[Por Sheila Jacob]
A televisão no Brasil e no continente latino-americano foi o tema da última mesa do 18º Curso Anual do NPC, realizada na manhã de sábado (24.11). O professor Laurindo Leal Filho (USP) explicou, no início, que a distinção entre setor público e estatal não é tão absoluta. “A nossa própria Constituição estabelece essa diferença, quando divide o sistema de comunicação entre público, estatal e privado. Na verdade, em um Estado democrático de direito, tudo que é estatal é público. Por isso a importância dos conselhos gestores das emissoras estatais, para garantir que o interesse público esteja presente ali”, destacou, lembrando que neste momento está havendo uma consulta para o conselho da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Ele lembrou que não deve caber apenas às emissoras estatais garantirem o interesse público, já que os canais privados são concessões públicas. “Historicamente, no Brasil, rádio e TV se consolidaram como meios comerciais, cujas decisões não são tomadas pelo público. A ideia da concessão está fora do universo simbólico das pessoas. Elas não se sentem donas dos meios de comunicação. Se você perguntar quem é o dono da Globo e do SBT, o senso comum vai responder Roberto Marinho e Silvio Santos”, brincou, dizendo que isso se deve, entre outros fatores, às poucas experiências de TV não comercial ao longo da história do país.
Laurindo explicou também que não cabe falar em total distinção entre os veículos públicos e os estatais. “Na América Latina atual temos que ir mais além, porque os governos populares, acuados pelos meios tradicionais, têm o dever de criar suas próprias mídias alternativas. Aqui no Brasil o governo tem que falar à população por meio de filtros, pois não há um canal público que tenha a mesma força que, por exemplo, a Rede Globo”, defendeu. Ele explicou que, na Argentina, por exemplo, a TV estatal está sendo muito importante nesse momento de aplicação da “Lei dos Meios”. Por esta força de disputa de ideias, aqui no Brasil houve um combate da mídia comercial à criação da TV Pública. E até hoje a TV Brasil tem sofrido forte carga de críticas e acusações. Segundo ele, esse problema não é tecnológico, mas sim político, e corremos o risco de reproduzir a mesma concentração na TV Digital. “Não há interesse da classe dominante em abrir o espectro de televisão para outros canais, para interesses diferentes dos dela”, ressaltou.
Uma questão importante, levantada por ele, é: que TV Pública queremos? “Temos que pensar nisso. Enquanto o mundo oferece fatos para se fazer dez telejornais diferentes a cada noite, há uma pauta única em todos os canais das grandes emissoras. A diferença de uma TV Pública deve ser buscar pautas alternativas e mostrar aquilo que não esta no circuito comercial”, disse. Para concluir, fez uma defesa exaltada de um modelo alternativo de rádio e TV no Brasil. Se não, continuaremos dominados por uma máquina comercial construída há mais de 50 anos e que permanece sólida. “Aqui todos os governos são reféns dos meios de comunicação, porque sabem que se avançarem nessa questão vão sofrer uma forte carga de acusação, que pode inclusive derrubá-los. Enquanto a Argentina dá passos largos nessa direção, estamos atrasados. Tem que haver coragem política e mobilização dos movimentos”, concluiu, mostrando um vídeo que esclarece porque o Clarín ataca tanto a “Lei dos Meios”. Confira aqui.
Venezuela e Bolívia têm investido em sistema público de comunicação
“Povos sem Estado são povos sem história”. A partir dessa frase de Engels o jornalista Beto Almeida lembrou que toda burguesia está empenhada em reduzir o Estado ao mínimo possível. Ele destacou alguns exemplos de países latino-americanos que vêm tentando combater essa ideia, fortalecendo o Estado e, com ele, uma comunicação alternativa à comercial. O jornalista contou que chegou recentemente da Venezuela, onde vem sendo discutida a consolidação de um modelo público de comunicação. “Lá muitas TVs foram criadas. Enquanto isso aconteceu, eu lembrava que aqui estamos lutando para evitar que seja extinta a Voz do Brasil, uma hora em que se transmitem informações pelo rádio que nas outras 23 horas a mídia comercial ou esconde ou manipula”, lembrou. Na Venezuela a mídia comercial também cumpre este papel: por exemplo, foi erradicado o analfabetismo e as TVs privadas distorciam e desmontavam essa informação o dia inteiro . “Lá o sistema público vem sendo fortalecido para enfrentar essa verdadeira avalanche de informações distorcidas e contrárias às noções mais mínimas de civilização e de verdade social”, destacou.
