Uma entrevista inacabada
Nilton Gomes Pereira, o Diquinho, morreu dia 14 de abril de 2020. Viveu e morreu comunista. Lutando por uma vida justa. Entrou para a história como um dos principais organizadores da luta do povo nas favelas do Rio de Janeiro.
[Por Claudia Santiago Giannotti] Conheci Diquinho em 2017 e desde então não abri mão de aprender com ele. No sábado, 11 de abril, ainda durante a primeira aula do Curso de Comunicação Popular do NPC, quando conversávamos sobre a história do movimento de favelas no Rio, eu prometi: vamos nos encontrar com Diquinho, do Alemão, e ele vai contar para nós!
Não deu tempo. Na terça seguinte, logo cedo, recebi mensagem de Inessa Lopes, da Rede de Comunicadores do NPC.
Foi assim:
[09:48, 14/04/2020] Inessa: Diquinho faleceu
[09:48, 14/04/2020] Inessa: 😢
[09:49, 14/04/2020] Claudia Giannotti: Não!!!!
[09:50, 14/04/2020] Claudia Giannotti: O que aconteceu?
[09:53, 14/04/2020] Claudia Giannotti: Me liga
[10:36, 14/04/2020] Inessa: Tô na rua
[10:36, 14/04/2020] Inessa: Colocaram causa indeterminada.
Em seguida, toca o telefone. De Buriticupu, falava Luiz Vila Nova, o líder camponês maranhense, ex-deputado federal por dois mandatos. Para quem não o conhece: Vila Nova é uma das mais importantes lideranças populares deste País. Ele queria ouvir de mim se era ou não verdade. Tive de confirmar.
Entre outras coisas, Vila me disse:
— “Uma grande perda para a luta em defesa de uma sociedade justa e de uma convivência humanitária e de igualdade social.”
Pedi a ele que me enviasse por escrito o que me dizia. Ele enviou:
“Tomei conhecimento, hoje, 14 de abril, que o companheiro Diquinho, morador do morro do Alemão, no Rio de Janeiro, faleceu. Uma grande perda para a luta em defesa de uma sociedade justa, de uma convivência humanitária e de igualdade social. Diquinho, eu conheci em sua residência um pouco mais de um ano atrás. Ele era professor e tinha na sua própria residência um salão onde ele ministrava uma espécie de cursinho que preparava os jovens do morro do alemão para entrar na faculdade. Tive o orgulho de participar de um debate com ele e vários militante do MCP (Movimento de Comunidade Populares). Nessa ocasião tive a felicidade de ouvir uma exposição feita por ele sobre a luta de classe e os seus principais objetivos. Aprendi muito no debate. A notícia do falecimento deste militante revolucionário me comoveu. Para mim, foi uma grande perda. O que me conforta é que tenho certeza de que ele certamente deixou um grande legado, deixando muitos trabalhadores despertados (conscientes) e dando prosseguimento a este sonho. Viva o professor Diquinho e o seu sonho por liberdade!”
Mais tarde, Inessa me liga e diz que Geraldo Cândido, o metroviário, ex-senador pelo PT-RJ, primeiro presidente da CUT-RJ a havia procurado para falar de Diquinho. Geraldo me disse, horas depois, através de uma rede social: “Hoje é um dos dias mais tristes da minha vida, o falecimento do companheiro Diquinho nos enche de tristeza e de angústia. Perdermos um dos companheiros mais valorosos, um lutador incansável na luta pela libertação do povo brasileiro. O companheiro Diquinho deixa um legado e uma lacuna difícil de ser preenchida. Nós continuaremos a sua luta, que este é um dever de todo revolucionário. Descanse em paz.”
Diquinho
Eu o vi poucas vezes. Duas vezes ele foi ao NPC para ser entrevistado por mim. Outra ocasião foi quando o convidei para um debate sobre liberdade de imprensa nas favelas, realizado na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em 24 de julho de 2018. No mesmo ano participou de uma mesa no Curso Anual do NPC. Não nos afastamos mais. Depois nos vimos em atos por aí… Não importa o tempo, os camaradas se reconhecem no meio da multidão.
O que sei, porque dele ouvi, agora conto aqui.
Um lutador generoso e implacável na luta pelo socialismo. Um dos fundadores do movimento de favelas no Rio de Janeiro, durante a ditadura militar. Foi militante do MR-8 e deste movimento se afastou, em 1981, por não acreditar na via da revolução “democrático-burguesa”. “Eu quero uma revolução do proletariado”, ele me disse.
Depois do rompimento com o MR-8 participou do Conselho Socialismo Operário Revolucionário.
Nascido em 12 de abril de 1948, em Caratinga, Minas Gerais, veio com a mãe e os irmãos para o Rio em 1966. Morou primeiro no Morro do Adeus e por último na Estrada do Itararé.
Foi diretor da Associação de Moradores da Grota, e vice-presidente da Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj). Do Morro do Alemão enfrentou a ditadura militar, o governo Chagas Freitas, travou muitas brigas na Faferj — que chegou a ter duas diretorias —, enfrentou governos que queriam se aproveitar de uma boa relação com as associações e outros poderes que existem nas favelas.
Articulou-se com lideranças comunitárias de vários morros procurando construir uma organização popular ligada apenas aos interesses do povo. Lembro, por exemplo, que se admirava com a organização do Borel, que vem da década de 1950: “A organização no Borel era muito forte”, dizia, destacando também o vigor da do Jacarezinho.
Preocupado com a formação política dos jovens, Diquinho temia o envelhecimento e a morte da sua geração. Em sua opinião, as novas gerações não tinham formação classista e marxista, a única que ele acreditava ter potencial transformador.
Para ele, a luta não pode ser apenas pelos interesses imediatos do povo, como água e luz. Ou mesmo contra a remoção. “Chegou a ter governador que mandava fechar a bica d’água para depois ir inaugurar. Eles ganhavam votos inaugurando bica d’água!”, denunciava.
Diquinho me disse que é fácil organizar para impedir uma remoção, mas depois tudo acaba se não houver formação política. É preciso ir além, construir um futuro.
Conhecedor do povo, porque era do povo, analisava como poucos um jornal popular: — “Com 20 páginas, nem eu que sou comunista leio”, dizia.
Com o intuito de criar conselhos populares nas favelas, participou, na década passada, do Conselho Popular, que se reunia na Pastoral de Favelas. Seu último ato político foi ceder a laje de sua casa para a distribuição de cestas básicas aos familiares dos estudantes do Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes, organizado pelo Comitê de Mobilização e Solidariedade da escola.
Era lá também que funcionava um curso pré-vestibular para moradores da região, organizado pelo Conselho Popular, do qual foi fundador, em 2010, como forma de lutar pelos direitos do povo.
Eu, como muitas e muitos, fui tocada pela sinceridade, integridade e devoção de Diquinho na sua relação com o povo. Podia contar mais dos segredos que me confidenciou, não precisa. Até porque a ideia era fazer uma série de entrevistas e não apenas duas. Não deu. Tornou-se uma entrevista inacabada.
Diquinho! Presente!
* Claudia Santiago Giannotti é jornalista, historiadora e coordenadora do Núcleo Piratininga de Comunicação.