As redes de televisão Record e Mulher deverão exibir durante uma semana um programa de até uma hora de duração como direito de resposta aos praticantes de religiões afro-brasileiras ou de matriz africana, vítimas de preconceito por parte dos programas religiosos Sessão de Descarrego (Record) e Mistérios (Rede Mulher). O direito de resposta foi proposto em Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Federal em novembro de 2004.

Na quinta-feira (12/5) , a juíza federal Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo, em decisão inédita no Brasil, concedeu liminar obrigando as duas emissoras a cederem estúdios, equipamentos e pessoal para a produção do programa, cujo conteúdo ficará a cargo dos autores da ação: Ministério Público Federal, Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro Brasileira (Intecab) e Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert). 

Além do direito de resposta, que deverá ser exibido na mesmo horário dos programas citados, as duas emissoras, nos dias em que os direitos de resposta forem ao ar, deverão exibir três chamadas avisando da exibição do programa, uma pela manhã, outra à tarde e a terceira à noite. 

“Bens sociais e culturais”

A Justiça Federal entendeu que certas expressões usadas pelos dois programas para se referir aos praticantes das religiões afro-brasileiras são preconceituosos: “Entendo que é possível a identificação dos ataques à religião com o intuito de menosprezar quem as pratica (referidos como bruxos, feiticeiros, pais de encosto)”, escreveu a juíza na decisão. 

Segundo a juíza, o preconceito está comprovado em fitas de VHS com cópias do programas anexadas aos autos pelo Ministério Público Federal, que apurava o caso desde novembro de 2003: “Assisti às fitas e não há como negar o ataque às religiões de origem africana e às pessoas que as praticam ou que delas são adeptas. Ressalto que não é preciso ser simpatizante ou adepto dessas religiões para conhecer alguns dos seus rituais e tradições”, decidiu.

A juíza rechaçou, ainda, os argumentos trazidos pela Record e Rede Mulher, que alegaram que alguns dos termos com os quais designam os praticantes das religiões afro-brasileiras, como “bruxo” e “feiticeira”, são usados por alguns dos praticantes. “A utilização dessa denominação por alguns – muito poucos, aliás – não pode ser usada em desfavor de todos os integrantes, adeptos e simpatizantes”, decidiu.

Para a juíza, a ação não diz respeito apenas aos direitos dos praticantes das religiões afro-brasileiras, uma vez que o artigo 3º da Constituição brasileira impede qualquer forma de preconceito. “O MPF está em defesa não só dos adeptos e praticantes das religiões afro-brasileiras, mas de bens sociais e culturais de toda a sociedade, como o respeito e a não-discriminação, direitos esses de natureza indivisível”, apontou na decisão a juíza.

Censura, não

A juíza, na decisão, também deixa claro que o pedido do MPF não se trata de “censura”: “O pedido das autoras não é no sentido de proibir a exibição de nenhum dos programas de cunho religioso transmitido pelas rés, nem mesmo de censura a esses programas, mas tão-somente de direito de resposta, para que as ofensas possam ser respondidas. Assim, não há nada que impeça o deferimento de tal pedido”.

Na Ação Civil Pública proposta pela ex-procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Eugênia Fávero, também assinada pelo coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Hédio Silva Júnior, atual secretário de Justiça do estado de São Paulo, os autores pediam que o direito de resposta fosse exibido durante 30 dias, mas a juíza entendeu que sete dias eram o suficiente por tratar-se de decisão liminar, que poderá vir a ser alterada até o julgamento do mérito.

Mas a medida, segundo a juíza, se fazia necessária o mais rápido possível: “se os efeitos da tutela não forem antecipados neste momento, a imagem e a honra das pessoas que se dedicam, praticam ou são adeptas das religiões afro-brasileiras, continuarão a ser maculadas a cada apresentação, a cada exposição, sem que ao menos tenha sido concedido o direito a uma resposta equivalente, no mesmo meio de comunicação utilizado para o ataque”, escreveu na decisão.

Para o MPF, a decisão é salutar e o atual PRDC, Sergio Gardenghi Suiama, responsável pelo processo na fase atual, comentou o ineditismo da medida: “A decisão corajosa e inédita da Justiça Federal mostra que não há espaço, em nossa democracia, para que igrejas arrebanhem fiéis à custa de ofensas a outras religiões. Nosso estado é laico e nele devem conviver, em harmonia, todas as manifestações religiosas”.

