Por Regis Moraes
Faz vinte anos a Globo tentou ocultar a campanha popular que queria que o Presidente fosse eleito diretamente nas urnas e não em um colégio eleitoral no Congresso. Diretas-já. As manifestações de 15 de março foram o primeiro passo da campanha da Globo pelas Indiretas-já. Um milhão de eleitores oposicionistas inconformados foram convocados para dizer isto: que o colégio eleitoral do Congresso destitua a Presidenta e escolha um novo nome, devidamente selecionado pela Globo, claro.
A campanha começou logo depois de anunciados os resultados da apuração, em outubro de 2014. A oposição tentou contestar a contagem e impedir a posse da presidenta. A partir daí, uma espécie de plágio da direita venezuelana foi aparecendo. Mas não foram exatamente os partidos de oposição que mobilizaram a praça. A grande mídia assumiu esse papel muito claramente. De modo semelhante ao que já ocorreu em outros países, empresários brasileiros e estrangeiros financiaram grupos de difusão de boatos e de campanhas cada vez mais agressivas. Em outros países, já se sabe, houve a participação de agências do governo americano. O Depto. de Estado declarou mesmo que financiava os “lutadores da liberdade” na Ucrânia. Aqui, isso ainda se revelará, com certeza. Sinais não faltam.
E aconteceu o orgasmo de 15 de março. Aécio teve 51 milhões de votos e alguns desses eleitores jamais se conformaram com o fato de terem chegado tão perto de “varrer o lulopetismo” e suas políticas “neopopulistas”. Depois de meses de “esquenta” midiático, tivemos uma semana de convocação mais forte. No final de semana, intensificou-se a campanha. Domingo, desde as primeiras horas da manhã, a Globo inflava os números para animar os manifestantes, que saiam às praças, avenidas e praias, famílias e até seus cãezinhos. No final do dia a TV dos Marinho anunciava (com a graciosa colaboração da Polícia Militar) que quase dois milhões de pessoas haviam saído às ruas para gritar. Na Avenida Paulista, em S.Paulo, dizia terem se concentrado (ou circulado) um milhão de pessoas. Institutos de pesquisa especializados foram mais prudentes: 210 mil na Paulista, diz o DataFolha.
Não importa. Um milhão ou dois no país – não faz diferença nessa altura. O importante é o primeiro passo para restabelecer a democracia limpa das eleições indiretas. O cenário está menos para Venezuela e mais para Ucrânia. No ato da avenida Paulista, um grupo de manifestantes radicais foi preso com explosivos e armas nas mochilas. Daqui a pouco, novos atos serão convocados e não se descarta que alguns desses ‘independentes” promovam confusão com vítimas. O Congresso se sentiria então mais motivado e justificado para dizer que a Presidenta não consegue manter a ordem e governar o país.
A oposição só não embarcou ainda de corpo e alma nesse script porque não tem certeza do que viria em seguida. Imprevisível. O que decidiria a Globo? Terceirizar sua vitória, repassando-a para o PSDB? Ou caminhar em trilha própria? E o que aconteceria com os milhões que votaram em Dilma? Ou com aqueles que, mesmo não tendo votado nela, não se sentiram representados na campanha do impeachment?
Os partidos de oposição – principalmente o PSDB – teria que resolver um outro problema. Perdeu Minas – seria o caso de impedir também o governador do PT? Em São Paulo, foco da nova direita e celeiro de votos de Aécio, o partido tem um enorme problema pela frente – a imediata crise hídrica e a persistente decadência que as “elites” bandeirantes vem produzindo há vinte ou trinta anos. E, claro, Paraná, o governador que se desmancha. Vários dos processos por corrupção teriam que ser abortados, porque envolvem lideranças oposicionistas. Isso se faria com certa facilidade, graças à colaboração do judiciário e do ministério público. Mas a recuperação do desgaste popular ainda seria incerto.
E os partidos e organizações do lado do governo? Esses estão em uma sinuca de bico também. O governo há 12 anos alimenta fartamente a mídia criminosa que o apedreja. De graça e de bobeira. Essa mídia tem predileção por um poeta maldito: pisa na mão que te afaga, escarra na boca que te beija. E o governo parece gostar. Parece tarde para mudar completamente esse quadro. Se tentar reverter isto, agora, será alvo fácil de uma acusação: a ditadura petista tenta censurar a imprensa. O PT e o PCdoB, a esquerda no governo, faz tempo estão amortecidos e voltados para dentro. O maior deles, o PT, não tem mais núcleos e não tem presença significativa em movimentos sociais – perdeu músculos e isso é algo que não se recupera do dia para a noite. O PT se transformou em um partido de diretórios e de mandatos. Com poucas exceções. Algo de semelhante aconteceu com as organizações sindicais, como a CUT. Há movimentos mais ativos – o MST e o MTST, por exemplo – que batem no governo mas ao mesmo tempo o defendem do avanço direitista. Mas é incerto o que deles restaria em um cenário de virada de mesa. Conseguiriam se manter? Partidos de ultra-esquerda são pequenos nichos e, de fato, recusam-se a defender o governo, em qualquer circunstância. Nesse caso, é mais previsível o que lhes ocorreria numa virada de mesa: também iriam para as catacumbas, com revoadas de militantes.
Numa conjuntura fluida como a atual, a iniciativa dos combatentes pode ser decisiva. Encostar nas cordas e convidar o adversário a bater tem sido a “estratégia” mais usual da esquerda e do governo. Não parece ter sido nem ser a melhor escolha. Mas… como partir para a ofensiva sem correr o risco de levar um knockout por um passo mal dado? A pergunta é decisiva e a resposta tem que ser rápida. Virá?