Eles tentaram explodir o palco do centro de convenções, durante show que reuniu público de 20 mil pessoas, para colocar a culpa nos militantes de esquerda.
Por Najla Passos da Carta Maior
Brasília – A Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra cinco militares e um delegado acusados de envolvimento no Caso Riocentro, o atentado terrorista promovido por agentes da ditadura que não concordavam com a abertura política do país, há 33 anos. De acordo com a juíza titular da 6ª Vara, Ana Paula Vieira de Carvalho, o caso é imprescritível, por se tratar de crime de lesa humanidade.
Conforme a denúncia do MPF, o objetivo do atentado era explodir o palco do centro de convenções, durante um show em homenagem ao Dia dos Trabalhadores, em 31/4/1981, que reuniu 80 dos mais populares artistas brasileiros e público de mais de 20 mil pessoas. Por um erro de cálculo dos terroristas, uma das três bombas que seriam usadas explodiu dentro do veículo Puma que a transportava, no estacionamento do Riocentro, matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo gravemente o então capitão Wilson Machado.
Machado, que sobreviveu ao episódio, é um dos denunciados, ao lado de outros quatro militares reformados: Nilton de Albuquerque Cerqueira, Newton Cruz, Edson Sá Rocha, Divany Carvalho Barros, além do ex-delegado Cláudio Guerra. Eles são acusados de homicídio, formação de quadrilha, transporte de explosivos, fraude processual e favorecimento pessoal.
O ex-delegado Cláudio Guerra, inclusive, assume sua participação no episódio no livro “Memórias de uma Guerra Suja”, lançado em 2012, pela Editora Topbooks. Na obra, ele afirma que, no comando do atentado, “estavam os mesmos oficias de sempre: coronel Perdigão, comandante Vieira, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra”, todos eles agentes da ditadura apontados por várias testemunhas como responsáveis por torturas e desaparecimentos forçados de militantes de esquerda. Guerra conta também que a missão da equipe que chefiava no episódio era prender os militantes de esquerda que seriam falsamente acusados pelo atentado.
Entretanto, o então capitão Wilson Machado cometeu o que classificou como “um erro infantil”: estacionou o Puma que levava os explosivos debaixo de um fio de alta tensão que, com a carga elétrica emitida, acabou detonando o explosivo antes da hora, às vistas de várias testemunhas.
“O destino daquela bomba era o palco. Tratava-se de um artefato de grande poder destruidor. O efeito da carga explosiva em ambiente festivo, onde deviriam se apresentar uns 80 artistas famosos, seria devastador por ter espaço para se propagar. (…) Era evidente que muitas pessoas morreriam pisoteadas. Era para ter sido uma tragédia de proporções gigantescas, com repercussão internacional. O objetivo era esse mesmo. Mas quando a bomba explodiu no carro fechado, o corpo do sargento absorveu todo o impacto e o efeito destruidor não se multiplicou”, narra no livro.
Na entrevista “Nós assumimos decisão de investigar os crimes da ditadura, diz procurador”, concedida à Carta Maior em 11/4, o subprocurador geral da Procuradoria Federal de Defesa do Cidadão (PFDC), Aurélio Rios, já afirmava que a denúncia formulada pelo MP contra o Caso Riocentro era uma das mais paradigmáticas, dentre todos os casos relacionados à ditadura com que já havia trabalhado.
“Se o plano macabro funcionasse, nós poderíamos ter perdido alguns dos nossos artistas mais queridos e registraríamos uma tragédia humanitária que contaria centenas de pessoas mortas. E isso por uma ideia absurda de se colocar a culpa no grupo de esquerda para forçar o fechamento. Então, foi um golpe contra o próprio general Figueiredo que apostava, na época, na abertura política e que foi quem afiançou a Lei da Anistia. Foi o golpe dentro do golpe: um grupo de agentes de extrema-direita, descontentes com a abertura, promoveu um ato de terrorismo”, explicou ele.
No último dia 29, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) divulgou relatório parcial confirmado a responsabilidade dos agentes públicos do Estado pelo que classificou de “atentado terrorista contra o povo brasileiro”. Nesta quinta (15), emitiu nota pública expressando satisfação em ver a denúncia aceita pela Justiça. “A abertura do processo pela Justiça Federal do Rio é, portanto, também uma vitória dos que lutam pela memória e a verdade no Brasil e vai ao encontro ao objetivo central da CNV, que é a apuração da verdade de modo a impedir que fatos como este se repitam em nossa história”, diz o documento.