(Luís Fernando Vitagliano)

Não há nada de diferente, novo ou revelador para se falar sobre a guerra. Acredito que até mesmo algo tão livre quanto a criatividade tenha seus limites. Sobre tudo que já disse o noticiário sobre a Guerra, já é difícil encontrar uma análise nova ou reveladora. O que temos que fazer daqui para frente é acompanhar os fatos e torcer para que o conflito termine logo. Já foi amplamente difundida a irracionalidade desta Guerra. E novos comentários, sobre o assunto, só vão aumentar a impaciência do leitor com mais um indignado e desgastante texto. Confesso que eu mesmo já estou cansado de tanto ler e ouvir sobre a ação intempestiva norte-americana, a insanidade de Bush, o desrespeito à ONU… etc etc etc.

Por isso, não vou repetir tudo o que já foi dito e escrito sobre o conflito. Mas, procurarei pegar um caminho diferente que antecede a guerra contra o Iraque, mas também pode sucedê-la. Quero falar sobre o “Estilo de Vida Americano”. Sobre essas coisas que vemos em Hollywood e tentamos copiar. Óculos escuros, motos e carros transados, roupa de couro, jeans, cabelos com purpurina, muita violência e rebeldia. Mas também, a difusão do modelo republicano, democrático, de preservação dos direitos civis e da diferença e ainda das crises entre heróis e anti-heróis.

Há um modo de vida típico dos Estados Unidos da América, caracterizado, principalmente, pelo consumo de produtos que auxiliam o padrão de vida moderno. Por mais que uma pessoa norte-americana seja autêntica, tenha personalidade e cultue a liberdade (dele e dos outros), esta figura não é nada se não tiver um carro novo, um lap top, um celular, uma casa com inúmeros eletrodomésticos e um padrão de vida que permita que suas neuroses sejam saciadas com muito consumo.

E, como a maior parte dessas empresas, que sustentam o padrão de consumo americano, ao mesmo tempo em que ampliam suas possibilidades (quer criando novos padrões, quer oferecendo diversidade), também difundem o modo de vida americano para o resto do mundo. O Brasil mesmo, hoje, tem a cultura inegavelmente influenciada pelos padrões norte-americanos. É obvio que há um filtro nacional, o que não impede dos padrões de consumo se reproduzirem.

Como não estou discutindo cultura, não me interessa agora se isso é bom ou ruim, se é normal ou não. Estou tratando de economia e meio ambiente. E nesses aspectos a exportação do padrão de consumo norte-americano é preocupante.

Não é possível reproduzir o modo de vida americano para o resto do mundo. Imagine um bilhão e trezentos mil chineses de celular. Ou um bilhão de indianos com carros na garagem. Isso é espacial e materialmente impossível. (A não ser que propostas do tipo colonizar Marte sejam viáveis daqui a uns anos).

E não se trata apenas de esgotar as possibilidades materiais e espaciais do planeta. De acabarmos com o ferro, os minerais, o petróleo e as matérias primas. Mas também, em impossibilidade econômica que os Estados nacionais não podem permitir. Hoje, algumas multinacionais são maiores que Estados de médio porte e detêm poderes para arrasar estas economias. O que está em risco também são valores democráticos e de soberania republicana – que entram em conflito com os princípios dos próprios Estados Unidos.

Outro problema fundamental é que, para manter este padrão maluco de vida e consumo, os Estados Unidos estão cada vez mais organizando cruzadas contra quem quer que seja. Isso só faz alimentar o ressentimento internacional. Seja pelo petróleo, pelo dólar ou pelos problemas econômicos internos, o fundo da crise contra o Iraque está em manter o padrão de vida dos americanos e alimentar sua hegemonia internacional. Porém, é uma questão de tempo para que se esclareça que o modelo de sociedade desenvolvido nos Estados Unidos (principalmente no século XX), não é exportável e nem mesmo sustentável internamente.

Ou o mundo muda os EUA, ou os norte-americanos destruirão o mundo.

Texto publicado no Jornal Folha Popular de 22/03/2003, edição 260