O programa 6 e Meia do NPC e apresentado pela jornalista Claudia Santiago e tem o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Este programa foi ao ar no dia 11 de março de 2021.
A velocidade da retirada de direitos socialmente conquistados pela classe trabalhadora, não é a mesma da reorganização.
[Por Rafael Lopes*] Não é de hoje que o Brasil o movimento sindical brasileiro enfrenta problemas para aglutinar forças que consigam conter as consequências da crise político-econômica, que vem se agravando principalmente a partir de 2014. O capítulo mais recente dessa história, envolve as reformas trabalhista e administrativa, e o processo de impeachment da ex-presidente Dilma, em 2016. Estes fazem parte do projeto neoliberal que visa enfraquecer ao máximo todas as conquistas da classe trabalhadora ao longo de décadas nesse país. E para piorar esse contexto de instabilidade, soma-se a postura negacionista por parte do governo federal em relação à pandemia provocada pela Covid-19.
“Há uma crise na esquerda, no movimento sindical e isso se aprofundou após o impeachment de Dilma, passou pelo governo Temer e agora deságua no governo Bolsonaro, que é uma tragédia monumental. Mas essa crise da esquerda e do movimento sindical é anterior a tudo isso”, analisa o jornalista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP-DF), Marcos Verlaine.
Para Verlaine, ainda é preciso que se leve em conta outro ponto recente sobre a pauta política brasileira: a eleição do deputado federal Arthur Lira (PP-AL) para presidência da Câmara.
“Muitos diziam que na disputa entre Arthur Lira e Baleia Rossi (MDB-SP) não existia diferença. Eles eram a mesma face da moeda. Foi um grande equívoco. Se Baleia Rossi fosse eleito, o debate seria menos complicado, por não ser um aliado do governo Bolsonaro, um governo antipovo, antimovimento sindical. Ou seja, nossos problemas se ampliaram com esse resultado. A eleição do Arthur Lira e do Rodrigo Pacheco (senador DEM-RO) dificultou a possibilidade do impeachment. Esse item saiu de pauta, porque quem aceita o pedido é o presidente da Câmara. Agora o governo tem um fiel aliado num lugar muito importante”, aponta.
Ainda de acordo com o jornalista, essa dobrada entre as casas parlamentares explica em parte o esfriamento para a abertura de um processo de impedimento. Pois essa não é uma medida que nasça apenas no congresso. A outra peça fundamental, o que realmente dá alicerce a esse processo é o clamor popular, a pressão social.
A crise econômica
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a crise no mercado de trabalho, agravada pela pandemia, deixou mais de 14 milhões de brasileiros sem vínculos empregatícios. A reboque disso, já estava a reforma trabalhista, aprovada em 2017, que tinha como argumento a criação de milhares de empregos. Esse foi o “cavalo de Troia” que implodiu os direitos trabalhistas na base. E esses números históricos, apesar de alarmantes, estariam subnotificados na avaliação do sindicalista.
“São no mínimo 25 milhões de pessoas desempregadas. O número oficial certamente está subnotificado. E só há uma solução que é a vacinação em massa para resolver o problema. Essa desorganização que o governo Bolsonaro gera no povo brasileiro ajuda nesse desmantelo todo. Não adianta culpar o povo por não se mobilizar. Há um problema de caráter objetivo que impede a população de ir à rua. A crise econômica só não foi mais grave porque num primeiro momento foi aprovado o valor do auxílio emergencial de R$ 600,00”, destaca.
Ajuste fiscal, congelamento de salário de servidor, PEC dos Fundos Públicos, PEC Emergencial são diversos golpes direcionados contra à classe trabalhadora. Medidas que geram mais insegurança, vulnerabilidade e colocam mais urgência na reorganização da luta sindical no país. De forma geral, as reformas tocadas nos últimos anos representam também a diminuição do papel do Estado brasileiro na prestação de serviço para a população.
“A grande pauta política da esquerda, do movimento sindical, que perpassa pela crise da nossa comunicação não é algo recente. Não é uma coisa simples, mas também não é nada de outro mundo. Precisamos, em primeiro lugar, reconhecer nossas crises objetivamente. Ter o diagnóstico correto de nossos problemas, sem isso não temos como abordar as saídas concretas”, afirma.
A reforma da previdência
Na avaliação de Marcos o que ainda banca a sociedade brasileira, o que não deixa o país quebrar de vez é a previdência social pública. No entanto, os diversos ataques realizados com as reformas geraram enorme impacto no desenho desta política social. A reforma trabalhista contribui significativamente para esse impacto na previdência. Porque, continua Marcos, metade dos contratos de trabalho recentes são intermitentes e, portanto, não há contribuição com a previdência.
“Os novos trabalhadores que vão ingressar no mercado de trabalho, seja no setor público ou na iniciativa privada, vão ter dificuldade para se aposentarem. Com a retirada de direitos, as regras para concessão de benefícios estão mais drásticas. O movimento sindical precisa ter clareza disso, e saber como enfrentar. Precisa se organizar, se profissionalizar. Os sindicatos acabaram se desarticulando, desmontaram os setores de comunicação e tudo aconteceu na esteira dessas reformas. Muitos sindicatos depois da reforma perderam renda, terceirizaram serviços, demitiram pessoas porque não se organizaram para enfrentar o que estava acontecendo.”
O jornalista ainda alerta que o movimento sindical não tem como fazer essa disputa sem ter uma comunicação profissionalizada, “não dá para ser um quebra galho.”
E continua: “São vários problemas que precisam ser enfrentados adequadamente. E o tempo conspira contra a gente. Existem sindicatos que perderam 85% da receita, estamos vivendo com respirador. Vai ter que se repaginar e se não fizer esse movimento está fadado a acabar. Qual foi a intervenção do movimento sindical na eleição de 2020? Qual é a bancada sindical? Pouca! Em paralelo a isso, a bancada empresarial só cresceu. O movimento sindical é um ator social relevante. Os problemas foram sendo colocados de lado ao longo dos anos e agora o volume é enorme. Precisamos criar novos quadros, fazer formação política, formar novos dirigentes com visão política mais ampla, mais profunda. Essa luta meramente econômica não dá conta, não é suficiente. Temos uma nova realidade com as novas plataformas digitais de trabalho.”
Para o analista político, essa reorganização da esquerda no mundo da comunicação, se tornou uma urgência pela overdose de informação que existe. Pois isso facilita a disseminação de fake news. Como o Bolsonaro, um governo antipovo, um governo que sabota os protocolos da organização mundial de saúde, ainda tem apoio?
“Ele criou um sistema profissional de desinformação. E o governo combate as organizações tradicionais de comunicação constantemente. Bolsonaro atua o tempo todo para fazer isso e venceu a eleição com base nas informações falsas.”
As saídas
O diagnóstico feito por Marcos é duro. Para ele, os líderes sindicais precisam compreender melhor o que está acontecendo na reorganização do mundo trabalho. A velocidade da retirada de direitos socialmente conquistados pela classe trabalhadora, não é a mesma da reorganização. E este descompasso exige um aprofundamento de perspectiva, no qual a comunicação tem papel central.
Apesar de um cenário tão adverso para a luta e organização da classe trabalhadora, Marcos acredita na saída coletiva como o caminho viável para o enfrentamento dessa realidade “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. “Vai ser a insistência na formação política, na criação de uma nova cultura de comunicação que encontraremos novos rumos”, acredita.
- Rafael Lopes é jornalista membro da Rede de Comunicadores do NPC
- Edição de texto: Moisés Ramalho, jornalista e doutor em Antropologia