O jornalista lembrou também que Venezuela criou a Telesul, emissora multi-estatal financiada pelos governos Venezuela, Cuba, Argentina e Uruguai. Na internet dá pra ver no endereço www.telesurtv.net. Ele explicou que sobre as TV públicas paira também a sentença da luta de classes e estão em jogo interesses dos Estados a que estão vinculadas. Enquanto as chamadas TVs Públicas da Europa (BBC inglesa, TV França Internacional e TVE Espanhola) defenderam a invasão da Otan no Oriente Médio, a Telesul foi a única que fez o contraponto e desmontou a tese de que havia um processo de libertação nesses países. “Em última instância, essas TVs dependem da natureza do Estado. Se são Estados imperialistas, elas serão assim. Ou seja, não existe neutralidade. As TVs Públicas estão dirigidas por determinados objetivos”, observou.
Outro exemplo citado por ele foi a Bolívia, que também tem investido em um sistema público-estatal de comunicação, formado pela Agencia Boliviana de Informação, jornal impresso público, rede de rádios dos indígenas, cujos equipamentos foram fornecidos pelo Estado, TVs Públicas. “Lá está se fortalecendo uma rede informativa ampla que faz sério enfrentamento à mídia privada, a qual chama Evo Morales de narco-presidente”. Ele contou que a Bolívia também vem investindo nos meios audiovisuais a partir de um Fundo Público de Apoio ao Cinema Latinoamericano, iniciativa do governo venezuelano. E o Brasil, infelizmente, está recuado nesse processo.
TV Pública de qualidade e que defenda interesses da classe trabalhadora
O professor Gabriel Mendes (Facha) fez uma análise da TV no Brasil hoje, lembrando que as lutas sociais ou não são noticiadas ou são criminalizadas, “vistas como delírio de uma minoria sectária, mistificando a vida política”. Também defende o projeto neoliberal do Estado Mínimo, repetindo que o Estado ou é corrupto ou é ineficiente. “É por isso que os meios de comunicação alternativos são tão importantes, para se opor a isso tudo. Se conseguirmos construir uma TV Pública que contradiga esses valores, será muito bom. Temos que ocupar esse espaço, até porque a TV é muito poderosa no Brasil”, deu a dica, defendendo uma TV orientada pelos valores dos trabalhadores, da democracia, da participação, da justiça material e da solidariedade.
Ele citou alguns exemplos de distorção da mídia comercial. “Um exemplo é a crise europeia que vemos hoje. O jornalismo privado não politiza esse debate, não chama de crise do sistema. Fala em crise financeira, crise da economia… Se a gente tivesse uma TV Pública de verdade a gente poderia colocar no debate que o que está em crise não é a economia; é a economia capitalista”, observou. Ele lembrou o estudo A Negação do Brasil, de Joelzito, que mostra como as TVs comerciais reforçam o racismo no país. “Isso acontece, por exemplo, com a estigmatização da beleza dos não-brancos. É a ‘cor do pecado’”, lembrou, ressaltando que o Brasil tem uma incrível história de lutas, mas que não aparecem nem são recuperadas pelos meios tradicionais.
Por este motivo, defendeu a comunicação alternativa e ressaltou que é fundamental ter qualidade técnica para disputar espaço. “Quem está acostumado com a espetacularização da mídia comercial está treinado para aceitar elementos como uma cerca qualidade. Criar nova estética demanda certo tempo. Se conseguirmos captar os telespectadores por enquanto, depois será mais fácil construir um outro modelo, o nosso modelo”, concluiu.