Por Gilka Resende                       


A Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), como o maior dos empreendimentos realizados na região, foi o primeiro alvo de fiscalização

           

           

            Após visita de parlamentares ao canteiro de obras da TKCSA, localizado no bairro Santa Cruz, a Alerj realizou nesta semana (14/12) reunião pública para debater impactos provocados pelo atual modelo de desenvolvimento proposto para a Zona Oeste da cidade. Foi objetivo indicar caminhos para a apuração de denúncias sobre violações de direitos humanos e trabalhistas cometidos pela empresa. Crimes ambientais também foram listados. A atividade, coordenada pelo deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), foi proposta pelas Comissões de Direitos Humanos da Casa e a federal. Cerca de 60 pessoas compareceram ao auditório Nelson Carneiro entre população local, integrantes de movimentos e organizações sociais e professores. 

            Fizeram exposições os deputados federais Luiz Couto (PT) e Chico Alencar (Psol), o vereador Eliomar Coelho (Psol), além da economista Sandra Quintela, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Nenhum representante da TKCSA, que é uma parceria entre a alemã Thyssen Krupp (73%) e a brasileira Vale (27%), compareceu. A assessoria de imprensa da siderúrgica alegou não ter recebido o convite. Foram também convocados os Ministérios Públicos Federal e Estadual, além de uma representação do governo de Sérgio Cabral (PMDB), mas não justificaram a ausência.

 

            Visita ao canteiro de obras da TKCSA

 

            A chegada dos parlamentares à empresa não foi previamente agendada. “No Brasil o hábito da burla, da maquiagem da realidade, é muito comum. Então, como temos o dever de fiscalizar e autoridade para isso, resolvemos não avisar a empresa”, explicou Chico Alencar (Psol) ressaltando a gravidade das denúncias contra a TKCSA. Além da ida ao parque industrial, os visitantes conversaram com moradores do entorno e também percorreram os arredores do Rio Guandú, que margeia o canteiro de obras.

            Na empresa, a comissão foi recebida pela gerente de Relações Exteriores, Mônica Freitas, e pelo diretor jurídico, Pedro Teixeira. “Sempre tinham uma resposta positiva para os nossos questionamentos, falaram em transparência, mas impediram a entrada de jornalistas que nos acompanhavam”, destacou Luiz Couto. O deputado federal contou também que já há crescimento abrupto de moradias no entorno a obra.  A estimativa, segundo Couto, é de um aumento de 15 a 20% de novos moradores. São, em sua maioria, homens de outros estados que vêm tentar emprego junto às empreiteiras contratadas pela TKCSA.

No entanto, o principal argumento da empresa foi a geração de empregos na região. Após o término das obras, previsto para julho de 2010, o número de empregos previstos era de 3.500. Hoje, a TKCSA divulga que serão gerados  2.500, a maioria dos cargos voltada para mão-de-obra especializada.  Boa parte dos  que trabalham na fase de construção vem de fora da Zona Oeste.

            Em 2008, a contratação irregular de trabalhadores estrangeiros foi constatada pelo Ministério Público do Trabalho quando 120 chineses foram encontrados exercendo a função de pedreiros sem registro ou contrato de trabalho. A vistoria dos alojamentos desses trabalhadores, que ficam dentro do canteiro de obras, foi feita pelos parlamentares. A Companhia, que já chegou a receber 600 asiáticos como parte de um contrato firmado com a China International Trust & Investment Corporation (Citic), possui hoje 200 trabalhadores como informaram os representantes da empresa. “A empresa afirmou que estão regulares. As condições dos alojamentos são semelhantes às de outros canteiros de obras espalhados pelo Brasil. Mas não é por isso que não devemos dizer que são precários, são tristes. Deprimem. São dormitórios com beliches, banheiros coletivos. O refeitório me lembrou o de um presí
dio, com um cheiro azedo. A televisão passava uma programação chinesa”, caracterizou.

           

Mudanças bruscas no tipo de vida da população

 

O uso privado de áreas antes comuns a toda a população também foi um ponto de destaque. Atualmente na Baía de Sepetiba, 8.070 pescadores tiveram seu trabalho prejudicado. Uma das áreas de exclusão de pesca é o Rio Guandú.  Os parlamentares notaram grande degradação do mangue. “A faixa de proteção precisa ser aferida. A distância entre as grades da empresa e a beira do rio é muito pequena, em alguns trechos parece ter menos de 20 metros. Na verdade, deveria ser de pelo menos 100”, contou Chico Alencar.

