produto interno bruto, PIB, do conjunto de países que estariam incluídos numa proposta da Alca. Portanto, é previsível que a Alca não poderá ser distinta das regras que já foram acertadas na negociação do Nafta. Conseqüentemente, as mesmas condições e situações que agravaram a miséria, causaram desemprego, desorganizaram a economia mexicana e, principalmente, destruíram a agricultura familiar, inchando as cidades, aumentando a crimininalidade e a violência no México, vão se reproduzir em condições ainda maiores no Brasil e nos demais países da América Latina, se nós não formos capazes de impedir a Alca.

 

Boletim NPC – E como é que se impede a Alca? Primeiro tivemos o plebiscito, em setembro do ano passado, com a participação de mais de dez milhões de pessoas, e agora, como está a campanha contra a Alca?

Ricardo Gebrim – Nesse momento, o centro da estratégia da nossa campanha é pela aprovação do projeto  de lei do senador Saturnino Braga, que possibilita a convocação de um plebiscito oficial que decidirá se o Brasil integrará ou não a Alca. A nossa Constituição Federal estabelece limite a atividade do Congresso Nacional. Questões  que envolvem a soberania só podem ser decididas por intermédio de um plebiscito.

  O projeto do senador Saturnino Braga está aguardando um parecer da senadora Ideli Salvatti, de Santa Catarina. Estamos aguardando que a senadora dê um parecer favorável e que a gente possa aprovar esse projeto. Estamos também coletando assinaturas em todo o País, para pressionar a agilização e aprovação do plebiscito oficial.

 

Boletim NPC – Você falou em soberania. Como a Alca afetará, ou acabará, com a soberania dos países?

Ricardo Gebrim – A Alca, em poucas palavras, resultaria, se aprovada, na seguinte situação. Em primeiro lugar, os mecanismos de decisões jurídicas deixam de funcionar em cada país e são transferidos para um tribunal arbitral, que hoje já funciona em Washington para julgar as questões do âmbito do Nafta, e conseqüentemente se
manteria na hipótese da Alca. Em segundo lugar, as grandes decisões econômicas e os regulamentos da economia são transferidos também para instâncias da Alca, se sobrepondo à capacidade regulamentar econômica dos países.

  Terceiro, os países integrantes vão, gradativamente, perdendo a sua moeda e vinculando-a ao dólar. Inclusive, utilizando um expediente que os ingleses usaram para a dominação da colônia da Índia, no século XIX, onde quem fixa o valor da moeda, na verdade, é o banco central do país dominador. No nosso caso seria o norte-americano.  

  Em quarto lugar, países como o Brasil, que são definidos como vendedores mundiais, estariam vinculando sua economia a basicamente  um grande comprador, no caso os Estados Unidos. E, por último, o nosso mercado consumidor, que hoje é um mercado consumidor amplo, estaria vinculado à economia norte-americana.

  Tem ainda mais um aspecto, embora isso não esteja constando das negociações oficiais da Alca, que se refere ao esvaziamento gradativo do papel defensivo das forças armadas de cada país, destinando esse papel de defesa geral às forças armadas norte-americanas.

  De forma resumida eu diria que um país que não tem regras econômicas próprias, não tem instâncias jurídicas próprias, está vinculada a uma economia “matriz”, não tem moeda própria e não tem forças armadas, essa é a definição de uma colônia. Essa é a definição que os historiadores dão tecnicamente a uma colônia. Portanto, a Alca implica na nossa recolonização, a volta à situação colonial.

(Por Rosângela Gil, de Santos)