Efervescência cultural foi fundamental na luta contra a ditadura

[Por Jéssica Santos] No programa de encerramento da temporada 2022 do programa Quintas Resistentes, recebemos o ator, diretor e roteirista Carlos Gregório para falar sobre o tema Revolução Sexual e Movimento LGBTQIA+. Formado no Conservatório Nacional de Teatro, ele atuou em dezenas de peças, filmes e obras para a televisão. Entre seus muitos trabalhos, foi autor da história e do roteiro originais do filme: Se Eu Fosse Você, e do romance Ruídos e Pequenos Movimentos.

Carlos conta que começou a se interessar muito cedo pelo mundo das artes. Por volta dos 15 anos, já gostava de música, teatro e literatura, mas não havia naquele momento uma visão política. Quando deflagrado o Golpe Militar em 1964, ele tinha 17 anos e estudava em uma escola militar. “Ali eu comecei a entender que havia uma situação política no país. Meus pais eram getulistas. No Golpe de 64 ficaram muito mobilizados e eu vi essa história muito pela ótica deles. E na escola havia uma discussão sobre isso, tinham professores que se manifestaram contra o que me fez ver que não havia uma unanimidade inclusive entre os militares”, conta.

Ao terminar a escola, Carlos foi estudar teatro no Conservatório Nacional de Teatro, onde atualmente é a UniRio. “Iniciei a minha formação de ator e a formação política no meio estudantil, numa área completamente a esquerda. Naquele momento não havia a menor possibilidade de nós, que fazíamos arte, nos alinharmos com a direita. A arte, naquele momento, como agora, virou um alvo”, afirma.

Para ele, o início dos anos 1960 era continuação direta da década anterior, com uma moral muito rígida e a liberação sexual era reduzida a certos grupos. Mesmo onde estudava teatro, o corpo não era liberado totalmente, apenas em grupos específicos. “Mesmo dentro de um ambiente que o pensamento era mais liberado ainda não era algo comum. Nos meados dos anos 1960 vem a pílula, que é uma coisa importantíssima para essa liberação sexual e então começa ter uma outra maneira de se lidar com isso. Logo em seguida vem movimentos até internacionais de liberação, como o movimento hippie. Mas ao lado do movimento hippie existia em todo canto uma revolução cultural também”, explica.

De acordo com Carlos, no movimento hippie, por exemplo, a liberdade sexual era uma das bandeiras, porém, não representava a totalidade do movimento libertário em termos culturais e sexuais que existia na época. “O movimento hippie trazia certas filosofias próximas à revolução cultural, mas tinha componentes muito ingênuos, como de paz e amor. Para quem vivia no Brasil naquela época… até existia muita gente que professava viver isso, mas para pessoas como eu que vivia no teatro, que estava ali sofrendo a agressão do governo militar, a ‘paz e o amor’ não era exatamente uma coisa que eu me sentia confortável em abraçar. A gente sentia que a realidade era mais dura que isso e a precisávamos viver de uma maneira um pouco mais dura também”, argumenta Carlos.

Ao traçar um comparativo com os dias atuais, Carlos lembra que quando jovem, mesmo tendo espírito combativo da juventude, não tinha noção da tragédia que tudo aquilo significava. “Existia a consciência, claro, de toda a violência, mas eu estava ocupado fazendo coisas que todo jovem faz. Atualmente, já com a minha idade, você observa o que estamos vivendo e compreende de maneira mais abrangente o que está acontecendo. É muito triste. Não dá para desanimar, a gente tem que continuar combatendo, a gente tem que continuar aguerrido, mas é um tanto assustador. Uma coisa muito assustadora essa revolução cultural às avessas, onde ao invés de você tentar expandir, as pessoas querem restringir.  Principalmente, restringir a noção da realidade”, reflete Carlos.