O critério que utilizei foi reunir objetos e problemáticas pouco estudadas por importantes autores que se reivindicam de modo diferenciado da teoria de Marx e que se encontram em pontos distintos do planeta. Boa parte deles se encontra atuando no Brasil, mas alguns outros vivem em outros países e são mais ou menos desconhecidos do “grande” público leitor brasileiro de Marx. São também desconhecidos de intérpretes e atualizadores brasileiros, especialmente as novas gerações de professores, pesquisadores e interessados diversos.

Mas a minha motivação em organizar os estudos que se seguem e reuní-los em livro, teve como ponto de partida a própria história. Já se passou mais de uma década da queda do Muro de Berlim e do desabamento do Leste Europeu. O mundo viu pasmo, acontecimento impressionante e ouviu, até ensurdecer, o canto de vitória do ocidente capitalista, de seus teóricos, ideólogos e políticos partidários e aquele dos legitimadores da referida ordem social. A hegemonia neoliberal, não somente na prática, mas, sobretudo na teoria e na ideologia, fez-se presente nos quatro cantos do planeta. Ambas diagnosticaram a inabalável permanência do capitalismo e de sua estrutura de longa duração como horizonte possível e necessário da humanidade. Segundo um dos mais célebres de seus ideólogos, Francis Fukuyama em seu O fim da história e o último homem, a partir de então caberia apenas ajustar progressivamente as engrenagens e superar problemas, que, entretanto, jamais colocariam em causa suas estruturas fundadoras. Mas será realmente isso que vemos desfilar na nossa frente e nos noticiários cotidianos da mídia em geral? Seria a guerra movida pelos EUA no Afeganistão e no Iraque, a derrubada das Torres Gêmeas, a escalada da violência generalizada, o desgaste ecológico global e a “revanche” da natureza, apenas fenômenos desse processo de ajuste e regulação rumo a um capitalismo sustentado?

É verdade que tais acontecimentos produziram uma aceleração na história contemporânea. Mas, é possível se verificar por isso mesmo, e também, que ele, o capitalismo, na leitura de muitos intérpretes, não faz senão confirmar os prognósticos da crítica marxiana. O desemprego não desaparece, ao contrário tem crescido em termos globais, as crises de superprodução se ampliam, assim como a queda da taxa média de lucro dos diversos setores capitalistas que só é contrariada pelos setores especulativos do capital financeiro, ou aqueles de natureza destrutiva como o tráfico de armamentos, drogas, influência e corrupção. A recessão que grassa globalmente desde 1974 não demonstraria, desse modo, que se trata de uma crise orgânica? Ou, não obstante a gravidade através da qual assume a cena, não seria mais uma crise importante a ser superada a médio e a longo prazo?

De um modo ou de outro, “a crise”, esse demiurgo que paira muito mais que na objetividade, também na subjetividade da vida sob o capitalismo decadente, atinge todos os campos da vida. A ciência, a política, a economia, a arte, as questões nacionais, a vida sindical, mas também, a família, o corpo humano e a natureza em geral. Alguns prognosticam tratar-se de uma crise profunda da idade moderna pela amplitude e disseminação que alcançou. Mas onde se encontram os sinais que indicam a saída? As crises das esquerdas e a perda de suas identidades misturaram os sinais. O que é direito é esquerdo e vice-versa. A direita e a esquerda coincidem em muitas proposições mas, na verdade, nunca foi possível caracterizar o pensamento de Marx como de esquerda.

Assim sendo, nada mais justo, ética e cientificamente, do que persistir no aprofundamento e atualização de análises elaboradas por este grande pensador, estendendo o espectro de sua crítica totalizante aos vários aspectos parciais dos processos históricos incessantes e diversificados, que não param de trazer novos elementos ao observador atento. O leitmotiv principal desta obra coletiva visou, portanto, alcançar os referidos pontos ao mesmo tempo da realidade e da teoria marxiana, buscando romper com um passado de leituras evolucionistas, teleológicas, economicistas e politicistas, da obra de Marx e da teoria marxiana, e do mesmo modo do desenvolvimento e crise do capitalismo mundializado, em seus diversos aspectos.  

Eleito o maior pensador de todos os tempos em enquête recente realizada pela BBC de Londres, é possível visualizar-se uma nova e crescente onda de interesse pelas suas idéias e por sua leitura da história e da modernidade capitalista, mas também pelos prognósticos que elaborou. O maior publicitário que Marx encontrou foi, e têm sido a crise persistente e cada vez mais profunda do capitalismo globalitário e o processo avassalador e bárbaro que significa a mundialização do capital. Diante dela, fica mais que visível ser a verdadeira utopia não apenas a suposta construção da cidadania e da democracia verdadeira, mas pura e simplesmente resolver os problemas mais elementares que poderiam significar: fome zero, desemprego zero, sem teto zero, insanidade zero, no interior dessa estrutura de classe. Fica mais que claro que a democracia acha-se em contradição em relação aos interesses do capital e do capitalismo. Portanto, àqueles que persistem em usar o argumento do estigma caracterizando os que querem atualizar e desenvolver o pensamento de Marx como de dinossauros, seria imprescindível dizer que, este pensamento é, pela própria natureza, iconoclasta e anti-modístico. Ele representa, e é de fato, a crítica mais sólida e corrosiva à totalidade dos processos históricos de todos os tempos, e muito particularmente dos capitalistas. Nestes, aquilo que o próprio Marx designou como sendo o fetichismo da mercadoria, adquiriu uma centralidade sem medida comum na contemporaneidade. A sua leitura a partir de Marx em O Capital assume também uma força explicativa extraordinária, não apenas relativa aos fenômenos objetivos das formações sociais, mas também relativa aos fenômenos subjetivos da atualidade, vez que os coloca sobre suas raízes histórico-sociais e reais, assim como sua inapelável natureza objetiva e subjetiva de classe. Aos críticos roedores já responderam escritores como José Saramago e Garcia Marquês quando afirmam que, “se em nossas juventudes o socialismo era uma utopia, hoje não resta dúvida alguma que ele é uma necessidade”.  Poder-se-ia acrescentar como fez Chris Marker em seu filme Sans Soleil quando afirmou que “as crianças adoram cada vez mais os dinossauros”. Quanto à Marx, não são apenas os adultos que o consideram o maior pensador de todos os tempos. Os jovens que adoram de mais a mais os dinossauros, também o consideram assim, como revelou a pesquisa da BBC de Londres. Portanto, se não bastasse a força corrosiva e demolidora de seu pensamento, parece em curso um novo movimento mais que de simpatia por sua presença crítica na atualidade. Se o socialismo real morreu – e morreu inclusive pela impossibilidade de contornar o mercado capitalista -, se ao capitalismo para sobreviver tem que produzir permanentemente e crescentemente uma verdadeira indústria mundial da morte, somente a partir de Marx podemos ir até as últimas conseqüências na explicação desses fenômenos. Jean-Paul Sartre pode ter errado em muitas coisas, mas acertou em cheio quando afirmou ser o pensamento de M

arx o horizonte científico intransponível de nosso tempo.  Se as contradições dilacerantes do capitalismo são assim ainda mais avassaladoras neste início do século XXI, Marx se tornou também ainda mais incontornavelmente atual pela força e vida do seu pensamento crítico.