A seguir, a decisão da juíza:
 


C O N C L U S Ã O

Em 28 de março de 2005, faço estes autos conclusos a MMª Juíza Federal Substituta, Dra. Marisa Cláudia Gonçalves Cucio 

5ª Vara Federal Cível de São Paulo(SP)

Autos n. 2004.61.00.034549-6

Autores: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E OUTROS (INSTITUTO NACIONAL DE TRADIÇÃO E CULTURA AFRO BRASILEIRA – INTECAB e CENTRO DE ESTUDOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E DA DESIGUALDADE – CEERT

Réus: REDE RECORD DE TELEVISÃO E OUTROS (REDE MULHER DE TELEVISÃO e UNIÃO FEDERAL)

Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal e outros pela qual pretendem a condenação das emissoras rés em obrigação de fazer consistente em colocar à disposição das associações (litisconsortes ativas), no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, estúdio e estruturas pertinentes, bem como pessoal de apoio necessário à gravação e exibição de 30 (trinta) programas televisivos a título de direito de resposta coletivo, com duração de 02 (duas) horas cada, a serem exibidos em 30 (trinta) dias consecutivos, no horário de 21:00 às 23:00, devendo a exibição iniciar-se no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis após a intimação da decisão respectiva, sob pena de multa diária no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para cada uma das emissoras, a ser revertida ao fundo dos direitos difusos lesados. Quanto à União, caso mantenha-se no pólo passivo da demanda, seja a mesma condenada em obrigação de fazer consistente em notificar o Congresso Nacional para que os fatos narrados na inicial sejam observados para efeito de decisão quanto à renovação ou não da concessão dessas emissoras.

Alegam os autores que os programas de cunho religioso exibidos pelas emissoras rés – particularmente os da Igreja Universal do Reino de Deus – enfocam de maneira negativa e discriminatória as religiões afro-brasileiras ou de matriz africana, o que é vedado pela Constituição, que proíbe a demonização de religiões por outras.

Os autores pleitearam o deferimento de antecipação dos efeitos da tutela. Em vista disso, foi determinada a oitiva do representante legal da União no prazo de 72 (setenta e duas) horas, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.742/92, bem como, por analogia, dos representantes legais das emissoras rés. 

Os ofícios de notificação dos representantes legais das emissoras rés foram juntados em 17/12/2004 (fls. 155/156 e 157/159) e suas informações foram prestadas, em conjunto, na petição de fls. 161/175, levada a despacho em 20/12/2004, à qual acostaram os documentos de fls. 176/184 (pesquisa realizada em “site” veiculado na “internet ” – para demonstrar que os termos apontados na inicial como ofensivos são utilizados e reiterados com naturalidade naquele meio de comunicação, sem qualquer constrangimento, nem reação por parte dos autores desta ação, bem como página contendo artigo de Miguel Reale, intitulado “Novas Variações sobre Religiosidade”, publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”).

Em síntese, alegam que a presente ação qualifica abuso do direito de demandar, uma vez que não foram especificados os programas, os respectivos locutores, os horários e as alusões ou comentários que, em tese, viabilizariam o almejado direito de resposta, nem foram indicados o conteúdo, a relação de conexidade e a duração da resposta que pretendem ver veiculada pelas rés e, também, que a via eleita é inadequada, uma vez que o direito de resposta sujeita-se a procedimento próprio, prescrito em lei especial, de observância inafastável (Lei de Imprensa, arts. 29 e seguintes), que ocorreu decadência e que não estão presentes os pressupostos para o deferimento da antecipação da tutela pretendida.

O ofício de notificação ao Procurador Regional da União foi juntado em 14/01/2005 (fls. 199), mas a União não prestou as informações solicitadas e limitou-se a noticiar que, por questão de organização institucional, apenas a Procuradoria-Geral da União (em Brasília) detém competência para definir o interesse da União de ingressar em processos dessa natureza. Nesse sentido, informa que já foi providenciado memorando àquela Procuradoria Geral, do qual aguarda resposta; e ainda afirma que é possível que haja interesse da Anatel em integrar a lide, tendo em conta sua competência e atribuições previstas nos artigos 8º e 19 da Lei nº 9.472/97. Ao final, requereu, por cautela, o acompanhamento do feito, a intimação da Anatel para se pronunciar sobre a ação, bem como que lhe seja deferido prazo complementar de 30 (trinta) dias para que ela (União) possa se manifestar corretamente na presente ação civil pública.

