Caríssimos,
Comunista, ateu, genial, irônico, perspicaz como poucos. Certamente um dos maiores jornalistas da história desse país. Era o comandante da revista mais fascinante já produzida por aqui, a lendária “Realidade “: sob sua batuta trabalharam, nos anos 60, nomes esplendorosos como Raimundo Pereira, Sérgio de Souza, M ylton Severiano, Hamilton Ribeiro, entre outros. Nas páginas dessa publicação vibravam pautas e reportagens que faziam tremer de medo e raiva a ordem conservadora gerenciada pela ditadura dos militares. O jornalismo de Paulo Patarra era cheio de vida e verdade, coragem e generosidade, audácia e rigor, beleza e determinação. Não estava do lado das boas causas por que era um pregador de doutrinas, mas porque se esmerava em retratar os fatos e os processos com seus detalhes mais ocultos e seus dramas mais intrigantes. Também de suas mãos nasceram “ Repórter Três“ e “Bondinho“ , entre outros muitos projetos.
Muitos dos jornalistas daquela fornada, desiludidos com os compromissos e interesses de seus patrões, dedicaram-se a construir uma imprensa altern ativa. Eram bravos que renunciaram a altos salário s e posições de destaque para ajudar a resistência e as forças progressistas na fundaç ão de meios de comunicação que pudessem romper o ciclo do silêncio. Patarra fez uma outra aposta, enquanto pode: um dos profissionais mais qualificados de sua época, por muitos anos simplesmente insubstituível, forçou todos os limites para obrigar o baronato da mídia a fazer jornalismo de verdade. Rebelava redações, impunha pautas, brigava contra a interferência patronal. Quando não funcionava mais, pegava o boné e ia para casa, porque era o cara: um indomável. A “Realidade “ podia ser uma publicação da editora Abril (dos mesmos Civitas que editam um panfleto s órdido e velhaco como “Veja “), mas estampou as mais incríveis matérias e entrevistas. Nas suas páginas coloridas os leitores conheceram os líderes estudantis de 68, as opiniões de Luiz Carlos Prestes na mais dura clandestinidade, o que se passava na guerra do Vietnã, a revolução sexual pós-pílula, a música nova que ganhava o mundo.
Eu comecei a ter contato com ele nos anos seten ta. Fui muito amigo de seus filhos Sérgio (falecido aos 18 anos) e Dani. Também conhecia o Ivo, um pouco mais velho que nós. Paulinho, como os amigos o chamavam, era diferente de outros pais: ele nos levava tão a sério, com seu jeito irônico e atencioso, que a gente se emocionava. Que sujeito querido. Contava e ouvia histórias, animava nossos sonhos e ousadias, partilhava nossas descobertas de adolescentes, vibrava com nossos desejos de mudar o mundo aqui e agora.
Durante muitos anos, mesmo esporadicamente, eu o procurava para conversarmos e aprender com sua língua ferina. Era meu consultor preferido para os p
rojetos de imprensa nos quais me envolvi. Havia me apaixonado pelo jornalismo muito cedo, mas não queria ser um empregado dos oligarcas da comunicaç ão. Meu sonho era inventar jornais e revistas que servissem às lutas do povo. Quando garoto, mergulhava noite adentro nas letras de John Reed, Emile Zola, Upton Sinclair, Jack London e tantos outros que fizeram da profissão uma tribuna dos rebeldes. Mas, patrioticamente, eu queria mesmo era ser como o brasileiro Paulo Patarra , o mais livre e libertador de todos os jornalistas.