Por Vito Gianotti, do Núcleo Piratininga de Comunicação, maio de 2004
A imagem despertada pela palavra comunicação sindical é aquela do jornalzinho do sindicato ou de um boletim de greve. Logo em seguida passamos a imaginar os típicos, temas destes clássicos representantes da comunicação dos sindicatos com os trabalhadores: aumento de salário, condições de trabalho, horário, turnos, férias, acidentes e por aí vai. Essa imagem está associada a uma determinada visão de sindicato. Um sindicato que está aí para resolver os problemas concretos dos trabalhadores. Os problemas imediatos, do dia a dia.
A comunicação no sindicalismo Varguista
No Brasil temos uma tradição própria de sindicalismo oficial, o sindicalismo ministerialista, como era chamado logo que Getúlio Vargas o criou, na década de 30. O típico sindicalismo pelego. Sindicalismo de colaboração de classes que deveria varrer a herança de trinta anos de sindicalismo anarquista baseado no princípio do confronto de classe contra classe.
O novo sindicalismo, que Vargas queria, deveria se afastar da luta política, do confronto de classe. Ao contrário deveria zelar pela paz social. Este sindicalismo deixaria de ser livre, dependendo unicamente da vontade e decisões dos trabalhadores e passaria a ser controlado pelo governo e pela burguesia que ele representava. Neste sindicato não haveria espaço para a defesa dos interesses mais globais. da classe trabalhadora. Haveria, quando muito, um papel de fiscalizador do cumprimento das leis, num ritual frio de recorrer à Justiça do Trabalho e de periódicas renovações de acordos coletivos.
Neste quadro, qual será o espaço da imprensa, da comunicação destes sindicatos com os trabalhadores? Não há espaço. Ou melhor, não há necessidade. Basta um boletim a cada seis meses, ou a cada ano. As únicas coisas a comunicar são: o andamento da colônia de férias, os novos serviços médicos que o sindicato oferece e o índice de reajuste que o governo se digna conceder na época certa. Mas tem mais assuntos que estes sindicatos varguistas podem tratar como, por exemplo, a coroação da rainha da categoria ou a premiação da mãe do ano. E podem chegar até a falar de algum cursinho de leis trabalhistas ou da visita do ministro do Trabalho à sede do sindicato.
Esse é o modelo dos sindicatos pelegos que brotou desde a década de 30.
Hoje, dos cerca de vinte mil sindicatos existentes no país, a imensa maioria ainda está neste estágio. Ou não tem nenhum tipo de boletim para os trabalhadores ou possuem um informativo qualquer que bem poderia ser produzido na década de 30 ou 40. É o vazio absoluto. Nele há governo, não há sistema, não há classe patronal. Quanto menos há realidades como o neoliberalismo ou sem produto-rei: o desemprego.
Evidentemente, neste tipo de sindicalismo não há disputa de nada, quanto menos de hegemonia com a classe dominante.
Sete centrais sindicais: qual comunicação?
Existem hoje, no Brasil, sete centrais sindicais. Destas, só a CUT é de oposição ao governo e a classe patronal que ele representa. Por sua definição a favor de uma sociedade socialista, a CUT se coloca conseqüentemente em contraposição ao projeto neoliberal deste governo e dos interesses que ele representa, sejam eles dos banqueiros, industriais, fazendeiros, atacadistas, nacionais ou estrangeiros.
Neste quadro deixaremos de analisar as seis centrais que não estão preocupadas em fazer uma disputa de classes, como é o caso típico da segunda central brasileira: a Força Sindical. Esta foi pensada, gestada, amamentada e criada totalmente pelos patrões e pelo governo.
É a legítima Central deles, uma real força patronal; muito eficiente e conseqüente no seu papel de ser o instrumento da burguesia no meio sindical. Sua imprensa, sua comunicação, naturalmente, cumprirá este papel. Nela não há oposição e sim louvação às medidas que o governo neoliberal de FHC vem tomando. É a defesa, desde a época do Collor, do que ela chama de “reformas modernizadoras”. Defesa da redução do chamado “Custo Brasil”, com suas conseqüências práticas de flexibilização de todos os direitos e milhões de desempregados.
Disso vem o apoio e, mais ainda, a apresentação de propostas concretas como o contrato temporário e a demissão temporária, que nada mais são do que a retirada de direitos.
Para resumir, neste tipo de sindicalismo não há comunicação para disputa de hegemonia. Ou melhor, ela faz sim a disputa da hegemonia. Só que do lado contrário. É a disputa contra os interesses dos trabalhadores. Daí vem o jornalzinho do 1º de Maio de 98 e 99, com páginas inteiras recheadas de carros zero quilômetro, motos, liqüidificadores, batedeiras, geladeiras e outros eletrodomésticos para o grande sorteio do Dia do Trabalhador. Sindicato que vira bingo e tenta com isso fazer esquecer a luta da classe.
