As manifestações de 2013 são controversas para a esquerda brasileira. Alguns grupos alegam que elas foram uma das responsáveis pelo golpe de 2016, outros, que se tratava de atos auto-organizados do povo. O que ninguém discorda é que a partir de 2013 a juventude favelada se encontrou nas ruas e viu ali uma oportunidade para se organizar.
Este é o caso do Conexões Periféricas, coletivo de jovens de Rio das Pedras, favela da capital carioca. Douglas Heliodoro, 35, um dos integrantes do grupo, relembra que foram nas ruas do Rio de Janeiro em 2013 que conheceu pessoas que no futuro construíram o coletivo com ele.
“Eu me encontrei com alguns jovens de Rio das Pedras, que também estavam sozinhos nas manifestações, e conversamos sobre a necessidade de fazer algo na nossa comunidade”, conta Douglas, acrescentando em seguida: “Criei um grupo no Facebook chamado Ativismo em Rio das Pedras e os adicionei. Naquele espaço discutimos e divulgamos atividades e formações políticas durante um tempo. Fomos amadurecendo politicamente e em 2018 fizemos nosso primeiro projeto como coletivo”.
Além de Douglas, integram o grupo mais nove jovens de Rio das Pedras. Para essa matéria, conversamos também com Fernando Barros, 32, e Jéssica Gomes, 24, para conhecer um pouco mais sobre o coletivo e saber quais foram as motivações pessoais que fizeram cada um criar o Conexões Periféricas.
“O Conexões é um porto seguro”
Atualmente, Douglas é responsável pelas lives virtuais iniciadas durante a pandemia no Facebook do coletivo. Sua participação desde o início, em 2018, foi também fundamental para a articulação com a escola em que realizaram oficinas de arte e cultura e com o espaço da ONG Semeando Amor. Além disso, o coletivo criou o Projetação, cineclubes com bate papos sobre o que foi assistido no final da sessão:
“Neste período, alguns moradores montaram uma comissão paralela à associação para lutar contra as remoções promovidas por um projeto do ex-prefeito [Marcelo] Crivella [Republicanos]. Diante disso, aproveitamos o tema para exibir “Estado de Exceção” [documentário de 2017 do diretor Jason O’Hara], e participaram do bate papo Jane Nascimento, da Vila Autódromo e o próprio diretor do filme”’.
Para ele, o Conexões é a oportunidade de fomentar debates políticos entre os jovens de Rio das Pedras, e garantir a formação política que ele, quando mais novo, precisou buscar fora de lá. Além disso, propor “um novo horizonte de participação política para estimular esses jovens a criar seus próprios espaços de luta”.
O irmão de uma amiga de Douglas também estava nas ruas em 2013, incomodado com o rumo do país e com vontade de fazer mais pela sua comunidade. Este é Fernando, filho de pais nordestinos que vieram para o Rio de Janeiro em busca de novas oportunidades, e aprendeu desde cedo que ajudar o próximo é um ato importante independente da realidade que vive.
Ao reencontrar Douglas, reconheceu nele as mesmas angústias. As conversas sobre política os fizeram parceiros na ideia de criar o Conexões Periféricas, e apaixonado pela arte desde novo, Fernando foi um dos responsáveis em formular as primeiras oficinas de arte e cultura para jovens e crianças.
Fernando explica apaixonado: “No Conexões sempre deixo as mais absurdas perguntas, os porquês e as certezas de que tudo é possível de ser construído quando nos encontramos com nossos iguais”.
Alguns meses antes de colocar em prática a ideia, Fernando conheceu Jéssica e contou sobre o que pretendia com outros jovens de Rio das Pedras, a nova amiga se empolgou e quis fazer parte. Participou das primeiras reuniões e elaborou, junto com outra jovem, oficinas de teatros para crianças.
“O Conexões é um porto seguro. As trocas diárias de ideias e ações são até hoje fundamentais não apenas para os jovens que participam das oficinas e atividades que promovemos, mas principalmente para mim”.
Outros integrantes do coletivo são Gabriela Rocha, Cássia Moura, Rafael Brito, Cássio Vinícius, Jean Dantas, Taís Sales e Paula Barbosa.
Lives e cineclubes virtuais na Pandemia
Com a chegada da Covid-19 no Brasil, o coletivo foi obrigado a parar as atividades presenciais e se reinventar, segundo Douglas: “A comunicação virtual, que não era o nosso foco, se tornou ferramenta principal na nossa atuação. Desde o início da pandemia organizamos lives e promovemos rodas de conversa sobre diferentes assuntos”.
Os primeiros temas abordavam o que estava em torno do coronavírus. Não apenas para explicar como se prevenir, mas também conteúdos voltados à realidade dos moradores de favela. “Nós convidamos profissionais para conversar sobre direito à moradia, à saúde, e à alimentação”. Os cineclubes também voltaram. Agora, filmes de curtas metragens, as exibições e os bate papos são realizados no formato online.
Em 2021, as lives continuam e em parceria com o NPC, sendo o sindicalismo a temática central. “Queremos aproximar os trabalhadores da favela com os sindicatos e sua história, e também vamos trazer para conversar representantes de categorias, como por exemplo os trabalhadores de entrega de aplicativo, que têm sido fundamentais na pandemia”.
Os debates acontecem às quartas-feiras na página do Facebook Conexões Periféricas. Acompanhe!