A chegada de vários empreendimentos à região tem conturbado a mobilidade urbana. Bem próxima à siderúrgica, mesmo com o visível aumento do trânsito, uma ponte recentemente construída possui acesso restrito à TKCSA. “Os representantes disseram que é uma recomendação da CET-Rio [Companhia de Engenharia e Tráfego], enquanto a Rio-Santos não for duplicada. Mas, enquanto isso, os trabalhadores de outras empresas, como a Gerdau e da Casa da Moeda, estão indo a pé pelo trecho, pois outros caminhos seriam muito distantes. Há uma inversão de valores”, relatou Chico Alencar.

A situação trouxe o debate sobre o papel contraditório do Estado. Isac Alves, de Pedra de Guaratiba, lembrou que pouquíssimos vereadores votaram contra a isenção de impostos concedida aos grandes empreendimentos: “Isso é fazer o jogo das empresas, e não beneficiar a população”, protestou o pescador. O vereador Eliomar Coelho confirmou: “Não há resistências no poder público. E empresa recebe dinheiro público, se compromete em realizar contrapartidas, e muitas vezes não as cumpre. Esse é um dinheiro que o próprio Estado poderia investir. Essa é uma grande contradição”.

 

A retomada de um modelo de desenvolvimento promovido pela Ditadura

 

A quantidade de indústrias poluentes na Zona Oeste, e em todo o entorno da Baía de Sepetiba,  acentuou-se na década de 70, durante a ditadura militar. A chegada das Mineradoras Brasileiras Reunidas (MBR), inaugurada em 1973, ilustrava o momento “crescimentista” proposto na época. A economista Sandra Quintela (PACS) aponta, hoje, a TKCSA como a nova ponta de lança para a retomada desse modelo de desenvolvimento para a região, considerado pela economista como “ultrapassado”. Para Sandra, esta é uma proposta baseada na busca do lucro a qualquer custo, que não leva em conta a cultura local, o turismo, a preservação dos recursos naturais e a distribuição de riquezas.

“A TKCSA, por exemplo, está instalada em uma Área de Preservação Permanente. Destruiu manguezais e aumentará em 76% a quantidade de gás carbônico emitida na cidade do Rio de Janeiro. Mas essa estimativa não foi feita antes. Os estudos apresentados pela empresa não levam em conta o efeito cumulativo da poluição, tanto da água como do ar. Isso denuncia um duplo padrão de produção e do trabalho. Na Alemanha, esta empresa não poderia ser instalada. As leis ambientais não permitiriam. Mas no Brasil pode, não é?”, criticou Sandra.

A TKCSA, assim como outros empreendimentos, faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) aplicado pelo governo federal. Toda a produção da siderúrgica é voltada para a exportação. Serão 5,5 milhões de toneladas de placas de aço vendidas para a Alemanha e para os Estados Unidos. Mesmo infringindo os direitos humanos, trabalhistas e tendo cometido crimes ambientais, inclusive com embargos do IBAMA, a empresa recebeu financiamento da ordem de R$ 1,48 bilhão do BNDES.

A LLX, do empresário Eike Batista, também tem gerado problemas à população da Ilha da Madeira, outra área da Zona Oeste. “Com a explosão de dinamites, pedras grandes, enormes, que nem dois homens juntos conseguem carregar, caíram em nossas casas. Em uma delas um bebê dormia no quarto e a pedra destruiu o telhado da sala. Quanto vale o nosso lar? Querem nos mandar para Itaguaí, mas nunca nos perguntaram se a gente queria. Eu não quero sair da Ilha da Madeira”, relatou uma moradora presente à reunião pública..

O relatório da reunião será encaminhado às instâncias responsáveis. “Para isso servem reuniões e audiências públicas. Para que as pessoas envolvidas, pessoas atingidas, possam fazer denúncias, até mesmo anônimas. Assim geramos peças de investigação para acionarmos órgãos  responsáveis”, finalizou o deputado estadual Marcelo Freixo.