O livro desvela todos os segredos da montagem do espetáculo, as armadilhas econômicas, a luta dos trabalhadores, a terrível face da violência desencadeada contra os pobres que foram despejados e desalojados para dar lugar aos estádios ou a avenidas. Mostra a exclusão completa dos pobres da festa da Copa, com o impedimento dos trabalhadores informais em ganhar o seu dinheiro, sendo obrigados a ficaram longo dos estádios.
Por Elaine Tavares
O Instituto de Estudos Latino-Americanos, através do esforço do professor Paulo Capela, coordenador do Vitral Latino-Americano de Educação Física, Esporte e Saúde, traduziu para o português a obra organizada pelo sul-africano Eddie Cottle, sobre a Copa do Mundo na África do Sul, em 2010. O resultado é um mosaico de estudos que mostra claramente quais foram os legados desse megaevento, que muito mais se apresentaram positivos para a FIFA do que para o país.
Para se ter uma ideia, a Federação Internacional que comanda o espetáculo teve um lucro líquido de 3,4 bilhões de dólares, livre de qualquer imposto. Já a África do Sul , que estimava gastar 2,3 bilhões de rands (moeda local), acabou arcando com 39 bilhões de rands, um aumento de 1.700% entre o que se estimava e o que se gastou de fato.
O trabalho coordenado por Eddie Cottle é uma vertiginosa teia de informações que assombra e emudece, até porque o Brasil está passando pelo mesmo momento. Ao longo dos textos, nos quais os estudiosos contam como se construiu a ideia de realizar na África do Sul um evento dessa magnitude, vai se percebendo que os argumentos usados para aprovação dos gastos são exatamente os mesmos usados no Brasil.
O impacto aparece no rastro de destruição que foi deixado e a completa indiferença por parte da FIFA e de seus parceiros – multinacionais como Adidas, Sony e Mc Donalds – com o que deixaram para trás.
O futebol, que nasceu aristocrata, mas, em pouco tempo se transformou num importante esporte popular foi apropriado e transformado em uma mercadoria cada mais distante da classe trabalhadora. Com ele, a FIFA tem garantido gordas parcelas de lucro de um grupo muito pequeno de “dirigentes” e, com a realização da Copa nos países subdesenvolvidos, tem conseguido acumular ainda mais, sempre às custas da vida de milhões. Um insensatez, se considerarmos que o futebol, quando chegou à América Latina, por exemplo, era usado como uma metáfora de revolução. Conforme conta Dale McKinley, no texto “FIFA e o complexo desportivo de acumulação”, os anarquistas e socialista argentinos, que trouxeram o esporte para aquele país, afirmavam que o futebol era “um jogo socialista… todos jogavam juntos com o objetivo de chegar à linha de meta, este era o triunfo, esta é a revolução”…
Mas, com a FIFA, que mergulhou de cabeça na lógica do esporte mercadoria durante a gestão de João Havelange, a única “revolução” que aconteceu foi a do gigantesco movimento de lucro que segue sendo canalizado para poucas contas em bancos amigos.
No caso da África do Sul, a mesma cantilena da possibilidade de desenvolvimento, progresso e pleno emprego, foi usada para convencer a população de que aquilo que seria o ganho estrondoso de alguns era também vantajoso para o país. Não foi. Os números apresentados pelo estudo coordenado por Eddie Cottle dão conta de que não houve crescimento de empregos, pelo contrário, houve mais exploração dos já empregados e uma leve alteração nos empregos temporários que se extinguiram subitamente tão logo o evento acabou. O mesmo pode ser dito dos trabalhadores da construção civil que ficaram ocupados por algum tempo antes da Copa, construindo os imensos e inúteis estádios, ficando a deriva tão logo tudo terminou.
Ao pais, sobrou apenas as contas para pagar. De todos os estádios construídos (em número de oito, cinco são elefantes brancos, sem uso). Um deles, o Nelson Mandela Bay Stadium custa ao cofres públicos 65 milhões de rands por ano, apenas para se manter de pé, já que é pouco utilizado. Um dinheiro que poderia estar na saúde ou na educação, ou livrando as cidades da odiosa presença dos esgotos a céu aberto.
O livro desvela todos os segredos da montagem do espetáculo, as armadilhas econômicas, a luta dos trabalhadores, a terrível face da violência desencadeada contra os pobres que foram despejados e desalojados para dar lugar aos estádios ou a avenidas. Mostra a exclusão completa dos pobres da festa da Copa, com o impedimento dos trabalhadores informais em ganhar o seu dinheiro, sendo obrigados a ficaram longo dos estádios. Mostra como a mentira e a deturpação foram utilizadas para enganar toda uma nação, desvenda as entranhas da FIFA, escancara os lucros exorbitantes que as empresas amigas da FIFA tiveram, os contratos leoninos que jogaram as contas todas na mesa do povo sul-africano.
Mas, o trabalho de Eddie Cottle também coloca no foco a luta dos trabalhadores da construção civil, que marcaram um ponto na batalha por melhores condições de vida, que conseguiram reconstituir uma solidariedade trabalhista internacional que há muito andava rota. Fala da batalha das gentes trabalhadoras das periferias das cidades que, ainda que à sombra da cidade mundial – representada pelo capital – travaram o combate e colocaram no centro do debate as entranhas da farsa.
“Copa do Mundo na África do Sul: um legado para quem?” é uma leitura amarga, mas necessária. Porque não é um panfleto desesperado, visando convencer quem não se interessa pelo tema.
É um estudo profundo da maquinaria futebolística montada pela FIFA o retrato sem retoques de uma festa que, ainda que traga alegria e prazer, dura apenas 30 dias, enquanto seus efeitos perduram por décadas, sob as costas da maioria.
Copa do Mundo da África do Sul – um legado para quem?
Autor: Eddie Cottle
Editora Insular – 2014