Por Tatiana Lima
É urgente a necessidade de analisar a formação e o conteúdo social das ideias às quais a classe trabalhadora tem acesso diariamente em diferentes produtos de mídia, seja a partir da leitura de jornais, por novelas e filmes de Hollywood ou até o olhar atribuído à educação brasileira nas escolas. Essa foi a reflexão central do debate realizado em 6 de novembro, na segunda mesa do 20º Curso Anual do NPC, cujo tema foi “A Construção Social das Ideias”, que contou com a presença do jornalista José Arbex, do professor da UniRio Rodrigo Castelo e do economista e professor da PUC-SP Ladislau Dowbor.
Política de ocultamento
José Arbex Jr. alertou sobre a extrema competência da chamada grande mídia brasileira, particularmente O Globo, de construir um discurso social que encobre, omite e naturaliza o extermínio da população negra e pobre das periferias das grandes cidades brasileiras. “É uma política do Estado brasileiro orientada por parte dos grandes estrategistas do imperialismo. As UPPs são experiências da repressão. O Caveirão e os instrutores da polícia são instruídos em Israel, com experiência adquirida na repressão aos palestinos”, disse.
E completou: “Quando houve a ocupação do Complexo do Alemão aqui no Rio, o Faustão, no domingo seguinte, teve um diálogo com o coronel [Rodrigo Pimentel], consultor da Rede Globo sobre esses assuntos. Ele parabenizou o coronel, porque o Estado brasileiro estava recuperando o controle do território, e disse ter estranhado que não houve um grande derramamento de sangue. Achei que essa declaração causaria espanto, mas foi aceita e até aplaudida por grande parte da população”.
Para Arbex, isso mostra como o Estado enxerga a população que mora no morro como estrangeiros. “É como se houvesse ‘eles’ e os ‘outros’, que não merecem viver e ter direitos e cidadania garantidos”. A cobertura da guerra ao terrorismo, para ele, é vista como espetáculo, a partir do momento em que as pessoas não são vistas como vítimas pela opinião pública. “É uma política de ocultamento praticada desde a colonização”. Leia mais sobre a intervenção de José Arbex Jr.
Jornalismo como prática de luta e formação
O professor Rodrigo Castelo, da UniRio, analisou a relação entre o jornalismo e a academia como fundamental para se entender a construção social do discurso e citou a trajetória de Karl Marx na função de jornalista como essencial no despertar e na formação de consciência de classe do filósofo alemão. Para ele, a experiência histórica e de análise de Marx como jornalista demonstra o papel central que a qualidade do conteúdo e acesso de informação tem no dia a dia da construção das ideias. Por isso, é tão essencial uma mídia dos trabalhadores que pense no papel do jornalista na sociedade e na produção de um jornalismo que reivindique a luta.
“A mídia, em especial, a produção jornalística é uma peça fundamental da classe trabalhadora desde seu nascimento. Lênin já clamava pela urgência e necessidade imperiosa de termos um jornal que purificasse as ideias da militância e dos trabalhadores. Não foi uma mera coincidência o jornalismo representar uma grande importância na produção teórica, filosófica de Karl Marx na perspectiva de construção das ideias revolucionárias”, enfatizou.
Segundo Castelo, podemos perceber essa importância do jornalismo na construção social das ideias no mundo, analisando as mudanças e a tomada de consciência de Marx, ao longo dos seus textos, durante o exílio nos EUA. Ele explicou que o período de exílio foi a época de maior produção textual de Marx como jornalista e colunista. Tornou Marx conhecido no mundo e trouxe o despertar de uma visão menos eurocêntrica de mundo ao estudar a história e a cultura de outros povos.
Mesmo com tantos aspectos positivos, o professor ressaltou que Marx manteve uma relação conflituosa com o jornalismo. “Ele dizia que o trabalho como jornalista retirava a atenção dele dos estudos, da crítica que deveria ser feita. Ele chegava a dizer que fazer jornalismo era sujar o papel. E vamos lembrar que Marx, como jornalista, era um trabalhador precarizado, vivendo em situação de grande dificuldade financeira”, conta Rodrigo Castelo.
Construção das ideias: um bem imaterial
Ladislau Dowbor, economista, defendeu a educação e a formação como campo de transformação social de mundo e de lugar da classe trabalhadora. “Se eu passo o meu relógio pra você eu fico sem esse objeto, mas se eu adquiro conhecimento ou passo o meu conhecimento pra você, eu continuo com ele. A construção das ideias e a informação são bens imateriais”.
A partir de exemplos simples, o professor da PUC-SP defendeu que a economia deve ser uma dimensão de mundo compreendida por toda a população, e não apenas por uma área de economistas. “É essencial compreender a dinâmica financeira para você conseguir entender seu lugar de classe e se reconhecer como classe. O que é o dinheiro, um banco e até dinâmicas financeiras são temas que deveriam ser ensinados na escola, mas não são. Afinal, quem aqui sabe de fato o que é o dinheiro?”, provocou Ladislau Dowbor.
E concluiu: “Só sabe de fato quem é dinheiro, exceto pouquíssimas exceções, quem fez uma faculdade em economia, mas o problema é que o dinheiro transita, é moeda de troca na vida de todos, independente da formação. A população deveria ter o conhecimento de como funcionam os bancos, porque eles são os responsáveis por ‘chupar’ a metade da força de trabalho, o que impede que a demanda social real seja estimulada pela economia”.
Ladislau Dowbor também provocou a plateia. Para ele, no cotidiano, mesmo os mais atuantes ativistas de esquerda não param para pensar sobre sua formação. Afinal, disse ele, “até que ponto nós estamos fazendo um investimento necessário em nós mesmos? Quantos de nós estudamos para compreender a dinâmica do capitalismo no mundo?”, perguntou.
Segundo Dowbor, a população está entregue ao silenciamento do conhecimento e informação porque o jornalismo científico desapareceu do mapa. Por isso, a tarefa do jornalismo dos trabalhadores e da esquerda é ainda mais árdua, pois atualmente “nossa tarefa é gerar uma sociedade informada. Qual é a dimensão do desafio da reforma tributária, por exemplo? Eu sei que é difícil escrever e entender isso, mas é por aí que eles puxam e travam o poder real de transformação social”, destacou.
“Nada substitui a imprensa dos trabalhadores”
A jornalista Claudia Santiago, mediadora da mesa, também ressaltou que professores e jornalistas devem ser parceiros no dia a dia no processo de construção social das ideias. A coordenadora do NPC enfatizou a corrida contra o tempo que os jornalistas sindicais enfrentam no dia a dia para fechar matérias, o que subtrai no cotidiano o tempo de formação e do estudo desses profissionais. “Por isso, a parceria entre pesquisadores e jornalistas é fundamental para se levar uma informação de qualidade à população”. Ela concluiu refletindo que, ao mesmo tempo que o jornalista sindical precisa estudar muito, “temos que ter nossa Comunicação, nossos veículos de imprensa, porque nada substitui uma imprensa dos trabalhadores”.