Publicado em 27.11.10
Professores e sujeitos que trabalham com a mídia comunitária na prática encerraram os debates de sábado, 27 de novembro, penúltimo dia do 16º Curso do NPC. Foram apresentadas experiências em rádios comunitárias, jornais, revistas, cartilhas e páginas na internet, mostrando o amplo espaço que é preciso ocupar para a importante disputa de hegemonia tão discutida ao longo desses quatro dias.
A Associação Cantareira, localizada na região de Brasilândia, periferia de São Paulo, é um dos exemplos de investimento na comunicação popular. “Não basta estar no ar, é preciso ser comunitária”. Esse é o mote da Rádio Comunitária Cantareira 87,5 FM, conforme explicou o Padre Cilto Rosembach, um dos responsáveis por essa iniciativa. A emissora foi criada em 1995 mas, assim como muitas comunitárias, dez anos depois a rádio foi fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Foi apenas em julho deste ano que a rádio conquistou sua regulamentação, e em agosto as transmissões foram retomadas. Quem quiser ouvir, pode acessá-la em www.cantareira.org.
Além da rádio, a Associação também criou, em 1996, o jornal Cantareira, e agora estão investindo na nova página, que vai ao ar em dezembro. “A importância da democratização da mídia tão discutida nesse curso já está ocorrendo de fato. Onde vocês estiverem apóiem os jornais, as rádios e emissoras de TV verdadeiramente comunitárias”, concluiu Cilto.
O jornalista Hamilton Octavio de Souza, editor da Caros Amigos e colaborador do jornal Brasil de Fato, atentou para a importância de se construir uma mídia alternativa que de fato esteja ao lado do povo trabalhador, oprimido e excluído pela mídia burguesa, a qual, como lembrou, está afinada com os interesses da classe dominante. “Um exemplo concreto é o que está acontecendo agora no Rio de Janeiro. Se pegarmos jornais, rádios e TVs dos grandes grupos, veremos como estão preparando a população para apoiar a ação policial no Rio de Janeiro, uma verdadeira carnificina”.
Segundo ele, é preciso haver de fato um enfrentamento a essa mídia e ao modelo de sociedade que ela defende: a imprensa alternativa, popular e sindical deve travar uma verdadeira batalha contra-hegemônica: “Não basta termos jornais e emissoras se não tivermos linhas editoriais de fato críticas, que realmente sirvam para elevar o nível de consciência da nossa sociedade e contribuam para a organização dos trabalhadores”. Para Hamilton Octavio de Souza, o risco é a chamada mídia alternativa seguir reproduzindo o modelo de sociedade que já vem sendo pautado pela mídia hegemônica. “A mídia que precisamos construir é a que possui um compromisso sério com a luta pela transformação do país”. Como exemplo concreto, Hamilton Octavio de Souza lembrou a Caros Amigos, nas bancas em novembro, que deu capa a Nalu Faria, da Marcha Mundial de Mulheres, quando a discussão feminista ficou rebaixada nessas eleições.
Comunicação popular: conceitos e práticas
O jornalista Rozinaldo Miani, professor da Universidade Estadual de Londrina, trouxe a discussão sobre a comunicação popular a partir da sua experiência na formação de profissionais. Em uma rápida avaliação identificou que o tema tem sido tratado em duas vertentes: uma voltada a práticas culturais, como, por exemplo, a literatura de cordel, independente do conteúdo político que veicula; e a outra, que é a mais comum, é a dos programas massivos, aqueles que têm grande alcance na população. A perspectiva que defendeu e que veio sendo trabalhada ao longo do curso é a que diz respeito à comunicação efetivamente produzida pelas organizações e movimentos sociais com uma perspectiva contra-hegemônica.
Ao final, Miani lançou uma provocação, lembrando que nas universidades não há muito espaço para que essa discussão apareça, já que o ensino está cada vez mais preocupado com a formação dos alunos para o mercado de trabalho. “A minha questão é a seguinte: quando me apresento como interessado em transformar meus alunos em sujeitos políticos que compreendem a sociedade em que estão inseridos, eles esperam que aquele espaço apenas sirva para a questão profissional”. Para Miani, essa é mais uma das questões a ser enfrentadas.
Quem finalizou o debate foi o rapper Fiell, ex-aluno do curso de comunicação popular promovido pelo NPC a moradores de comunidades deste ano. Coordenador do Visão da Favela Brasil, Fiell enumerou as iniciativas de comunicação na favela Santa Marta, onde mora. Além da rádio comunitária recém-instalada, eles também lançaram a cartilha sobre Abordagem Policial, para esclarecer os moradores sobre seus direitos e conscientizá-los dos abusos cometidos pelas instâncias de poder. “Enquanto toda mídia aplaudia, lá no morro nós sofremos com a entrada das UPPs. Foi por isso que fizemos essa cartilha, para esclarecer sobre os direitos dos moradores frente aos absurdos praticados pelos policiais ditos ‘pacificadores’ por essa mídia mentirosa”, contou.
Em relação às dificuldades financeiras de se criar e manter meios de comunicação, Fiell pediu a colaboração de sindicatos para fazer esses materiais. “Esses são alguns problemas a serem enfrentados. Uso a comunicação para poder chegar aos nossos irmãos favelados, mas precisamos da ajuda de vocês. Hoje nas favelas estão apoiand
o o que está acontecendo em outras favelas, e isso é triste porque mostra o poder da mídia”. No fim, como avaliou, qualquer mídia alternativa deve falar a linguagem do povo. “Nossa preocupação deve ser como nos comunicar com todo aquele povo das favelas escravizado pela carteira de trabalho. A linguagem deve estar de acordo com a nossa realidade, com o nosso dia-a-dia”. Para encerrar, Fiell cantou o rap que abriu o 16º Curso Anual do NPC, mostrando o protagonismo dos trabalhadores, sempre identificados como coadjuvantes ao longo de nossa história. A discussão mostrou que uma comunicação construída pelos e para os próprios trabalhadores é o caminho para que isso comece a mudar.