[Por Jéssica Santos/NPC] Um andarilho. É assim que se define Luiz Arnaldo Campos, nosso entrevistado no Quintas Resistentes do dia 16 de julho. Com um currículo extenso e uma filmografia de peso, sua vida é marcada pela luta política.
Em sua trajetória, ele une arte e política através do cinema. “Eu me vejo como uma pessoa que anda por aí, anda pelo mundo, ouvindo e inventando histórias, realizando filmes que querem emocionar, fazer refletir e dar esperança e vontade de construir um mundo melhor. Nessa caminhada, vou abraçado com duas namoradas: a arte e a revolução. São elas que me guiam e me seduzem, são por elas que me apaixono e tento servi-las da melhor forma. É a isso que tenho dedicado minha vida”, revela Luiz Arnaldo.
O cineasta fez parte da União da Juventude Patriótica, atuou no movimento estudantil e na oposição sindical da categoria dos jornalistas. Foi chefe da sucursal do jornal Companheiro no Rio de Janeiro e assessor de imprensa de sindicatos. Além da produção de filmes e séries, atualmente preside o Conselho de curadores da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco.
O começo
Os primeiros anos da década de 70 foram muitos difíceis no Brasil e a luta política seguia em baixa devido a sucessivas derrotas. Nessa época, Luiz Arnaldo iniciava sua militância, ainda no movimento secundarista. Ele lembra que a escola em que estudava sofreu uma intervenção militar e foi obrigado a sair de lá. Ameaçado pelo decreto nº477/1969, que definia infrações disciplinares para professores e estudantes e impedia o aluno de estudar por cinco anos, mudou de escola.
Foi então que Luiz Arnaldo começou a refletir sobre um caminho que juntasse política, luta contra a ditadura e a vontade, já existente, de fazer cinema. “Caiu em minhas mãos o livro ‘Cine e liberacíon’, do diretor argentino Fernando Solanes. Contava a experiência de um grupo de cinema militante que ele tinha na Argentina. Era um grupo que fazia filmes de agitação, propaganda, projetava filmes nos sindicatos, nos bairros populares”, lembra Luiz Arnaldo, acrescentando: “Eu vi aquilo e disse: pronto! É isso que eu vou fazer da vida. Comecei a estudar e me preparei para fazer o vestibular na Universidade Federal Fluminense (UFF)”.
Nem bem entrou na faculdade de cinema, lembra que teve que lutar pela existência do curso, cuja manutenção estava ameaçada. “O diretor queria acabar com a especialização em cinema. Minha primeira luta na universidade foi pela manutenção do curso de cinema, em 1974. E ganhamos”, conta Luiz Arnaldo.
Como inspiração para escolher o caminho da sétima arte, Luiz Arnaldo cita grandes diretores do Cinema Novo, como Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade e do cinema underground, como Júlio Bressame e Luiz Rosemberg. Para ele, essa época foi um momento importante na história do cinema brasileiro, em que conteúdo e forma caminhavam juntos. “Não existe um conteúdo revolucionário em uma forma arcaica. Conteúdo é forma, e forma é conteúdo. Fui muito mobilizado por esses cinemas, que vinham do final da década de 60 e foram momentos de grande criatividade do cinema brasileiro”, afirma o cineasta.
Sobre sua produção, Luiz Arnaldo se considera “híbrido com mais alguma coisa”, resgatando a noção de antropofagia, que, segundo explica, “deglute e recria uma coisa nova com base no que ingeriu”. Com relação à produção nacional, avalia: “Eu acho que hoje, no cinema brasileiro, não temos propriamente uma linha, mas temos diversos caminhos e procuras. Temos nos últimos anos uma onda de documentários fantásticos”, afirma. Para as novas gerações, que entram em contato com a produção audiovisual através da internet, Luiz Arnaldo sugere que vejam filmes e descubram clássicos como Serguei Eisenstein, Orson Welles, Glauber Rocha; diretores que, segundo ele, estruturaram o que hoje compreendemos como linguagem cinematográfica. “Ninguém se cria dentro de um tubo de ensaio. Nós somos aquilo que lemos, aquilo que vimos e nossa reflexão em cima disso.”, afirma.
Depois do Vendaval
A série documental “Depois do Vendaval”, cuja direção Luiz Arnaldo divide com José Carlos Asbeg e Sérgio Péo, foi lançado em 2018, em parceria com o Canal Brasil. A série em três episódios mostra como a luta pelo fim da ditadura militar foi o resultado das greves dos trabalhadores, do movimento estudantil e da campanha pela anistia. A vontade, no entanto, sempre foi transformar essa história em um longa-metragem. Graças a uma campanha para arrecadar fundos, o sonho virou realidade e o filme “Depois do Vendaval” será lançado nos cinemas após a pandemia do novo coronavírus.
