Publicado em 25.10.10

A mesa “Comunicação e valores culturais: África, América Latina e Brasil”, realizada na tarde desta quinta-feira (26/11), durante o 16º Curso Anual de Comunicação do NPC, reuniu a historiadora Adelaide Gonçalves, a psicóloga Roseli Goffman e o filósofo, poeta e membro do MST, Ademar Bogo.

Roseli Goffman, do Conselho Federal de Psicologia, falou sobre a atuação do Conselho na área da comunicação, principalmente no que diz respeito à mobilização pelo controle social na área. “A mídia é um dos grandes componentes que influencia a formação de subjetividade. A carga de informação que recebemos diariamente é intensa, sendo a televisão um objeto chave neste processo”.  Ela ressaltou que o controle social da comunicação começa também na subjetividade, quando a pessoa começa a querer perceber o seu olhar no que está sendo veiculado e se interessa em participar deste debate.  Roseli frisou a necessidade de se construir um marco regulatório e advertiu: “O crime é criminalizar o marco regulatório”.

A psicóloga afirmou que a cultura do consumismo e do “shopping center” é a que prevalece hoje e é disseminada pelos meios de comunicação. “Os meios de comunicação de massa omitem assuntos que interessam à transformação da sociedade”, disse, reforçando que não é possível mudar os valores culturais de quem assiste televisão desde a infância sem que haja participação nas instâncias de controle social. “A propriedade privada já é defendida demais no nosso país. Temos que defender so seres humanos“, disse.

Para Roseli, a maior potência do ser humano é ser diverso para criar, inventar e ter olhares diferentes sobre a sociedade. “É preciso aceitar as diferenças e fazer dessas diferenças potências”, disse. Ela lembrou, ainda, que o hibridismo cultural está nas nossas vidas todos os dias e muitas vezes a gente não repara. Ela ressaltou que a arte brasileira deve muito aos índios e aos negros e afirmou que, por mais violência que sofra uma cultura, ela não cessa.

Somos todos Severinos

O filósofo Ademar Bogo, do MST, começou sua fala declamando a poesia Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, segundo ele, hino da poesia que traz uma marca de cultura inversa àquela transmitida pelos meios de comunicação de massa, que é a cultura do capital. “A cultura e a comunicação não estão separadas e fazem parte desta produção histórica que somos  nós”, disse.

“— O meu nome é Severino,  
como não tenho outro de pia. 
Como há muitos Severinos, 
que é santo de romaria,  
deram então de me chamar 
Severino de Maria 
como há muitos Severinos 
com mães chamadas Maria, 
fiquei sendo o da Maria 
do finado Zacarias.  
  
Mais isso ainda diz pouco:  
há muitos na freguesia,  
por causa de um coronel  
que se chamou Zacarias  
e que foi o mais antigo  
senhor desta sesmaria.
  
Como então dizer quem falo  
ora a Vossas Senhorias?  
Vejamos: é o Severino  
da Maria do Zacarias,  
lá da serra da Costela,  
limites da Paraíba.  
 
Mas isso ainda diz pouco:  
se ao menos mais cinco havia  
com nome de Severino  
filhos de tantas Marias  
mulheres de outros tantos,  
já finados, Zacarias,  
vivendo na mesma serra  
magra e ossuda em que eu vivia.   
Somos muitos Severinos 
iguais em tudo na vida:  
na mesma cabeça grande  
que a custo é que se equilibra,  
no mesmo ventre crescido  
sobre as mesmas pernas finas  
e iguais também porque o sangue,  
que usamos tem pouca tinta.   
E se somos Severinos  
iguais em tudo na vida,  
morremos de morte igual,  
mesma morte severina:  
que é a morte de que se morre  
de velhice antes dos trinta,  
de emboscada antes dos vinte  
de fome um pouco por dia  
(de fraqueza e de doença  
é que a morte severina  
ataca em qualquer idade,  
e até gente não nascida).   

e melhor possam seguir  
a história de minha vida,  
passo a ser o Severino  
que em vossa presença emigra”
  

“A classe dominante e a mídia dominantes fazem parecer que não há relação das raízes do passado com as marcas do presente. O aprendizado comum de relações sociais não passa pela mídia e nem pelas relações do capital. Esse aprendizado passa por fora da ordem, com povos que ousam fazer a sua própria história, quem nem sempre está contada”, explicou.

Bogo citou o intelectual peruano José Carlos Mariátegui  como um dos primeiros intelectuais latino-americanos a tratar a comunicação como um processo cultural. Ele destacou que quando o intelectual afirmou que “tudo o que é humano nos pertence” estava se referindo a valores e não mercadoria. A arte, as superstições e outros aspectos da cultura são, na visão de Bogo, parte de tudo aquilo que é humano. “As tradições podem se perder por um tempo, mas são resgatadas em determinados momentos históricos”, disse, retomando a questão levantada por Roseli Goffman de que a cultura é algo que não cessa. O palestrante frisou que as massas terão que reagir a um processo de acomodação para resgatar a tradição de lutas.

Comunicação
Segundo Ademar Bogo, a imprensa deve ter um papel pedagógico, educativo, mas que o que a grande mídia faz é deseducar, individualizar problemas e informações e para isso não é necessário de debate. “É importante que a mídia nos faça debater. A comunicação deve ser estimuladora da associação. É a coletividade que tem a razão e o esforço coletivo que tem a verdade”, disse.  Ele apontou, ainda, que o grande desafio das comunicações é formar a consciência para que as pessoas se deem conta do papel que elas devem cumprir.  “Se quisermos ter uma sociedade solidária, precisamos formar seres humanos solidários”, completou.

Antes de iniciar a fala sobre o tema da mesa, a historiadora Adelaide Gonçalves comentou sobre o livro/agenda produzida pelo NPC para o ano de 2011 “Mulheres na História”. Ela destacou a importância de Nízia Floresta e Patrícia Galvão (Pagu), citadas na publicação, e destacou o papel destas mulheres na introdução de novos temas por meio dos registros histórico que fizeram.

Adelaide alertou que nossa ignorância acerca da África é imensa, não só nas universidades e na mídia, mas também nos movimentos sociais. Ela apresentou um panorama de como o Brasil era retratado desde a época da invasão portuguesa e afirmou
que, dos anos 1930 para cá, esse debate sobre os valores culturais foi adquirindo contornos mais apropriados.