[Por João Paulo Cunha – Brasil de Fato MG – 13.04.2017] Em poucos dias, quatro personagens que gozam dessa geleia indistinta chamada ‘celebridade’ mostraram o que têm de pior. José Mayer foi autor de agressão sexual contra uma funcionária da emissora em que trabalha, a Rede Globo. Sílvio Santos cometeu assédio moral ao vivo e em cores contra uma jornalista do SBT, onde é o “patrão”. O cantor Victor, que apresentava um concurso de calouros para crianças, passou a ser réu no processo por violência física à mulher, grávida de seu filho. Inquérito por agressão à namorada tirou o médico Marcos Harter do BBB 17.
À primeira vista, a dimensão tomada pelos casos mostrou que houve uma reação social forte, principalmente das mulheres, que se uniram para denunciar e cobrar responsabilidades contra a violência, os assédios e a agressão. Além disso, a postura das emissoras, com maior ou menor grau de reconhecimento da gravidade em cada um dos casos, parecia emitir um sinal de autocrítica. No entanto, o constrangimento, cabotinamente anunciado até no Jornal Nacional, levou a punições brandas, como afastamento provisório dos envolvidos de suas atividades ou expulsão do participante do reality show, o que não foi mais que a aplicação da regra do jogo.
Na verdade, foi tudo jogo de cena. Não foram casos excepcionais, mas decorrências esperadas de um padrão histórico. A televisão brasileira foi construída a partir do machismo e do preconceito, e de tudo que eles trazem de mais pernicioso para a sociedade. Mulher na telinha sempre foi objeto de consumo, teve seu corpo exposto como mercadoria, seu destino vinculado à capacidade de sedução, sua submissão valorizada nas tramas das novelas. Os machos brancos no poder sempre dispuseram de um salvo-conduto para assediar, e a própria figura do galã é uma caricatura dessa relação de poder.
O mesmo se dá com a questão racial, com a exibição naturalizada de uma estética branca, uso sexual das mulheres negras e identificação dos jovens negros como criminosos. Até o ano passado, uma mulher jovem, negra e nua, era símbolo do carnaval, em nítida identificação com o racismo e o turismo sexual que orbita em torno da festa. A mesma lógica sempre levou a TV a fazer caricatura dos homossexuais, jogá-los no gueto e festejar um beijo gay como triunfo da modernidade, depois de décadas de deboche.
A televisão não é o espelho de uma sociedade injusta e preconceituosa. Ela é um ator destacado nesse processo. No jornalismo, tornou-se um partido e submeteu a informação à dinâmica do espetáculo. A saída de jornalistas para a linha de shows se tornou um padrão, como se fosse tudo a mesma coisa à venda. Na dramaturgia, exacerbou a discriminação dos personagens que representam minorias e transformou o conflito social em “núcleos” que consagram uma vicária paz social, de olhos vendados para a desigualdade. Na linguagem, criou um padrão único que divide o país, sustenta simbolicamente a exploração e folcloriza a diversidade.
As ocorrências das últimas semanas não podem ser esquecidas ou turvadas pela pós-verdade das explicações autocomplacentes. O assédio sexual foi assumido como erro, quando na verdade é um crime. A violência contra a mulher foi apresentada como um ato de defesa, quando se tratou de uma covardia. O constrangimento ao vivo da funcionária, criticada por dar opiniões políticas (ainda que execráveis), foi uma farsa para justificar a isenção que não existe no jornalismo da emissora. A expulsão do médico do BBB um contrassenso, já que puniu exatamente o participante que melhor executou o roteiro do programa: exibir o pior de si para alimentar o pior de cada espectador.
Preconceito, violência, arrogância e discriminação. A gente vê por aqui.
*João Paulo Cunha é jornalista e colunista permanente do Brasil de Fato MG.