Por Marina Schneider, do NPC
A noite de 22 de novembro vai ficar na memória daqueles que participaram do 19o Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro. Após uma bela abertura com a música “Os Comunistas”, homenagem de Caetano Veloso a Marighella, cantada ao vivo por Tomaz Miranda com o acompanhamento de Maurício Massunaga, no violão, a plateia acompanhou atentamente a fala do jornalista Mário Magalhães, autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.
Convidado para falar sobre o tema “Grandes Reportagens”, o jornalista contou detalhes da vida do revolucionário comunista com a propriedade de quem dedicou quase uma década à pesquisa e produção do livro. “Ao pesquisar um personagem para biografar, não achei vida mais fascinante que a de Carlos Marighella. Busquei uma linguagem que desse conta disso”, afirmou o autor. Foram nove anos de trabalho, seis deles exclusivamente direcionados à biografia. Mário entrevistou 266 pessoas, um total de mais de mil horas de gravação, e consultou cerca de 70 mil páginas de documentos oriundas de 32 arquivos públicos e privados de diferentes países.
Segundo ele, os dois maiores obstáculos para desenvolver o trabalho foram a tentativa da historiografia oficial de apagar Marighella da memória nacional e o fato de que, para sobreviver, o guerrilheiro se esforçava para não deixar rastros. Mário Magalhães considera que a biografia é uma reportagem de fôlego sobre uma vida. “Este livro foi construído com as ferramentas clássicas do romance, mas com uma diferença: não há uma só informação que não se baseie em fatos”, ressaltou.
Mário registra, por exemplo, que o militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) não participou da tomada de uma rádio em Piraporinha, no interior de São Paulo, em 1969, quando um manifesto lido por ele foi veiculado tendo como fundo musical o Hino da Internacional Comunista. Com base na extensa pesquisa, o jornalista conseguiu, ainda, documentar a infiltração da CIA, a Agência de Inteligência Americana, na ALN. Outro registro interessante é de que foi Marighella quem escreveu o discurso feito por Cabo Anselmo, em 1964, quando o marinheiro ainda não tinha sido descoberto como infiltrado das forças da ditadura na guerrilha.
- O autor afirma que não produziu um estudo sobre Marighella, mas pretende contribuir para que a história do militante seja mais conhecida aqui. “No Brasil Marighella é muito menos conhecido que no exterior”, ressaltou, lembrando que os textos do poeta e revolucionário continuam sendo traduzidos para diversos idiomas no mundo todo.
Biografias como parte do direito à memória
Para Mário Magalhães, a lei que impede as biografias não-autorizadas no Brasil confronta diretamente aquelas que garantem o direito à informação e à liberdade de expressão, contrariando a própria Constituição de 1988. “A legislação em vigor abate um direito humano reconhecido pela ONU, que é o direito dos povos de conhecer o seu passado, o direito à memória”, criticou. Ele aponta que a lei que impede a realização de biografias que não possuem autorização prévia de familiares tem o espírito da ditadura. “Teve gente que morreu nesse país lutando contra a censura prévia”, ressaltou. De acordo com o jornalista, a autorização do biografado ou de seus descendentes impede a independência do trabalho, que acaba se tornando uma espécie de “sociedade” entre biógrafo e biografado.
Mário Magalhães fez as contas e viu que nos 69 meses em que se dedicou à biografia ganhou o equivalente a 15% do que receberia no mesmo período se continuasse com seu salário de jornalista. Isso somando os direitos autorais dos exemplares vendidos ao que ele vai receber da venda dos direitos para a produção de um filme sobre Marighella, que será dirigido por Wagner Moura. “Fiz isso porque tenho um desvio de caráter irreparável: amor pelo jornalismo e paixão pela reportagem”, disse.
Obra já ganhou prêmios importantes
Lançado do ano passado, o livro já vendeu 30 mil exemplares e a quinta edição deve sair em breve. Recebeu o Prêmio Jabuti de melhor biografia e também o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) de melhor biografia. “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” foi publicado pela Companhia das Letras e está à venda na Livraria Antonio Gramsci por R$ 56.