O MPF noticia novos abusos em programa exibido pela Rede Mulher de Televisão (fls. 196/197). Os representantes das emissoras requeridas insistem no indeferimento da antecipação da tutela, alegando que o pretendido direito de resposta, a teor do prescrito no Estatuto da Comunicação, não comporta instrução e/ou dilação probatória e que os fatos narrados na inicial são conhecidos dos autores há anos e que, portanto, não há urgência na medida pleiteada.

Finalmente, a União juntou os documentos de fls. 216/225), informando que integrará o pólo passivo da ação e requereu sua citação. Posteriormente, ofereceu a contestação de fls. 227/242, alegando, em preliminares, sua ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que não é destinatária do pedido de resposta pretendido, e a impossibilidade jurídica do pedido, advinda da circunstância de que o pleito do MPF viola o princípio da independência e harmonia dos poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição Federal, isso porque é de competência do Congresso Nacional a decisão de não renovação da concessão.

É o relatório do que consta dos autos até este momento. 

Decido.

Em exame preambular, verifico presentes as condições da ação e os pressupostos processuais. 

Primeiramente, reconheço a competência da Justiça Federal para conhecer e julgar a presente causa. No caso dos autos, a União manifestou interesse em ingressar na lide no pólo passivo e informou que poderá haver interesse da Anatel, que será ouvida oportunamente. 

Nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, a Justiça Federal é competente para conhecer e julgar as ações nas quais a União e suas autarquias federais são interessadas, seja como autoras, rés, assistentes ou opoentes. 

Ainda em análise sumária das condições da ação, reconheço a legitimidade ativa do MPF para propor a presente ação, juntamente com as associações que integram o pólo ativo. 

Os integrantes da Assembléia Constituinte da Carta Política de 1988 decidiram que o Brasil seria um Estado laico, deixando de eleger uma religião oficial. Essa decisão significa que o Estado facultou ao povo brasileiro escolher livremente a sua opção religiosa.

Por outro lado, optou o legislador constituinte por promover o bem de todos, impedindo toda forma de preconceito em relação a origem, raça, cor, idade e coibindo todas as outras formas de discriminação (art. 3º, IV, da CF). 

O Ministério Público Federal recebeu da Constituição Federal a legitimidade para defender os interesses difusos (art. 129, III, CF), assim entendidos como os interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, CDC). Nessa categoria podemos facilmente incluir a defesa dos princípios constitucionais, da sociedade justa e solidária e dos bens que compõem a diversidade cultural de nosso país. 

Nesse sentido, entendo que, no caso dos autos, o MPF está em defesa não só dos adeptos e praticantes das religiões afro-brasileiras, mas de bens sociais e culturais de toda a sociedade, como o respeito e a não discriminação, direitos esses de natureza indivisível. Como nos ensina Hugo Nigro Mazzili: “Em vista de sua destinação, o Ministério Público está legitimado à defesa de quaisquer interesses ‘difusos’, graças a seu elevado grau de dispersão e abrangência, o que lhes confere conotação social.”

No que concerne à legitimidade passiva das rés, neste exame preambular, entendo que as pessoas jurídicas chamadas para compor o pólo passivo são adequadas para responder aos termos desta ação.

Tanto a Rede Record de Televisão como a Rede Mulher de Televisão são pessoas jurídicas que receberam da União concessão para a exploração de serviços de telecomunicações (transmissão de sons e imagens) e essa concessão submete-se às regras previstas no Código Brasileiro de Telecomunicações, conforme informado pelo Sr. Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica (fls. 135 dos autos). A resposta do Poder Executivo Federal esclarece que a responsabilidade não cessa em virtude da cessão do espaço para outra pessoa jurídica transmitir produções independentes dentro do horário concedido às rés. No caso dos autos, o regime jurídico das telecomunicações prevê como infração o abuso no exercício de radiodifusão quando há promoção de campanha discriminatória de classe, cor, raça e religião. Além disso, as representantes das rés sequer alegam que cederam o horário e para quem o fizeram. 

A responsabilidade da União e da Anatel será examinada oportunamente.