A ideia do longa nasceu há muito tempo. O ano era 1978 e Luiz Arnaldo tinha acabado de sair da prisão. No Rio de Janeiro, ele participava da Corcina (Cooperativa dos realizadores cinematográficos autônomos), que reunia profissionais do audiovisual que produziam e lutavam pela exibição de curtas no cinema comercial. Foi lá que ele conheceu José Carlos Asbeg e Sérgio Péo. “Estávamos sentindo o chão do Brasil tremer e nos juntamos para filmar”, lembra.
De forma independente e colaborativa, eles registraram momentos importantes da resistência como a greves de metalúrgicos e reconstrução da União Nacional dos Estudantes. Depois, o grupo de jovens cineastas se dispersou e, há aproximadamente cinco anos, voltaram a conversar sobre a construção do filme.
“Começamos a ouvir as pessoas que participaram daquela época, saber como foi esse caminho… quais sonhos se mantiveram, o que ficou pela jornada e o que continua”, explica Luiz Arnaldo sobre a proposta do filme, e complementa: “A luta da resistência foi longamente construída dentro das fábricas, com as oposições sindicais, os comitês de fábricas e o início da reunião das famílias com presos políticos. Essa história não está contada. O “Depois do Vendaval” tem essa importância, de contar uma página fundamental da resistência brasileira que ainda não está devidamente registrada”.
Amazônia na tela
Luiz tem uma relação muito especial com a Amazônia e compartilhou algumas das suas experiências nas telas. Ele chegou por lá em 1996 e desde então acompanha a situação dramática que vivem a região e os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, chamados por ele de mestres da sobrevivência. “No meu cinema, eu sempre faço filmes sobre trabalhadores, indígenas e negros. Eu acho que as melhores histórias do Brasil estão aí. É onde me sinto bem e ouço histórias que me encantam e vou tentando que elas se transformem em cinema e de cinema se transformem em outra coisa”, conta.
Nesta perspectiva de contar as histórias do povo, Luiz Arnaldo falou sobre a sua filmografia. Com a companheira, Célia Maracajá, lançou em 2017 o documentário “Aikewára: a ressurreição de um povo”, que conta a história do povo aikewára, que vive no sul do Pará. Eles sofreram com a ocupação de suas terras pelo Exército brasileiro durante a Guerrilha do Araguaia. “O Exército supunha que eles eram aliados dos guerrilheiros e os submeteu a uma ocupação de cerca de um ano que praticamente os destroçou. E eles foram capazes de se recuperar”.
Luiz Arnaldo também assina a direção da série “Diários da Floresta”, obra ficcional baseada no livro homônimo de Betty Mindlin. A série conta a história da antropóloga que, no final dos anos 1970, inicia uma pesquisa com o povo Paiter Suruí. O cotidiano e a convivência a faz ser tragada, nas palavras de Luiz, pelas lutas, cosmovisão e modos de bem viver dos indígenas. A série, que é estrelada pela atriz Rita Carelli e tem índios Paiter Suruí no elenco, está disponível no catálogo Amazon Prime.
A força da esperança
Com estreia marcada para o segundo semestre deste ano, a série documental “Transamazônica: utopias na selva”, traz um retrato da vida no entorno da estrada. “Viajamos o trecho efetivamente construído que vai de Estreito, no Maranhão, até Lábrea, no Amazonas. Fomos recolhendo as histórias da construção, do povo que foi trazido e do que já estava lá, que foram se apropriando desse sonho”. Luiz conta que há milhares de pessoas que vivem, sofrem e resistem na região, desconhecida por muitos. “Trafegar por lá é testemunhar esse absurdo que está ocorrendo hoje, porque são quilômetros e quilômetros de pradarias. Tem trechos que são milhares de quilômetros de pasto, garimpo, queimadas”.
Para Luiz Arnaldo, a Transamazônica é um caminho marcado por sangue derramado, histórias de mártires e guerras camponesas. Assim, o filme também recupera a história de personagens importantes na luta do território e que continuam resistindo. “Continua sendo um local de choque entre dois projetos de civilização, dois projetos de floresta”, revela. E por isso, explica ele, a força da esperança transborda do título da série.
As pessoas chegaram lá para reconstruir a vida apoiando-se no mito da terra nova. Porém, as condições extremas e nenhuma estrutura fizeram com que muitos fossem embora. “Quem ficou, tem um amor enorme ao que fez e construiu. Teve luta organizada para a Transamazônica não ser abandonada, por luz elétrica e, como tem até hoje, pelo asfalto. E a dos povos indígenas que foram atravessados por essa estrada e lutam até hoje para manter seu território. As pessoas investiram muito ali”, conta Luiz Arnaldo.
*Jéssica Santos faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.