A Justiça Global, organização não-governamental de direitos humanos, expressa sua mais veemente condenação aos atos de violência que tiveram lugar no estado de São Paulo nos últimos dias, e também à resposta das autoridades estaduais a esses atos.

Entendemos e nos solidarizamos com a dor dos familiares dos agentes públicos e de todas as vítimas dos ataques do PCC e com a fragilidade experimentada por cidadãos que se viram expostos a  ônibus em chamas, explosões, ameaças, falhas em serviços públicos e a exploração sensacionalista  de alguns órgãos de imprensa.

No entanto, diante de muitas reações despropositadas, precipitadas e irresponsáveis, por parte de autoridades públicas, órgãos de imprensa e “especialistas em segurança pública” que apontam para políticas ainda mais repressivas e violentas, entendemos necessário um posicionamento público que redirecione o debate para soluções de longo prazo, dentro da lei, e que tenham como norte o respeito aos direitos humanos.

Os ataques ocorridos em São Paulo representam uma confluência entre a incompetência das autoridades do estado, do poder judiciário e da própria polícia, conjugada com a ação de um grupo criminoso organizado, que há muitos anos vem se articulando e se fortalecendo dentro e fora dos presídios.

Apesar da tentativa de autoridades de São Paulo em desviar o cerne da questão, atribuindo as causas desses ataques à fragilidade da legislação penal ou a boatos e até a Internet pelo medo generalizado, o que não se pode compreender ou aceitar é o fato de o governo deste Estado saber do plano para tais ataques com 20 dias de antecedência e, mesmo assim, não avisarem a polícia, não tomarem medidas de precaução ou prevenção para os ataques. Por quê? Se sabiam das ameaças de ataques vindouros contra a polícia e de rebeliões em série, por que o estado de São Paulo não tomou providências?

As autoridades de São Paulo foram incompetentes, ineficientes e, pior, negligentes. Para além da violência inaceitável do PCC, a omissão resultou em mais de cem mortes. E como resposta para a opinião pública, a polícia mais uma vez abre mão da investigação dos ataques criminosos e parte para a matança, com um forte componente de vingança pelas mortes de seus colegas.

A resposta que todos vimos, e testemunhamos, foi tardia (mesmo a transferência estabanada de membros do PCC na quinta-feira), desorganizada e retórica. No auge da crise, no domingo 14/05, para espanto de qualquer pessoa lúcida, o governador Cláudio Lembo chegou a declarar: “a situação está totalmente sob controle”.

Os ataques em São Paulo foram extremamente violentos, disso não há dúvidas. No entanto, a utilização do termo terrorismo é oportunista. Em primeiro lugar porque não existe uma definição internacionalmente aceita sobre o que é “terrorismo”; em segundo lugar porque este é um termo que traz consigo uma conotação pejorativa e de reações violentas, que buscam legitimar ações cada vez mais “duras”, cerceando e restringindo direitos constitucionais.

Este é exatamente o comportamento que não podemos apoiar, a reação sem controle da polícia, causando ainda mais mortes e medo na população. A sociedade não se sentirá mais segura com a polícia matando 38 pessoas num mesmo dia, como fez ontem.

Apesar do difícil momento que atravessa a sociedade brasileira, a Justiça Global chama a atenção das autoridades estaduais e federais sobre a necessidade de respostas à altura do problema, que não são em absoluto a caça desenfreada de “bandidos” a e execução sumária de mais pessoas.

Não nos iludamos que esses conflitos serão resolvidos sem que haja uma mudança estrutural, que priorize a geração de emprego e o desenvolvimento de políticas sociais que apontem perspectivas reais para a juventude e para os trabalhadores. Essas mudanças devem estar associadas a uma outra concepção de política de segurança pública, baseada em investimentos urgentes e contínuos em inteligência policial; em investigações sérias e coordenadas entre as polícias, o ministério público e o poder judiciário; em medidas concretas para por fim à corrupção que atinge os poderes públicos.

Exigimos do Estado um comportamento diferente da violência cruel do PCC.  O Estado não deve e não pode ter a mesma postura criminosa e violenta, e atuar movido pelo sentimento de vingança, com dois pesos e duas medidas. Muito pelo contrário, o Estado tem a obrigação de agir com total respeito às leis, aos cidadãos e às instituições democráticas.

Justiça Global
Rio de Janeiro, 17 de maio de 2006.