No que se refere à alegação de impossibilidade jurídica do pedido, esta não se constata de plano. Consigno, inicialmente, que o pedido das autoras não é no sentido de proibir a exibição de nenhum dos programas de cunho religioso transmitido pelas rés, nem mesmo de censura a esses programas, mas tão somente de direito de resposta, para que as ofensas possam ser respondidas. Assim, não há nada que impeça o deferimento de tal pedido. O direito de resposta, embora inserido no diploma legal que regulamenta a liberdade de imprensa, não é pedido impossível fora da esfera daquela legislação.

A sociedade de massa exige, hoje, uma nova maneira de solução de conflitos, porque a forma de relacionamento dos indivíduos entre si e com os bens disponíveis modificou-se. Por esse motivo, os instrumentos jurídicos existentes devem ser adequados a essa nova realidade. 

A Lei 5.250 foi editada em 1.967, muito antes do desenvolvimento da doutrina de proteção aos direitos difusos e coletivos que inseriu no nosso sistema jurídico a Lei da Ação Civil Pública, as ações coletivas constitucionais e o Código de Defesa do Consumidor. Portanto, aplicar o pedido de resposta coletivo na ação civil pública não demonstra qualquer impossibilidade jurídica, mesmo porque a natureza jurídica do chamado “direito de resposta” nada mais é do que uma obrigação de fazer, consistente no direito de ceder aos ofendidos o direito de transmitir os esclarecimentos necessários.

Verificadas as condições da ação neste exame perfunctório, próprio das decisões sumárias, passo a analisar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

O MPF requer a concessão da medida liminar para que seja determinado às rés a obrigação de fazer consistente em colocar à disposição das associações (litisconsortes ativas), no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, estúdio e estruturas pertinentes, bem como pessoal de apoio necessário à gravação e exibição de 30 (trinta) programas televisivos a título de direito de resposta coletivo, com duração de 02 (duas) horas cada, a serem exibidos em 30 (trinta) dias consecutivos, no horário de 21:00 às 23:00, devendo a exibição iniciar-se no prazo máximo
de 10 (dez) dias úteis após a intimação da decisão respectiva, sob pena de multa diária no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para cada uma das emissoras, a ser revertida ao fundo dos direitos difusos lesados.

O art. 12 da Lei 7.347/85 prevê a possibilidade de mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

Por sua vez, dispõe o art. 273 do Código de Processo Civil que “o Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação”.

Já o § 3º do art. 461, tem a seguinte redação: “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é licito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.”

Para comprovar a presença do primeiro requisito, as autoras anexaram fitas de VHS com gravação de programas transmitidos pelas rés, devidamente transcritos. 

Assisti às fitas e não há como negar o ataque às religiões de origem africana e às pessoas que as praticam ou que delas são adeptas. Ressalto que não é preciso ser simpatizante ou adepto dessas religiões para conhecer alguns dos seus rituais e tradições. As religiões trazidas com os escravos são parte da cultura brasileira e são presença constante em nossa literatura. Não foram poucos os livros editados, e muitos foram adaptados para o cinema e para a televisão. Portanto, entendo que é possível a identificação dos ataques à religião com o intuito de menosprezar quem as pratica (referidos como bruxos, feiticeiros, pais de encosto).

Aliás, um fato interessante deve ser registrado. Nos programas gravados há depoimentos de pessoas que antes eram adeptas das religiões afro-brasileiras e que se converteram; nos templos da nova religião, essas pessoas realizam “sessões de descarrego” ou “consultoria espiritual”. Assim, é de se concluir que não negam as tradições e os ritos das religiões de matriz africana, porém afirmam que nos terreiros os seguidores praticam o mal, a feitiçaria e a bruxaria. 

Os programas tentam transmitir a idéia de simples relatos de pessoas que se converteram. Contudo, não se trata apenas de testemunhos a respeito do sucesso da conversão. Relatos não poderiam ser impedidos, todavia, as pessoas não são identificadas, sequer seus rostos são desvendados, mas são denominadas como “ex-bruxa”, “ex-mãe de encosto” , e acusadas de terem servido aos “espíritos do mal” que só se dedicam a prejudicar as pessoas. 

Esse tipo de mensagem desrespeitosa, com cunho de preconceito, mesmo que transmitida em horários de pouca audiência, têm impacto poderoso sobre a população, principalmente a de baixa escolaridade, porque é acessada por centenas de milhares de pessoas, que podem recebê-la como uma verdade. 

