[Por Jéssica Santos] Entender que era possível sonhar. Foi assim que a jovem jornalista, diretora e roteirista Camila de Moraes iniciou sua entrevista ao Quintas Resistentes no dia 5 de maio ao se referir ao apoio que recebeu da família para trilhar sua vida profissional nas telas. Com uma mãe atriz e um pai escritor, Camila cresceu no Rio Grande do Sul, convivendo com a luta do movimento social negro e aprendendo que poderia crescer e ter a arte como forma de expressão. “Dentro dessa família artista foi nos dada essa possibilidade de sonho. E mesmo sem as condições financeiras para executar, tinham muitos recursos intelectuais, com muitas pessoas nos ajudando e incentivando a seguir adiante e concretizar algo”, conta. Camila dirigiu o premiado documentário de longa-metragem “O Caso do Homem Errado”, que aborda o genocídio da juventude negra no país.
Além do âmbito familiar, Camila ressalta a importância de se ter referências negras no campo das artes e do cinema, tanto na produção quanto nos espaços acadêmicos, para que se provoquem mudanças estruturais. “Quando temos esses espelhos positivos, essas referências negras que estão trazendo de outra forma o nosso corpo em tela ou esses textos colocados por essas pessoas que fazem a diferença, começamos a pensar que esse audiovisual brasileiro pode ser feito por outras pessoas. Começamos a entender que posso viver profissionalmente do audiovisual e querer poder estar nesse espaço. Só conseguimos querer esse local quando temos esses espelhos”, reflete.
O Caso do homem errado
“O Caso do Homem Errado”, de 2017, é um documentário que tem como tema central o extermínio da juventude negra. O longa conta um episódio que ocorreu no Rio Grande do Sul com o Júlio César de Melo Pinto, um homem que foi executado por seguranças de um estádio por ser negro, na década de 1980. “A gente conta esse caso e dá os dados daquela época, de como estava a situação. Agora estamos em 2022 e ainda está se falando sobre a questão do extermínio e a juventude negra continua sendo a população exterminada com o maior índice”, afirma. Camila conta que levou cerca de oito anos para realizar a produção e que foi o movimento social negro o principal apoiador e incentivador desta do filme. “Fizemos apresentações e exibições desse filme em outras cidades e a gente tinha esse núcleo que ia conosco, chegava na cidade e tínhamos um outro núcleo de comunidade negra para exibir e estar ali naquela conversa. Então, para além de uma distribuição de impacto, fizemos uma distribuição independente com esse filme, a tivemos como ensinamento: sozinho a gente não vai conseguir ir além. Então, tínhamos essa base dessa comunidade negra indo conosco e dando nosso próximo passo conosco”, conta.
Com muito trabalho e dedicação, o filme chegou a ser selecionado para disputa de representar o Brasil no Oscar. “A primeira vez que produções feitas por pessoas negras chegaram a essa etapa do Oscar e a gente estava em 2018, mais de 100 anos de cinema brasileiro”, emociona-se Camila. Ela questiona por que para as pessoas negras isso é tão demorado e ressalta que para que mudanças de fato ocorram, é preciso mudar a estrutura. “Aí a gente volta com a questão do racismo, como é que a vamos mostrar outros olhares? Quando a gente fala que tem que mudar na estrutura é mudar a forma estamos olhando esses outros filmes, essas outras obras produzidas, como é que fazemos para que essas outras obras tenham acesso para chegar a essas disputas?”, questiona.
Para Camila, a sociedade está perdendo oportunidades de conhecer obras diversas, com conteúdo muito potente e interessante, por falta de acesso a milhares de produções. E essa falta de acesso não é só do público, são dos realizadores também. “Quem são as pessoas que estão indo para esses festivais? Como é que faz para ir por certo caminho ou não? E por onde a gente faz para circular cada obra? Produzimos aqui no país muitos curtas-metragens e onde vamos conseguir veicular esses curtas? E são curtas muito potentes, as narrativas são muito potentes”, explica.
Desta forma, argumenta Camila, é necessário promover formação e ampliar o acesso em todas as etapas do processo, do edital a distribuição. “Sabemos da nossa capacidade e da nossa potência. Imagina se tivéssemos todos os recursos também disponíveis para potências cada vez mais emergissem. Agora também estamos trabalhando com isso, para que esses recursos estejam nas nossas mãos. Para conseguir que qualquer pessoa, de qualquer condição social, possa sonhar e não tenha que passar por tantos obstáculos”, afirma, complementando: “O Brasil é um país muito diverso, feito por negros, indígenas e brancos, então cadê essa diversidade representada do audiovisual brasileiro?”