Esta carta, do leitor Pedro Amaral de agosto de 2004, foi enviada recentemente ao jornal O Globo, mas por alguma razão eles não a publicaram. O Globo não publicou, o NPC publica.

Prezados senhores:

Em artigo sobre a obra “Fahrenheit 9/11” publicado na seção “Opinião” do “Globo” de 10 de agosto último, o Sr. Ali Kamel afirma que “o filme denuncia que o serviço secreto protege a embaixada da Arábia Saudita”.

É mentira.

Assisti ao filme ontem, e vi que, na cena a que o articulista faz referência, o diretor Michael Moore afirma, com ironia, que a embaixada da Arábia Saudita deve ser a mais protegida de Washington. A insinuação do cineasta é que isso refletiria um tratamento diferenciado oferecido pelo governo estadunidense às lideranças sauditas, em razão do alto volume de investimentos destas nos EUA.

Qualquer pessoa capaz de raciocinar pode entender que, quando se diz que determinada embaixada é possivelmente “a mais protegida”, se está supondo que as demais também são protegidas. Assim, é despropositada a explicação do jornalista sobre o trabalho do serviço secreto estadunidense: “(…) uma de suas missões é exatamente proteger as missões diplomáticas em Washington”. Afinal, isso não é questionado no filme.

Talvez o Sr. Kamel pense que os leitores de “O Globo” são tolos, e por isso se apresse em nos explicar mesmo as coisas mais elementares, como um professor de jardim de infância. Mas será que o nosso “professor” acredita que sejamos tolinhos a ponto de desconhecer as relações entre o militarismo dos EUA e o poderio do Talibã, e que ignoramos a origem do arsenal (incluindo matérias-primas para a produção de armas biológicas) que fez de Saddam Hussein e seus asseclas uma ameaça à segurança internacional? Será que ele imagina que ignoramos a relação entre a política expansionista do Estado de Israel, apoiada pelos EUA ao arrepio das determinações das Nações Unidas, e o desespero e a falta de perspectivas que a cada dia transformam homens e mulheres palestinos em bombas, e em reféns do medo os cidadãos de Israel?

O jornalista diz que “(…) vivemos tempos em que muita gente está cega e surda. Não quer ouvir nem ver a ameaça que nos cerca”. A afirmação é irretocável, e só posso concordar. Por incrível que possa parecer, existem até mesmo brasileiros (sim, brasileiros!) que se dizem tranquilizados ao ver um candidato à presidência dos EUA afirmar que não concederá “(…) a nenhuma nação ou organização internacional o poder de veto quando o assunto for a segurança dos EUA”.

Muita gente está cega e surda, professor. Mas parece haver cada vez mais gente, em todo o mundo, disposta a abrir os olhos e aguçar os ouvidos para perceber o que se passa, e assim começar a estabelecer as conexões entre os fatos, a questionar mentiras e meias-verdades e assumir o compromisso com a construção de um futuro em que a violência tenha limites e a convivência seja possível.

Conseguiremos? Não sei. Mas temos que tentar.

Atenciosamente,
Pedro de Castro Amaral Vieira