Os antecedentes da atual comunicação sindical da CUT
Como falamos de comunicação para a disputa de hegemonia, falaremos da comunicação dos sindicatos da CUT, Central que têm seus estatutos o objetivo de lutar pelo fim da exploração do homem pelo homem.
Os antecedentes do sindicalismo classista, no Brasil, devem ser procurados no sindicalismo anarquista do fim do século XIX e começo deste século.
Durante uns cinqüenta anos a principal influência entre os primeiros trabalhadores imigrantes no Brasil, era o anarquismo. Italianos, espanhóis e portugueses aqui chegavam aos milhões, vindos de terras onde o ideal anarquista predominava sobre a influência socialista. O sul da Europa, palco das pregações e ações do próprio Bakunin e seus seguidores, enviava suas idéias para as novas terras americanas.
O anarquismo sempre deu uma enorme importância e formação político-ideológica e a divulgação das suas idéias entre as massas. De 1875, quando começaram a aparecer as primeiras fabriquetas, até 1920, época de ouro do anarquismo no Brasil, foram publicados, no nosso país, 343 jornaizinhos diferentes. Seus nomes são bas
tantes reveladores. “O Operário” ( Recife, 1879), “O Socialista” (Salvador, 1890), “Primo Maggio” ( São Paulo, 1892), “A Luta” ( Porto Alegre, 1894), “A Greve” (Rio de Janeiro, 1903), “O Demolidor (Fortaleza, 1908), “O Proletário (Juiz de Fora, 1920).
O conteúdo destes jornais/jornaizinhos/boletins era duplo. Por um lado denunciava as injustiças concretas, apresentava as reivindicações imediatas de uma seção, ou de uma fábrica ou grupos de fábricas.
Mas além desses aspectos concretos, imediatos, há toda a visão anarquista que é comunicada nestes jornais. O jornal “A Voz do Trabalhador”, porta voz da primeira Central sindical brasileira, desde 1908, quando começou a ser publicado quinzenalmente, trazia em suas páginas todos os temas centrais do anarquismo: visão anticapitalista, antimilitarista, anticlerical. A necessidade da luta direta sem intermediários, a necessidade da revolução social. Podemos dizer que todos os temas da luta socialista e anarquista eram tratados nesses jornais operários do começo do século.
A partir de 1922, com a fundação do Partido Comunista, o anarquismo perderá fôlego e com ele entrará em declínio aquele tipo de comunicação sindical.
O período de ascenso do Partido Comunista
Na década de 20, gradativamente os comunistas passam a ocupar espaço nos sindicatos. Seguindo o clima revolucionário da época, sob forte influência da vitoriosa Revolução Russa, o PC dará maior importância a imprensa partidária do que o propriamente sindical. A imprensa comunista passa a tratar os temas políticos que a época exigia. Ou seja era uma comunicação que apontava, o tempo todo, as condições presentes, mas se preocupava muito com a perspectiva futura: o socialismo.
Vem a época Vargas, o Estado Novo, a Segunda Guerra e o fim dela. A poucos dias antes da rendição nazista, em 18 de abril, Vargas decreta a anistia aos presos políticos e o PC passa a agir abertamente. Menos de um ano depois os comunistas já tinham oito jornais diários publicados no país. Óbvio, se eram jornais, seriam diários. Parece óbvio não é bem assim. É comum você perguntar se tal sindicato ou tal partido tem jornal, e receber resposta afirmativa. “Sim, temos jornal que sai todo mês”. Para os comunistas, em 46, jornal era jornal. Para fazer disputa da hegemonia eles sabiam que um jornal diário era essencial. É por isso que, sem xerox, sem computador, e nem internet, eles teimavam em publicar seus oito diários. Diariamente.
No Rio de Janeiro, o jornal comunista “Tribuna Popular”, tinha uma tiragem diária de 20 mil exemplares. Exatamente igual a do jornal “Correio da Manhã”, da mesma cidade.
Até 64 os sindicatos, hegemonizados pelo PC, continuaram a dar maior importância a imprensa partidária do que à sindical.
Após o golpe de 64 a imprensa operária entrou em profundo recesso. A imprensa partidária foi toda silenciada na noite do golpe. A sindical se recolheu, silenciada pelos golpes das intervenções militares.
Quase todos os sindicatos, decapitados de suas lideranças, se limitavam a fazer seus jornaizinhos bem comportados. O peleguismo e o medo imperavam absolutos.
