Imagens fortes e belíssimos textos sobre nossa história emocionaram o participantes do 10º Curso de Comunicação do Núcleo Piratininga. Por Eliane Amaral, do jornal da Sintufrj, dezembro de 2004.
Debates: A Comunicação e os Movimentos Sociais; Sandra Quintela, Claudia Santiago, João Paulo Rodrigues e Idson Silva . |
A Internet e a Imprensa Alternativa; Gustavo Gindre, Kátia Marko e Bia Barbosa . |
Beto Almeida falou sobre TV Sul; No microfone, Glauco . |
Encerramento: a equipe do NPC . |
A abertura do Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), dia 1º, que neste ano completou 10 anos, trouxe duas novidades aos presentes. Uma aula emocionante sobre a América Latina e o lançamento da agenda de Comunicação 2005.
Através de cada notícia, a agenda oferece dados, relembra fatos, recupera idéias para que estas possam ser usadas por milhares de militantes, jornalistas e dirigentes políticos. Tudo dirigido ao objetivo da disputa de classe em curso na sociedade.
A história da América Latina foi mostrada através de uma sucessão de imagens (acompanhadas de leitura de textos) e mostrou os golpes militares no Chile e no Brasil, a resistência de Cuba e a luta do MST; a insurgência no México, Bolívia, Venezuela e Argentina. Uma história de luta, dor, sangue e mortes.
“Vocês vêm ao NPC só para assistir ao curso. Hoje preparamos uma armadilha: nós queremos tocar seus corações. Nós não teremos o prazer, mas a tristeza de revelar, nesta noite, uma visão da realidade. Nada é imaginação”, falou Vito Giannotti, um dos coordenadores do NPC, ao iniciar com os colaboradores a leitura de textos de Garcia Lorca, Eduardo Galeano, Pablo Neruda, Allende, Ferreira Gullar, MST, EZLN e José Saramago.
Além da leitura de textos, organizada por León Diniz, coordenador de Áudio Visual do NPC, teve também a participação do grupo Flautistas da Maré, que apresentou músicas do compositor chileno Víctor Jara. Suas mãos foram cortadas no Estádio de Santiago do Chile ao se recusar a obedecer a ordem dos torturadores de tocar o seu violão.
O 10º Curso, que este ano teve como tema “Comunicação, ideologia e política na batalha da hegemonia”, trouxe mais de 100 pessoas de todo país. Ele se encerrou no dia 5 de dezembro. No dia 2 houve a festa dos 10 anos do NPC. No último dia foi feita a divulgação dos vencedores do Prêmio-NPC de Comunicação Sindical. O primeiro lugar foi obtido pelo jornal do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, o Surgente.
O Núcleo Piratininga é formado por um conjunto de jornalistas, professores, formadores e ativistas sindicais e de movimento sociais, oriundos de vários estados. O seu trabalho consiste em melhorar a comunicação dos trabalhadores para armá-los na disputa do projeto de uma nova sociedade. Confira algumas passagens da leitura de textos e que foram acompanhadas por exposição de imagens durante a abertura do 10º Curso do NPC.
Peça “Companheiros”, ano de 2001
“Na nova ordem mundial não há democracia, nem liberdade, nem igualdade, nem fraternidade. Uma nova maravilha bélica será descoberta a partir do nascimento da Quarta Guerra Mundial: a bomba financeira. A pior e a mais cruel. A que o neoliberalismo trava em todas as partes e por todos os meios contra a humanidade. No mundo atual, a injustiça e a desigualdade são os sinais distintivos. O planeta Terra tem 6 bilhões de seres humanos. Nele, 500 milhões de pessoas vivem comodamente, enquanto 4 bilhões e 500 milhões padecem de pobreza e tratam de sobreviver. (…)
A moderna produção capitalista segue baseada no trabalho de crianças, mulheres e trabalhadores imigrantes. 100 milhões de crianças vivem nas ruas e 200 milhões trabalham. Se prevê que serão 400 milhões no próximo ano. (…)
O crescimento da produção não gera emprego, ao contrário, o destrói. Seres humanos sobram na nova ordem mundial: Não produzem, não consomem, não são sujeitos de crédito, em suma, são descartáveis.
Nós avisamos antes: nada aqui foi imaginação. Depois de verem o que não queriam ver e de ouvirem o que não queriam ouvir, muitos dirão: isso não é aula. Nós dizemos: isso é mundo.
É preciso fazer um mundo novo. Um mundo onde caibam muitos mundos. Um mundo onde caibam todos os mundos.”
Golpes no Chile e no Brasil
Depois, foi mostrada a história do Golpe no Chile, que depôs o presidente Salvador Allende, que foi assassinado, e ceifou o sonho do socialismo. Em seguida, o Brasil. Como disse Darcy Ribeiro, “o dano maior que fez a ditadura, perseguindo, torturando e assassinando os jovens mais ardentemente combativos da última geração, foi difundir o medo, promover a indiferença e a apatia. Aquilo de que o Brasil mais necessita, hoje, é de uma juventude que se encha de indignação contra tanta dor e tanta miséria.”
