Por Rodrigo Martins, na Carta Capital
A maioria penal tende a ser o “aborto” de 2010. Como seria possível evitar a armadilha? Com o temor de que o assunta contamine o debate eleitoral, a exemplo do ocorrido com a discussão sobre o aborto cm 2010, a ministra dos Direitos Humanos. Maria do Rosário, surpreendeu o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente com um projeto, de ampliação do tempo de internação dos jovens infratores. A iniciativa despertou forte oposição dos conselheiros do órgão deliberativo, que votaram pelo arquivamento da proposta.
Rosário acatou a decisão, mas entidades da sociedade civil representadas no Conanda mantém a desconfiança em relação à postura vacilante do governo, sobretudo após a formação da Frente Parlamentar pela Redução da Maioridade Penal na Câmara dos Deputados, que conta com mais de 200 adesões em menos de um mês de criação).
0 natimorto projeto apresentado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência previa a responsabilidade progressiva dos autores de crimes contra a vida, entre eles homicídio, latrocínio, seqüestro, estupro ou lesão corporal grave. Nesses casos, um jovem de 12 e l3anos,por exemplo cumpriria medida socioeducativa com privação de liberdade por um período mínimo de 1 ano e meio e máximo de 3 anos. Outro, com idade entre 17 e 18 anos, permaneceria recluso de 4 a 8 anos. Atualmente, o tempo de internação é definido pela Justiça, mas em hipótese alguma pode exceder os três anos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990.
Tratava-se de uma proposta profilática, para evitar mal maior, sustentam representantes do governo. Nove em cada dez brasileiros mostram-se favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, ainda que as pesquisas de opinião costumem apresentar a proposta como única opção para o enfrentamento da delinqüência juvenil.
O projeto de “responsabilização progressiva” para os adolescentes foi redigido por Paulo Afonso Garrido de Paula, procurador de Justiçado Estado de São Paulo e um dos autores do ECA. Após levantar o debate em encontros promovidos pelo UNICEF, ele apresentou o projeto há pouco mais de dois meses ao governo, durante uma reunião dos juristas com os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil).
Mas os conselheiros entenderam, de forma simplória, que se tratava de um “mero projeto para aumentar o tempo de internação dos adolescentes”, afirma o jurista. “A população entende que o atual sistema não dá uma resposta adequada aos atos infracionais de extrema gravidade. A mudança só valeria para os adolescentes que praticam crimes como homicídio: ou estupro. Do ponto de vista estatístico, esses delitos são uma minoria, mas alimentam essa sanha pela redução da maioridade penal ”
Atualmente, o Brasil tem 22 mil adolescentes a cumprir medidas socioeducativas com privação de liberdade. A grande maioria cometeu infrações de menor potencial ofensivo, como roubo (36%) e tráfico de drogas (24%), segundo o Conselho Nacional de Justiça, que traçou em 2012 um perfil dos jovens internados. Homicídio, roubo seguido dc morte e estupro são os motivos de reclusão de apenas 17% deles. “Estamos falando, portanto, dc menos de 4 mil adolescentes que cometeram crimes contra a vida. Não há como responsabilizá-los pela violência nas grandes cidades se levarmos em conta que a população carcerária adulta é superior a 550 mil presos” afirma Cláudio Augusto Vieira da Silva, coordenador-geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, “Não há dados que confirmem o aumento significativo da delinqüência juvenil, o principal argumento usado pelos defensores da redução da maioridade penal. Além disso, a maior parte dos estados não cumpre o que está previsto no ECA. Prova disso é situação sub-humana a que os adolescentes estão submetidos em muitas unidades de internação.”
Relatórios de fiscalização do Conanda confirmam a fala do gestor. No Espírito Santo, uma das superlotadas unidades nem sequer possuía banheiros adequados. Os adolescentes eram obrigados a usar latrinas improvisadas. As baratas se multiplicavam em meio ao lixo acumulado pelos corredores. Os jovens dormia m sobre o chão, ao lado cia fiação elétrica, alojamento, além dos graves problemas de higiene, está instalado dentro de um complexo penitenciário para adultos. Cenas semelhantes se repetem em vários outros estados, a exemplo de Pernambuco, Amapá e Goiás. Assim corno os relatos de tortura e maus-tratos.
Para auxiliar os governos estaduais, o Sinasc disponibilizou em março 50 milhões de reais para obras de adequação ou construção de novas unidades de internação. “Averba está disponível, mas nenhum estado se credenciou a receber esse investimento, devido a falhas graves nos projetos cu falta de documentação.”” Apesar dos problemas, o gestor vê com simpatia a proposta de responsabilização progressiva dos adolescentes nos casos de crime contra a vida. “Sr insistimos no tudo ou nada, corremos o risco de ver os setores conservadores aprovarem a redução da maioridade penal, o que seria muito mais desastroso. A situação dos presídios é muito pior. “São verdadeiras masmorras.”
Nem todos concordam com a avaliação. “Esse papo de entregar os anéis para não perder os dedos soa muito estranho às vésperas de uma eleição presidencial”, rebate Miriam Maria José dos Santos, conselheira e ex-presidente do estão internados por crimes graves, entre eles estupro e homicídio
Ao rechaçar a proposta no Conanda, a Rede Nacional de Defensores dos Adolescentes em Conflito com a Lei (Renade) sustenta que os jovens são mais vítimas que autores de violência. De fato, em 2011, 4,3 mil jovens entre 12 e 18 anos incompletos foram assassinados, ao passo que os adolescentes foram responsáveis por 1,8 mil homicídios. Em vez de aumentar o tempo de internação. os integrantes da rede propõem a implantação de políticas públicas para os jovens na educação, saúde, cultura e assistência social. E exigem o cumprimento do ECA e da lei que criou o Sinase, com oito modalidades de punição aos infratores, da prestação de serviços comunitários à restrição de liberdade.
“Não faz sentido manter esse foco punitivo, como se a solução fosse jogar os indesejáveis em espaços militarizados, com forte esquema de segurança, muros intransponíveis, cercas elétricas e sem uma metodologia adequada de tratamento que permita a reinserção social desses jovens”, critica Paes. “Não dá para concordar como aumento do tempo de internação sem enfrentar às causas que levam os adolescentes para a criminalidade.”
A Secretaria de Direitos Humanos garante, porém, ter desistido da idéia de ampliar o tempo de internação. “A prioridade do governo é sensibilizar a todos contrariamente à redução da maioridade penal, bem como concluir o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo e assegurar uma política de melhorias nas instituições voltadas às me d idas de meio fechado e qualificação do meio aberto, bem como a capacitação dos servidores que trabalham nas instituições”, afirmou por meio de nota.