Quem desempenhou um papel de confronto com a ditadura e com as classes que ela representava foi a que ficou conhecida como “imprensa alternativa”. Alternativa ao silêncio imposto pelos militares e ponto de referência para quem queria construir uma alternativa política, num espectro que ia da democracia ao socialismo.
Semanários como “O Pasquim”, “Opinião”, “Movimento”, “Ex”, “Coojornal”, “Versus”, “Em Tempo” e tantos outros passavam a ser o único alimento político permitido ou tolerado pelos militares.
Enquanto isso a imprensa de quase todos os sindicatos falava de bailes de debutantes, coroação de rainhas, pescarias, futebol e uma lei ou outra. Só alguns sindicatos, com direções combativas, de esquerda, teimavam em ter seus jornaizinhos com um conteúdo político contestatório. Mas esses sindicatos não passavam de algumas dezenas.
Trinta milhões de jornais/boletins
Hoje a imprensa sindical cresceu muito. Em 1994, nos meios da CUT, havia um número aproximado, mas aceito globalmente, que reflete esse crescimento numérico da comunicação dos sindicatos ligados a essa Central. Eram sete milhões de boletins/ou jornais por semana. Um total de trinta milhões por mês. Neste número estavam desde os cento e vinte mil jornais diários dos metalúrgicos de São Bernardo até os três ou quatro mil boletins/jornais publicados semanalmente em centenas de sindicatos. Não se incluíam nesta estatística, publicações quizenais, mensais ou vezenquandárias.
É um volume enorme, se considerarmos que nesta data a “Gazeta de Sergipe”, maior jornal daquele Estado, tinha uma tiragem estimada em dois mil exemplares/dia.
Ou seja, os sindicatos da Central que quer fazer a disputa da hegemonia com a outra classe, tinham e têm um grande poder de fogo.
E essas armas clássicas, jornal e boletins, não são as únicas que o exército da CUT possue. Há uma enorme variedade de outros instrumentos que juntos, compõe uma mosaico completo. São cartilhas, livretos, folders, bonés, camisetas, faixas, bandeiras. A isso acrescentem-se centenas de carros de som, rádios comunitárias e horários comprados em rádios comerciais. Sem contar a língua de milhões de dirigentes sindicais, liberados a tempo integral, para difundir sua política.
Além disso inúmeros instrumentos que servem ativamente para comunicar uma política e que muitos sindicatos usam, conforme sua criatividade: de uma simples xerox de uma notícia de jornal a uma pequena peça de teatro na porta de uma fábrica ou de um banco.
Não entramos aqui na facilidade, muito pouco aproveitada, da comunicação imediata e riquíssima via internet, ou a ocupação de espaço na TV Comunitária.
Não dá, frente a esse quadro, para continuar com a atitude do derrotado, que acha que é inútil disputar, pois o out
ro lado é todo poderoso e nosso lado não tem nada. “Eles têm tudo e nós nada”. Aí a disputa da hegemonia já se foi. Não há como fazê-la.
O primeiro passo para vencer qualquer disputa é acreditar que vai ser uma disputa. É possível ganhar. Depois disso é analisar atentamente as condições necessárias para vencer a batalha.
Comunicação para disputar a hegemonia
Antes de tudo é preciso uma constatação incômoda e provocante. Onde estão os jornais de esquerda do Brasil? Há, em geral, respostas patéticas. Cada militante de esquerda aponta a publicação de seu partido e mostra: “tá aqui”! Boa essa. Um jornal que sai cada semana ou quinze dias ou as vezes cada dois ou três meses… se deus quiser. E suas tiragens são irrisórias, frente a um país continental de 170 milhões de habitantes.
Jornal-jornal, aquele diário, cadê? A verdade é trágica: o jornal de toda a esquerda é nada menos que a “Folha de São Paulo”. De Manaus a Porto Alegre, todos os militantes de esquerda, sindicalistas ou não, vão procurar se informar neste jornal neoliberal de São Paulo. É esta “Folha” que defende o projeto total de FHC, com suas reformas neoliberais, que vai servir como única informação diária para toda a esquerda.
Essa é uma tragédia. Desde 1980 houve todo um ascenso de lutas: greves, ocupações, disputas eleitorias locais, administrações de esquerda, quase chegamos lá, à Presidência. Nasceu a Central Única dos Trabalhadores, centenas de deputados, vários governadores e senadores. E jornal? Continua a “Folha de São Paulo”: o jornal de fina flor do neoliberalismo globalizado.
Como fazer a disputa da hegemonia com os inimigos de classe? Sem jornal, sem rádio, sem televisão. Fica difícil.
