No Brasil, 85% da população vive em área urbana. No entanto, os desafios para os trabalhadores que vivem na cidade são inúmeros. Por exemplo, a questão do saneamento: mais de 100 milhões de brasileiros não tem acesso a esgoto. Outros fatores como moradia e mobilidade se somam à lista da luta por reforma urbana.

Para conversar sobre esta temática, o Quintas Resistentes recebeu Ermínia Maricato, que teve uma atuação histórica durante a constituinte ao defender a proposta da Iniciativa Popular de Reforma Urbana. Ela também propôs a criação do Ministério das Cidades, tendo sido ministra adjunta (2003 – 2005), além de ter escrito vários livros.

Cidade formal x Cidade Informal

A luta por moradia é uma questão central nas discussões sobre direito à cidade. De acordo com Ermínia, o movimento de ocupações é resultado da falta de alternativas oferecidas a maioria do povo. Tal movimento acaba sendo criminalizado. “Todo mundo precisa de moradia, (…) a maior parte da nossa população ganha abaixo de cinco salários mínimos, e se você ganha abaixo disso não consegue comprar um apartamento ou alugar uma moradia no mercado regular”, afirma a pesquisadora.

Para Ermínia, existem dois tipos de cidades: formal e informal. Ela explica que a cidade formal é a visível, regida pelo mercado, aquela onde há a necessidade de se estar perto dos locais de emprego e dos transportes coletivos eficientes. Entretanto, a maior parte do povo vive na cidade informal e irregular. “10% da população brasileira mora em favelas, isto significa o equivalente a duas vezes a população de Portugal. Então, nós estamos falando de números superlativos, de uma exclusão que é estrutural, estamos falando de cidades que estão entre as mais desiguais do mundo”, respondeu Ermínia.

Campo e Cidade

As lutas por reforma agrária e urbana são irmãs, ambas caminham lado a lado. Durante o programa, Ermínia explicou que o processo de urbanização no Brasil se deu de forma avassaladora. “Em 1900 nós tínhamos 10% da população brasileira vivendo nas cidades, hoje nós temos 85%, são 120 anos, isso não é nada na história de um povo e de uma das maiores populações do mundo”, explica Ermínia.

Ainda de acordo com a entrevistada, em 120 anos, o Brasil produziu cidades para 160 milhões de pessoas, com muitas falhas no caminho devido à ausência de reforma agrária. Ermínia coloca em discussão a imbricação entre a privatização da terra e a libertação dos escravos. “A oligarquia brasileira comandava pelo fato de ser proprietária de escravos, ela não tinha a propriedade da terra. Até 1850 a terra era da coroa”, comenta Ermínia.

Neste mesmo ano de 1850, foi aprovada uma Lei de Terras que possibilita a privatização das terras, elemento que vai facilitar a aprovação de uma lei que proíbe o tráfico de escravos. “Então, você vê que há uma imbricação entre propriedade da terra e propriedade escrava. E uma das coisas que a gente verifica é que a oligarquia branca cuidou de importar uma mão de obra branca, o embranquecimento da raça, e também tomou medidas para impedir que essa mão de obra escrava-liberta tivesse acesso formal à terra”, completa Ermínia.

Áreas de risco   

A questão da ocupação do solo urbano e das políticas que lidam com as chamadas áreas de risco também fizeram parte desta edição do Quintas Resistentes. Segundo Ermínia, não existe falta de conhecimento e prática para saber lidar com essa situação no Brasil. Ela reforça a necessidade de o poder público monitorar constantemente as áreas de risco identificadas, além de evitar a ocupação delas.

Para Ermínia o grande fator que impede uma política que enfrente de fato este tema é o setor privado. “É mais fácil manter privilégios e o mercado imobiliário, que trabalha para pouca gente, manter uma cidade para alguns, do que democratizar o direito à cidade”, afirmou.

Ao término do programa, a pesquisadora aproveitou para convocar as pessoas a conhecerem o projeto BR Cidades, uma rede que busca repensar a cidade. No dia 3, 4 e 5 de junho o projeto vai realizar a Conferência Nacional Popular pelo Direito à Cidade. O objetivo é formular uma agenda das cidades com caráter federal.