Por Carlos Alberto Almeida
Este é, realmente, um tema muito instigante para um painel de debates entre trabalhadores, jornalistas sindicais e de movimentos sociais. Estamos vivendo, dolorosamente, a experiência de não haver organizado um sistema mais avançado, democrático e popular de mídia durante o período em que realmente muitas iniciativas poderiam haver sido tomadas. O preço aí está.
Qualquer experiência de governo democrático e popular, por mais limites e imposições que sofra, não deve deixar de considerar a hipótese sempre presente, muito real, de que golpes estão permanentemente sendo tramados. Não há descanso, nem aceitação, nem respeito democrático pelas oligarquias e pelo poder imperial quando governantes como Lula ou Dilma chegam à Presidência.
Recentemente tomamos conhecimento de três autocríticas de dirigentes que sofreram derrotas políticas, reconhecendo não terem adotado medidas que poderiam ter adotado para construir uma mídia própria, ainda que isto não significasse a necessária extirpação do poder destrutivo representado hoje pela Rede Globo, que, afrontando a Constituição, atua ilegalmente como um partido político diuturnamente na organização do golpismo em todos os sentidos.
Lula e a regulamentação
Lula reconheceu, recentemente, que quando presidente assegurou a destinação de volumosas verbas publicitárias para os grandes conglomerados de mídia e, além disso, não atuou para impedir que a Polícia Federal destruísse, ilegalmente, o equivalente a 147 milhões de reais em equipamentos de rádios comunitárias apreendidas e confiscadas ao arrepio da lei. Ele já declarou que numa hipótese volta à presidência irá trabalhar prioritariamente pela regulamentação dos meios de comunicação. Vale registrar que o presidente da Radiobras indicado por Lula ao cargo, o jornalista Eugënio Bucci, utilizou o cargo para defender a extinção da Voz do Brasil, uma experiência bem sucedida de regulamentação informativa que, ainda hoje, informa mais e melhor do que os noticiários de emissoras comerciais todos com linha editorial golpista. Inclusive, com maior dose de pluralidade e diversidade informativa. Bucci estava em sintonia com a campanha da ABERT para impedir que a Voz do Brasil, exemplo de regulamentação informativa, persistisse. Recentemente, Bucci participou de encontro de intelectuais e personalidades conservadoras na Argentina, evento sintonizado com retrocessos conservador em marcha em alguns países da América Latina.
O controle remoto de Dilma
Outra personalidade a fazer uma autocrítica em matéria de mídia foi a Presidenta Dilma Roussef, apeada do cargo sem esboçar um único gesto de resistência ao golpe que se armava com todas as evidências possíveis. Apesar disso, os instrumentos de mídia disponíveis, não foram audaciosamente utilizados para defender a democracia como fez, por exemplo, o ex-governador Leonel Brizola, que montou a Rede da Legalidade, com emissoras espalhadas por todo o país, em articulação com a mobilização cívico e militar que convocara a partir do Rio Grande do Sul, com o que derrotou o golpe que tentara impedir a posse de João Goulart na presidência, em razão da renúncia do presidente Jânio Quadros, O papel revolucionário do rádio, derrotando o golpe, é, até hoje, uma página memorável que precisa ser constantemente estudada e relembrada pelos comunicadores progressistas, como prova do poder transformador da comunicação, quando sintonizada com uma causa popular justa. Registremos que Dilma, lamentavelmente, havia declarado que o único controle social que admitia é o controle remoto, numa prova de que nada faria para democratizar os meios de comunicação.
Todas as propostas a ela apresentadas foram solenemente rejeitadas, inclusive a de editar um jornal popular de massas, com distribuição gratuita, e também digital, apesar dos fartos recursos publicitários que destinou aos magnatas da mídia que os utilizaram na realização do golpe. Propostas para fortalecer as TVs e Rádios Comunitárias foram ignoradas, muito embora não exigissem nem aprovação do Congresso Nacional, onde já não dispunha mais de base parlamentar de apoio. Outra proposta ignorada foi a de destinar parte do horário da Rádio Mec às Centrais Sindicais, tal como o fizera o presidente Getúlio Vargas quando criou a Rádio Mauá, a Emissora dos Trabalhadores, muito embora esta mudança exigisse apenas um convênio e uma portaria ministerial, como tantas que são feitas e atendem pleitos de entidades do campo conservador.