Seria impossível, se não houvesse alguma alternativa. Nestas duas últimas décadas a imprensa sindical tem tido o desafio de cobrir as faltas da imprensa/comunicação político-partidária inexistente. É um desafio enorme, compreendido por uns e desconhecido por muitos sindicatos.
Há várias condições para que a imprensa sindical passe a responder ao desafio de fazer a disputa de hegemonia à qual nos referimos.
1. Antes de tudo é preciso que os responsáveis, nos vários sindicatos, tenham clareza desta disputa. Mesmo sem substituir o papel dos vários partidos de esquerda, cada sindicato pode apontar, em cada ação, cada jornal ou boletim uma perspectiva de confronto global de classe.
Para isto é preciso que a pauta dos boletins, jornais ou programas de rádio saia do umbigo. Ou melhor que saiba combinar os interesses imediatos dos trabalhadores com seus interesses históricos.
Combinar a negociação imposta pela empresa, sobre o horário, com a denúncia da flexibilização dos direitos. Ligar cada demissão com o combate a todo esse modelo econômico que gera milhões de desempregados. Denúncia desse modelo a ser derrubado nas ruas, nas praças, nas greves, e nas próximas eleições.
Ou seja, não se restringir a uma pauta corporativa, limitada. Para isso é só lembrar os estatutos de Central Única dos Trabalhadores que repetem duas vezes a necessidade da Central “lutar pelos interesses imediatos e históricos dos trabalhadores”.
2. Em segundo lugar é necessário ter uma preocupação obsessiva com a linguagem. Em geral a linguagem usada em boletins/jornais sindicais é uma linguagem incompreensível para o público ao qual se destina.
Tanto quanto o juridiquês, economês, psicologuês, informatiquês, há outra praga típica do meio sindical. É o sindicalês, primo legítimo do esquerdês e do politiquês.
O sindicalês é uma síntese entre todas as linguagens específicas com as quais o sindicalista entre em contato. O sindicalista, por necessidade de ofício, se relaciona com advogados, economistas, e com uma variedade grande de intelectuais: do psicólogo ao sociólogo. Nada de errado nisso. Só que sua linguagem acaba incorporando centenas de palavras próprias de todos estes contatos. A essas influências acrescentem-se umas naturais do meio sindical: o politiquês, da vivência política e mais especificamente o esquerdês dos meios de esquerda que freqüenta.
O resultado é que a linguagem do dirigente sindical muda.
Não haveria nada demais, se a linguagem do público-alvo da sua comunicação também tivesse mudado. Mas isso não ocorre.
Com isso temos a maioria dos boletins/jornais sindicais que são escritos numa linguagem absolutamente estranha para seus leitores. O mesmo vale para o discurso, feito num programa de rádio, num palanque ou num carro de som.
E aí fica impossível fazer a disputa da hegemonia. Não porque não haja idéias claras. Não porque não haja vontade, mas simplesmente porque a linguagem usada para se comunicar é inteligível para quem a escuta ou lê.
3. A terceira condição para que a disputa de hegemonia, através de nossa comunicação seja eficaz é que esta seja atrativa, diríamos comunicativa.
Se um boletim/jornal ou programa de rádio for de péssima qualidade, este será rejeitado automaticamente.
Não importa o conteúdo e nem a linguagem. Se a cara de um boletim / jornal for feia este será jogado ao chão automaticamente.
Este é todo um item que mereceria um tratamento a parte. Impossível falar dele em poucas linhas. Só vamos dar uma olhada numa das tantas inovações às quais a burguesia recorreu.
Todos os jornais do país , de três anos pra cá seguiram as pegadas da “Folha de São Paulo” e se modernizaram. A introdução mais visível é a mudança da cor total em todas páginas. Mas esta é apenas uma das mudanças. Há toda uma série de transformações que precisam ser analisadas e introduzidas na imprensa sindical. Sem isso ficaremos a ver navios. Não há opção. É como dar para alguém uma televisão em branco e preto. Seria algo ridículo. Impensável, hoje. Ou a comunicação sindical muda sua cara ou será uma velha TV, em preto e branco, que a vovó tinha no seu quartinho.
A comunicação sindical é uma arma poderosa para a batalha da hegemonia. Mas para isso há várias condições:
1. Que queira se fazer essa batalha
2. Que a pauta de nossa comunicação seja ampla: do micro ao macro
3. Que se usem todos os mil instrumentos possíveis para fazer esta disputa.
4. Que a linguagem desta disputa seja compreensível para quem queremos atingir.
5. Que a cara da nossa comunicação seja atrativa, agradável.
6. Sobre tudo, após tudo isso, que se faça essa disputa. Todo dia, até a vitória!