Segundo o professor, a chamada ‘grande mídia’ trata os movimentos sociais e os jovens negros como criminosos e privilegia as ações da Polícia e do Estado

 

Por Ívina Costa (NPC)

Professor Dannilo Duarte foi palestrante no 21º Curso Anual do NPC

Professor Dannilo Duarte foi palestrante no 21º Curso Anual do NPC. Foto de Joka Madruga/ Terra Sem Males

A sensação de insegurança pública e o medo da violência são cada vez maiores na sociedade brasileira, principalmente nas grandes cidades. Não por acaso, nos últimos anos, a cobertura de crimes, pelos meios de comunicação, tem crescido e vem ganhando destaque em programas específicos sobre o tema. Mas, isso não significa que o assunto vem sendo tratado de forma profunda e contextualizada. Ao contrário, na guerra pela audiência, geralmente, as armas mais utilizadas são o sensacionalismo, a dramaticidade e o preconceito.

Para Dannilo Duarte, professor da Universidade do Sudoeste da Bahia e autor do livro Jornalismo Policial na Televisão Brasileira, as pessoas buscam na cobertura jornalística da violência um espaço que fizesse justiça, já que o Estado não consegue promover a segurança de fato.

 

Que análise você faz da cobertura da violência pela grande mídia?

Temos uma grande mídia que não respeita os direitos humanos e faz uma cobertura extremamente sensacionalista. Historicamente, no que diz respeito à violência, o papel da mídia é sempre criminalizando os movimentos sociais, o jovem negro da periferia ou qualquer movimento que vá de encontro ao status quo, ou seja, as coisas como estão aí colocadas.

Então, é uma cobertura que privilegia as ações da Polícia e do Estado. E nunca enxerga o cidadão como vítima. Mesmo que ele esteja envolvido em algum delito, é sempre apresentado na condição de criminoso. Precisamos repensar esse modelo de cobertura midiática em relação à violência e que ainda reforça os preconceitos dentro da sociedade.

 

Como explicar a audiência de programas que tratam a violência de forma tão sensacionalista e ainda criminaliza ou trata de forma preconceituosa grande parte do público que os assiste?

Na minha opinião, temos dois problemas de fundo. O primeiro tem a ver com a base educacional no país, com o acesso a educação de qualidade. Não basta ter uma escola na periferia. Mas, é preciso saber: que escola é essa? O que é ensinado? Que tipo de acesso as crianças e os jovens têm a essa escola? Temos uma carência do ponto de vista educacional no Brasil.

Por outro lado, há toda uma tradição de repressão ao crime através de formas violentas. Então, a violência é algo naturalizado no país. Só para citar um dado, a gente se assusta com o terrorismo e a guerra na Síria. Mas, aqui, por ano, se mata muito mais do que a guerra na Síria. Então, são várias guerras da Síria dentro do Brasil e isso não é noticiado.

As pessoas buscam esses tipos de programas como se fossem espaços que fizessem justiça, por conta da ausência do papel do Estado, que não consegue promover uma segurança de fato. Elas se sentem justiçadas dentro da cobertura desses programas policiais. E pensam: vou assistir porque tenho medo, preciso saber o que está acontecendo para tentar me proteger. Se o Estado não faz, a mídia vai fazer, vai botar o bandido na cadeia ou vai brigar pelos meus direitos.

 

Você acha que a mídia contribui para gerar ou aumentar a sensação de medo na sociedade? Com que interesse?

Sem sombra de dúvida! Inclusive, no meu livro, parto desse princípio. Tem um teórico chamado George Gerbner que diz que o discurso sobre o medo, produzido pela mídia, gera cada vez mais insegurança e mais medo, e alimenta esse mercado do medo e da repressão.

A mídia deveria trabalhar em outra perspectiva e não reforçar, por exemplo, as ações do terrorismo, da violência. O foco sempre é dado a fatos isolados, de forma sensacionalista. Não se trabalha de forma contextualizada, tentando explicar, por exemplo, por que há violência? por que a violência não é combatida? por que não há eficiência e não é eficaz o modelo do Estado?

Então, a mídia acaba reforçando todos esses estereótipos e isso cria uma sensação de caos, de medo na população. E isso é rentável. A população com medo vai ver mais TV, vai comprar mais equipamento de segurança, vai tentar se proteger mais. É uma coisa cíclica. Ela vai tentar se armar.

 

De que forma essa cobertura contribui para a criminalização dos movimentos sociais?

Os movimentos sociais partem na defesa de direitos que, muitas vezes, são negados pelo Estado ou pela iniciativa privada. Então, isso vai de encontro a toda uma política das grandes corporações que só pensam em aumentar seus lucros e reter direitos, sobretudo dos trabalhadores. A mídia tem um papel fundamental nisso porque ela reforça o discurso dos patrões, das grandes empresas.

Tem uma frase muito interessante de George Orwell que diz assim: “A publicidade é controlada pela mídia, a mídia controla as pessoas e as pessoas compram o que a publicidade anuncia”. Precisamos romper com esse ciclo. Claro que hoje há mais atividade por parte da audiência, que não é mais passiva. As teorias de comunicação do jornalismo já atestam isso. Mas, na prática, o modelo midiático que a gente tem em nosso país é de concentração de mídia na mão de grandes famílias ou grupos políticos ou empresariais. Eles defendem os interesses deles e não os da classe trabalhadora. Daí vem a criminalização dos movimentos sociais.

Então, se você tem um movimento de defesa dos Sem Teto, dos Sem Terra, da Marcha das Mulheres, que espaço é dado para esses temas na grande mídia? Muito pouco. E quando é dado, quase sempre é para criminalizar ou deturpar o movimento, sempre de forma estereotipada e com vinculação a algo errado.

 

Então, que tipo de cuidados o jornalista precisa ter ao trabalhar o tema da segurança pública?

A segurança pública no Brasil é sempre tratada como um caso de polícia, uma polícia militarizada. A gente trata da segurança pública muito mais no combate, digamos assim, do sintoma da violência. A política pública de combate à violência funciona sempre como algo repressor e não como algo de prevenção. A gente não vê uma cobertura que vá até os contextos sociais, que tente explicar a segurança pública como acesso à educação, à saúde, a serviços do Estado, como um trabalho de conscientização da juventude ou como políticas voltadas para áreas que vivenciam maiores tenções.

Temos esse processo, por exemplo, das UPPs assumirem nas comunidades, mas você não vê uma mudança estrutural dentro desse espaço. Não há ampliação de creches, escolas, hospitais, infraestrutura e postos de trabalho.

Então, para falar de segurança pública no Brasil, primeiro a gente precisa romper com esse modelo, com a ideia de que segurança pública é o aparelho de estado como repressão à violência.