Haddad e TV que não criou
O terceiro dirigente a fazer uma autocrítica foi o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, que atribuiu sua derrota ao fato “do povo não estar informado sobre as boas realizações de sua gestão” à frente da Prefeitura da maior cidade do país. Ou seja, não estava informado porque a política municipal de comunicação não informou, sejamos claros. Assim que eleito, um grupo de jornalistas, entre os quais me encontrava, entregou a Haddad uma proposta para a criação da TV Pública Municipal, tal como lhe garante a lei 12485, que sucedeu a Lei do Cabo. Ou seja, sem necessidade sequer de uma batalha parlamentar no Congresso, Haddad poderia usar a prerrogativa desta lei que garante às prefeituras um canal de televisão por cabo, o que, no caso da capital paulista, significa que a nova emissora municipal já nasceria com um público estimado de 1 milhão de domicílios alcançados, pois é a cidade mais cabeada do país. Se compararmos com a queda vertiginosa das tiragens dos dois jornais locais, a Folha e o Estadão, entre outras razões pela decadência de suas respectivas credibilidades, pode-se afirmar que o prefeito petista teria em mãos uma significativa capacidade de informação de suas boas realizações à frente da prefeitura. Segundo informado extraoficialmente, o prefeito teria recusado a proposta para não indispor-se frontalmente com a oligarquia midiática. Mas, como ele revelou em longa carta publicada pela Revista Piauí, a oligarquia midiática não lhe permitiu governar como tinha legítimo direito, com base na vontade do eleitor paulistano. Veio a derrota, com gosto de golpe, mas também, em razão da falta de iniciativas corajosas e audaciosas do campo progressista para democratizar a comunicação. A conta é amarga, chama-se João Dória……
Agora registremos as experiências legítimas de resistência ante o golpismo, que, como o espírito e a coragem da Rede da Legalidade de Leonel Brizola, assumem a tarefa indeclinável de defender a democracia e as conquistas populares na esfera midiática
O Jornal Cambio da Bolívia
O presidente Evo Morales, da Bolívia, frente ao golpismo midiático que jamais aceitou que um índio seja o primeiro mandatário de um país, convocou os magnatas da mídia e exigiu que provassem as acusações contra ele feitas, inclusive as que o consideram um “narco-presidente”. Como nenhuma prova foi apresentada, como também não houve provas de irregularidades cometidas por Dilma, Evo decidiu criar um jornal público de circulação nacional. Hoje, o jornal Cambio, tem uma tiragem equivalente a do maior jornal da burguesia boliviana e custa quatro vezes menos, para ter efetivo alcance nacional.
Além disso, com a ajuda da Telesur, montou-se lá a TV Pública e, também, uma rede de rádios indígenas, que transmitem em idiomas originários, respeitando a composição étnica do Estado Plurinacional da Bolívia. Evo, hoje, governa um país que é o que mais cresce na América do Sul, que mais nacionalizou os recursos naturais, que erradicou o analfabetismo, com a sempre presente solidariedade de Cuba, e caminha com estabilidade para consultar o povo sobre mais um mandato à frente daquele que foi o país que mais golpes de estado registrou na história regional.
A Comunicação bolivariana na Venezuela derrotando os golpes
Na Venezuela, Maduro dá continuidade à linha definida pela Revolução Bolivariana iniciada por Hugo Chávez e, com repetido apoio popular no voto e nas ruas, expande um sistema público midiático que inclui jornais estatais de massa de distribuição gratuita, apoio à comunicação comunitária, fortalecimento das tvs públicas, criação da TV da PDVSA (estatal petroleira) e também a TV das Forças Armadas, consolidando a unidade cívico militar que tem sido a base de avanço e defesa das conquistas bolivarianas. Entre estas conquistas vale citar a erradicação do analfabetismo, a redução vigorosa da mortalidade infantil, como comprova a Unicef, a construção de 1,8 milhões de moradias populares entregues mobiliadas e equipadas (Venezuela tem população de apenas 30 milhões de habitantes), além de lançar seu terceiro satélite e impulsionar a integração da América Latina, solicitando, ademais, ingresso do país nos BRICS, Com a sistemática e cruel agressão midiática, monetária, econômica que a Venezuela vem sofrendo, somente com uma comunicação democrática, popular e transformadora é possível resistir a tantas adversidades, encorajando o povo a manter a sábia unidade cívico militar construída por Hugo Chávez.
Já que o Brasil sempre viveu sob solavancos golpistas, e quando agora, sob várias formas, surgem sinais de debilitamento do golpe liderado por Temer, embora organizado do exterior, é imperativo que todas as experiências do passado e do presente sejam devidamente comparadas, com humildade e sabedoria, para que, no caso da recuperação do Estado de Direito, saibamos realmente assegurar que não há verdadeira democracia, estável e enraizada, se não construirmos, também, uma democracia midiática que por permita, como povo brasileiro, realizar a mais profunda alfabetização política, tal como outros povos irmãos hoje realizam.
Beto Almeida
Presidente da TV Cidade Livre de Brasília
Conselheiro do Jornal Brasil Popular
Fundador da Telesur