Editora UnB e Fundação Perseu Abramo reeditam obra sobre o pensamento do grande educador brasileiro acerca da comunicação como direito humano fundamental
Paulo Freire não foi apenas um pedagogo. Ele dedicou a sua vida a instigar a nossa reflexão sobre o estar no mundo. Para ele, o saber (conhecimento), o saber-fazer (habilidades), o saber-pensar, o pensar certo são essenciais para a transformação social do ser humano. O amor humanista de Paulo Freire baseava-se principalmente na esperança e na sua crença nos homens e nas mulheres e na certeza da transformação do mundo a partir dos oprimidos e injustiçados pela superação da contradição antagônica opressor-oprimido.
Para Freire, estar no mundo significa estar com ele e com os outros, ”agindo, falando, pensando, refletindo, meditando, buscando, inteligindo, comunicando o inteligido, sonhando e referindo-se sempre a um amanhã”. Segundo ele, “não é possível estar no mundo, com o mundo e com os outros, sem estar tocados por uma certa compreensão de nossa própria presença no mundo. Vale dizer, sem uma certa inteligência da História e de nosso papel nela” (in Pedagogia da indignação, Editora Unesp, 2000, p. 125).
Paulo Freire foi autor de muitos textos e livros. Em sua obra mais famosa,Pedagogia dos oprimidos, ele foca a educação como instrumento para a libertação, com participação ativa e consciente, capaz de superar uma cultura baseada em classes sociais. Ele pensava a educação juntamente com a subjetividade do ser humano para uma construção da história e da cultura. De acordo com Freire, o lugar e o sentido da comunicação e da cultura têm a condição de instrumento do desenvolvimento humano e servem para modificar o mundo, pois é “com a palavra que o homem se faz homem. Ao dizer a sua palavra, o homem assume conscientemente sua essencial condição humana” (in Pedagogia dos oprimidos, Paz e Terra, 1987, p.13).
Foi essa capacidade crítica em relação à comunicação e à cultura nos inúmeros estudos de Paulo Freire, que carregavam mensagens profundamente libertadoras, que o professor Venício A. de Lima ousou e publicou uma obra inédita em uma tentativa de analisar e avaliar as ideias do consagrado educador sobre comunicação e cultura e suas possíveis contribuições aos estudos da comunicação.
Na ocasião em que o livro Comunicação e cultura: As ideias de Paulo Freire(Editora UnB, 1981) foi publicado pela primeira vez, o professor Venício atribuiu à publicação a necessidade de dar a devida atenção aos estudos de comunicação à obra freiriana. Enumerou quatro razões que justificaram esse interesse, quais sejam: Freire partilha várias das suposições básicas dos Estudos Culturais para a Comunicação e seus conceitos de comunicação e cultura acrescentam novas dimensões e abrem novas possibilidades; em segundo, a maior parte do trabalho de Freire é devotada explicitamente ao problema da educação ou àquilo que ele chama de ação cultural, o que traz implicações diretas para os estudos de comunicação nos níveis filosófico e social; em terceiro, pela sua grande sensibilidade cultural, as ideias de Freire deveriam ter um apelo especial para os estudiosos de comunicação que reconhecem a força das teorias de comunicação “culturalmente comprometidas”; por último, Freire deveria interessar aos estudiosos de comunicação já que todo o seu pensamento gira em torno dos conceitos fundamentais de comunicação e cultura.
Ideias que nunca morrem
Se na ocasião esta obra despertou enorme interesse, hoje, mais de 30 anos depois, a atualidade das ideias de Paulo Freire levou a que a Editora Universidade de Brasília em parceria com a Fundação Perseu Abramo promovessem a sua reedição. Nos tempos atuais, o tema comunicação e cultura continua a oferecer muitas possibilidades de debate justamente pela crítica freiriana aos meios de comunicação de massa, que, para o educador, se constituem em meros instrumentos de transmissão e tratam os destinatários como receptores passivos e não possibilitam relações dialógicas.
Para o autor Venício de Lima, a reedição da obra Comunicação e cultura: As ideias de Paulo Freire reveste-se de importância devido ao exercício de diálogo crítico que esse tema proporciona aos estudiosos da comunicação e cultura e porque Paulo Freira era um defensor da comunicação como direito humano fundamental de homens e mulheres, opondo-se à “cultura do silêncio”, que nega a boa parte da população sua liberdade fundamental de se expressar. “Freire é o principal representante contemporâneo da tradição teórica da comunicação como diálogo. Existe um enorme potencial analítico embutido em alguns conceitos introduzidos por ele que ainda não foram plenamente explorados e suas ideias constituem a base teórica para a positivação da comunicação como direito humano fundamental”, observa Lima.
A reedição da obra ganhou uma significativa contribuição. A também educadora e viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire escreve o prefácio, no qual avalia a mensagem profundamente libertadora dos escritos de Freire sobre comunicação e cultura e que levam os leitores a sentir a importância e a grandeza de Freire, “quer pelos afetos generosos que ele distribuiu em profusão como parte de seu sentimento mais profundo de amorosidade e de comunicabilidade, ´molhadas´ nas suas emoções como parte da sua existência humana mais autêntica, nunca negados, mas sempre aprofundados até o último dia de sua vida; quer pela sua enorme capacidade de nos fazer pensar. Pensar no outro e na outra com o outro e a outra, germe de sua compreensão do existenciar-se humano e, portanto, da comunicabilidade como diálogo para transformar o mundo”.
Para ela, a reedição desta obra põe de volta nas discussões acadêmicas o pioneirismo, a importância e a atualidade do pensamento de Paulo Freire, no que se refere à teoria da comunicação, da qual ele próprio é uma das expressões maiores no Brasil.
Certamente, em um contexto de desconstrução de utopias, este é um livro especial para interessados e estudiosos que acreditam que a educação, em suas várias vertentes, não é apenas um ato, mas principalmente um ato político-pedagógico, e nunca neutra, que serve à transformação política e econômica dos oprimidos, pois como Freire mesmo diz: “O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar (in Pedagogia da indignação, p. 79). (Inês Ulhôa- EDU/UnB)