Por Raquel Júnia
Um embrulho no estômago. Foi esse o sentimento da professora Virgínia Fontes presente no Ato pela Vida – Contra o Extermínio, no dia 27 de junho, quando completou um ano da chacina do Morro do Alemão. No microfone, mães lembravam emocionadas de seus filhos assassinados pela polícia em diferentes momentos. No caso de uma delas, o filho tinha sido vítima da inoperância do sistema sócio-educativo. O menino passou por inúmeras instituições para jovens em conflito com a lei e, inclusive, pela cadeia, o que, segundo ela, só o fez evoluir no estágio do crime.
O ato reuniu cerca de 300 manifestantes em frente à Igreja da Candelária. Participaram familiares das vítimas da Chacina do Alemão, de outras comunidades e militantes de diversos movimentos sociais. A concentração começou às 9 horas. Às 10 horas teve início a missa em memória dos assinados, inclusive, dos três jovens do Morro da Providência, mortos recentemente após serem entregues pelo exército a traficantes.
“É um estado que exerce uma política de contenção dos mais pobres. Misturando televisão e bala. Eu estou com o estômago embrulhado, a cada dez dias a gente tem um assassinato. Eu tenho dois filhos e fico imaginando, perder um filho já é dramático, assassinado pela polícia é inimaginável, vendido pelo exército para o tráfico, então… Isso aqui é um campo de concentração”, comentou, revoltada, Virgínia Fontes. Para ela, a grande mídia também sustenta esse modelo de extermínio.
Cerimônia homenageia 22 assassinados, a maioria jovens
No início da cerimônia religiosa, as 19 vítimas da Chacina do Alemão e as três vítimas do Morro da Providência foram lembradas nominalmente. A missa foi celebrada pelo representante da Pastoral das Favelas Padre Sergio Sá Ferreira e pelo coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Padre Justin Munduala.
“Hoje também existem muitas lepras em nossa sociedade, a acumulação do poder e da riqueza é uma delas”, disse o Padre Sergio Ferreira em seu comentário sobre as leituras bíblicas realizadas na cerimônia.
A política é de segurança só para poucos
Para os padres Sergio e Justin, a política de segurança do governo do estado do Rio de Janeiro contempla ap
enas uma parcela da população, o que seria, no mínimo um “preconceito contra o pobre”.
“O que vemos é o extermínio da população pobre e marginalizada em uma política que quer ser modelo e tem, inclusive, o apoio do governo federal. Vitima tanta gente e nada muda”, comentou o padre Justin.
De acordo com os dados divulgados pelos manifestantes, a estimativa é de que o número de mortos em decorrência das operações policiais aumente esse ano em relação a 2007.
“O governo atual é responsável por um aumento vertiginoso do número de “autos de resistência” – civis mortos pela polícia. Em 2007 foram computados 1330 registros. Nos primeiros três meses de 2008, foram registrados 358, o que representa um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2007. Se essa média se mantiver, o Estado do Rio de Janeiro registrará 1431 autos de resistência em 2008” , afirma a carta aberta à população distribuída durante o ato.
Justificativa do Estado
O governo do estado tem afirmado por meio de vários representantes, como o secretário de segurança pública José Mariano Beltrame e o próprio governador Sergio Cabral, que as mortes de civis são um custo inevitável do enfrentamento entre as forças repressoras do estado e traficantes de drogas. Sergio Cabral chegou a afirmar, em reportagem do jornal Brasil de Fato sobre jovens da Mangueira que reclamavam da violência policial, que o “stress” devido a esse enfrentamento é muito grande. Entretanto, o governador disse não conhecer nenhum caso de resultado positivo sem que tivesse havido esse enfrentamento.
Para Maurício Campos, da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, também presente na manifestação, esse discurso do governo do estado de que “alguém tem que pagar” é racista, e que isso não seria usado como justificativa se o problema fosse na Zona Sul. Ele destaca ainda que o governo Sergio Cabral se espelha no modelo de segurança da Colômbia, já que o governador viajou mais de uma vez ao país com o intuito de aprender o que se pratica lá.
Padre Justin também comenta sobre o alinhamento da política de segurança praticada pelo governo estadual e a Colômbia. A diferença, diz, é que no Rio se mata mais do que naquele país.
“Mãe, arrume um emprego para mim, mesmo que seja para ganhar 400 reais”
A frase acima foi reproduzida por Ruth Sales, mãe de um jovem de 22 anos, que saiu recentemente do sistema penal. Ela conta que o filho foi internado aos 17 anos na primeira das mais de quatro instituições sócio-educativas pelas quais passou e acabou, quando atingiu a maioridade penal, na cadei
a. Ela luta agora para que o filho consiga arrumar um emprego para concretizar um sonho que não passa de um direito: constituir uma casa para poder morar com a companheira e um filho.
Outra mãe presente no ato, Mônica Cunha, não pode hoje travar a mesma luta de Ruth, já que seu filho foi morto pela polícia. O filho de Mônica, Rafael da Silva Cunha, também passou pelo sistema sócio-educativo, ingressou aos 15 anos, aos 17 foi internado pela última vez e aos 20 morreu. Ambas reclamam que o sistema que deveria ser sócio-educativo não ajuda os jovens a se desvencilharem da situação criminosa.
“A única coisa que ele aprendeu dentro do sistema foi ficar mais violento. Quando eles saem e barbarizam a sociedade aqui fora com as coisas que fazem, isso é um reflexo do acontece com eles lá dentro”, denuncia Mônica. Emocionada, ela exige que o estado ajude as mães a educar os filhos e não tire a vida deles. Mãe de três, ela diz que é muito difícil ver que hoje são apenas dois meninos. Ela e Ruth fazem parte do Movimento Moleque, uma união das mães dos adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas. “Meu filho saiu de mim, e não saiu uma sementinha do mal como dizem por aí. Quando ele nasceu, o médico disse apenas se era do sexo feminino ou masculino, eu nunca ouvi falar que um médico dissesse quando a criança nasce que ela é bandida”, criticou Mônica, fazendo referência a expressão atribuída ao exército de que “as crianças da favela” são sementes do mal.
A manifestação terminou por volta de 12 horas. No dia 23 de julho está marcado um novo ato em frente à Igreja da Candelária para lembrar os 15 anos da chacina que ocorreu nas escadarias da própria igreja e que ficou conhecida como Chacina da Candelária. A manifestação também será contra a redução da maioridade penal.