Cuba resiste e o MST também
O MST faz a sua homenagem: “Companheiro Fidel. Cuba incomoda. O que faz um país pobre, ameaçado, bloqueado, ter a mais alta expectativa de vida e a menor mortalidade infantil da América Latina? Companheiro Fidel, ainda há gente que acredita que o Che morreu. Por Cuba, contra o bloqueio e pelo socialismo. Hasta la Victória, simpre!
Aos companheiros e companheiras do Movimento dos Sem-terra, esse povo à beira de quase tudo, espremidos entre as estradas por onde caminham e as tantas cercas desse país. Os sem-terra plantam. Sabem que só podem comer o que puderem colher. Como sabem que só terão o país que puderem conquistar.”
Vagando entre o sonho e o desespero – como denuncia José Saramago, no texto “Malditas seja todas as cercas” – existem 4 milhões e 800 mil famílias de rurais sem terra. “A terra está ali, diante dos olhos e dos b
raços, uma imensa metade de um país imenso, mas aquela gente não pode
lá entrar para trabalhar. As 18 maiores propriedades do Brasil somam 18 milhões de hectares e tem um território equivalente a Portugal, Suíça e Holanda juntos. 18 senhores cercaram para si o espaço equivalente a 3 países europeus!”
Insurgência no México, Bolívia,Venezuela e Argentina
Depois da queda do Muro e da crise internacional da esquerda, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), no México, lançou a internacional da esperança contra o neoliberalismo. Sua estratégia se diferenciou da clássica atuação das guerrilhas. Utilizando a internet os zapatistas travaram uma verdadeira “guerra eletrônica”, cuja principal arma foi sempre a palavra. E chegamos a guerra do gás, revolta popular que sacudiu toda a Bolívia e culminou com a renúncia do presidente Sánchez de Lozada, que fugiu deixando para trás um matadouro de mortos.
Na Venezuela, longos anos de corrupção e roubo da renda gerada pelo petróleo fez crescer a dívida externa do país. Em 1989 o FMI impôs reformas estruturais e medidas de austeridade. Uma violenta rebelião popular contra essas políticas é reprimida de forma feroz, causando a morte de aproximadamente 3 mil pessoas. É o ano da matança de Tienanmen. Em 1998, Hugo Chávez é eleito presidente com 57% dos votos. Desde então, Chávez tem convocado o país a expressar suas vontades através de referendos populares. Houve uma tentativa de golpe em 2002, mas dois dias depois Chávez volta ao poder por pressão popular.
Políticos incompetentes, maus administradores, deputados e senadores corruptos, sindicalistas traidores, empresários avarentos foram os responsáveis pelo caos que tomou a Argentina e toda a indignação da população ficou simbolizada na chamada noite das caçarolas, em 20 de dezembro de 2001. O governo reprime e há reação. Saldo: 35 mortos e 4 mil 500 presos. O presidente De la Rua foge de helicóptero.
E vocês? Que são parte de um povo ingênuo e conformista, que permitia qualquer coisa. Por que desde 20 de dezembro mais nada será igual… Isso depende de vocês. Tenha a tua caçarola a mão. E quando começar a ver novamente políticos incompetentes, maus administradores, deputados e senadores corruptos, sindicalistas traidores, e empresários avarentos, não permita que ativem uma nova bomba.
Homenagem
Antes da divulgação do vencedor do prêmio NPC os colaboradores fizeram uma homenagem aos coordenadores Cláudia Santiago e Vito Giannotti. Veja o texto escrito por Eliane Amaral e lido por Kátia Marko, ambas jornalistas, em nome de todos:
Aos nossos mestres, com carinho
E tudo começou, para variar, com um sonho.
O sonho que move todo revolucionário: o da transformação que se traduz na palavra revolução.
Como fazer chegar às pessoas a palavra se nela não temos a noção de sua imensa força?
Como fazer chegar aos trabalhadores a consciência de suas potencialidades se não fazemos nos entender?
São 10 anos em que o sonho da transformação vem sendo construído numa área que é vital: a comunicação.
Um curso aqui. Uma apostila acolá. Um encontro todo ano.
Viagens. Palestras. Debates.
Muita saliva gasta. Muita vontade de fazer da palavra a arma que transforma vidas!
O sonho começou aí e foi crescendo.
Nasceram os livros.
Formou-se uma geração.
Temos orgulho de dizer que somos filhos do NPC.
E crescemos junto com ele…
À jornalista que é uma professora.
Ao escritor que é um operário.
Cláudia Santiago e Vito Giannotti.
Dois militantes sonhadores, apaixonados revolucionários que lutam por uma comunicação livre e consciente, uma ideologia classista e uma política transformadora.
Incansáveis na batalha por uma sociedade justa.
10 anos não são 10 dias.
Vocês, que lutam toda uma vida, são imprescindíveis.