A sociedade brasileira está organizada para que nenhum preconceito seja permitido, de forma que foi editada a Lei 7.716/89 para reprimir condutas que visem a discriminação, entre elas, o preconceito em razão da religião. Assim, não é a primeira vez que o Poder Judiciário é chamado para promover o equilíbrio. 

Como bem apontado por Christiano Jorge Santos, manifestações preconceituosas contra Religiões já foram rechaçadas, citando como exemplos, o julgamento do STF no sentido de confirmar a condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao editor de livros que fez apologia anti-semita; os registros de ações penais no Estado da Bahia em face de ataques discriminatórios a pais e filhos de santo de terreiros de candomblé, e o amplamente divulgado desrespeito à imagem de Nossa Senhora Aparecida ocorrido em um canal de televisão, que resultou na condenação do religioso por crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/89. 

A alegação das representantes das rés de que não há ofensa porque alguns adeptos das religiões afro-brasileiras se definem como bruxos ou feiticeiros, conforme documento de fls. 177/182, não procede. A utilização dessa denominação por alguns – muito poucos, aliás – não pode ser usada em desfavor de todos os integrantes, adeptos e simpatizantes. O Poder Judiciário não pode se furtar de prestar a tutela jurisdicional àquele que comprova a necessidade de proteger direitos tão fundamentais. 

É importante que se esclareça que não se trata de censura à liberdade de expressão, mas sim de aplicação do princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas protegidas pela Carta Magna. Mencionado princípio permite a limitação proporcional de direitos constitucionalmente amparados quando em conflito com outros direitos igualmente consagrados pela Carta Constitucional.

Quanto ao segundo requisito, é evidente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Se os efeitos da tutela não forem antecipados neste momento, a imagem e a honra das pessoas que se dedicam, praticam ou são adeptas das religiões afro-brasileiras, continuarão a ser maculadas a cada apresentação, a cada exposição, sem que ao menos tenha sido concedido o direito a uma resposta equivalente, no mesmo meio de comunicação utilizado para o ataque. Repito que o pedido das autoras não foi o de impedir a apresentação dos programas transmitidos pelas rés, mas, somente, o de direito de resposta.

No entanto, o pedido liminar não deve ser concedido nos exatos termos propostos pelas

autoras porque, caso a ação venha a ser julgada improcedente ao final, as rés terão experimentado um prejuízo financeiro que deverá ser ressarcido pelas autoras, mas não há prova de que estas tenham capacidade econômica para isso.

A produção de 30 (trinta) programas de duas horas de duração, com produção feita exclusivamente pelas rés é exagerada e onerosa para que se proceda, em caráter sumário, a resposta pretendida pelas autoras. 

Nesse aspecto, entendo que um único programa será suficiente para que as autoras ofereçam, neste momento processual, os esclarecimentos necessários. Tal programa deverá ser apresentado em sete dias consecutivos, nos mesmos horários dos programas nos quais houve o desrespeito, ou seja, nos programas “Sessão de Descarrego” e “Mistérios”, transmitidos tanto pela Rede Record como pela Rede Mulher. A transmissão do programa em dias diferentes objetiva alcançar todos os telespectadores daquelas redes de televisão. 

Além disso, as rés deverão inserir três chamadas diárias durante a sua programação (uma pela manhã, uma no período da tarde e uma no período da noite), nos mesmos dias transmissão dos programas, comunicando a exibição e o horário do programa de resposta.

A duração do programa será de 1 (uma) hora no máximo, ou a mesma dos programas “Sessão de Descarrego” e “Mistérios”, aquela que for menor. O tempo de 1 (uma) hora é estipulado considerando a média de tempo dos programas que estão gravados em VHS anexadas aos autos. Como não há qualquer informação de qual é a duração daqueles programas, considero que este período é suficiente para a resposta.

Para a produção do programa, as rés deverão colocar à disposição das autoras, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da intimação desta decisão, estúdio e estrutura pertinentes, bem como pessoal de apoio necessário para a gravação do programa. Outras despesas serão assumidas pelas autoras.

Ante o exposto, concedo parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos acima definidos e fixo a multa diária em R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento desta decisão. 

Intimem-se.

Citem-se as rés para contestar. Intime-se a Anatel para se manifestar se tem interesse em integrar a lide. 

São Paulo, 12 de maio de 2005.

Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, Juíza Federal Substituta

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Marcelo Oliveira é jornalista da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República em São Paulo. Texto publicado originalmente no Observatório da Imprensa, em 24/5/2005.