Em encontro realizado em São Paulo, organizações da sociedade civil debatem a importância do acesso à informação, da produção de conhecimento e do direito à comunicação para o empoderamento das comunidades excluídas. Por Bia Barbosa, Agência Carta Maior, 19 de maio de 2004
A relação entre informação, conhecimento e cidadania tem se mostrado cada vez mais estreita para as organizações do terceiro setor. Antes vista apenas como um instrumento para alcançar objetivos, a comunicação agora é pauta de ONGs (organizações não governamentais) como a Rits – Rede de Informações para o Terceiro Setor. Fundada há sete anos, a entidade trabalha para fortalecer organizações da sociedade civil justamente através do uso das tecnologias de informação e comunicação, vistas, hoje, como essenciais para o “empoderamento” das comunidades excluídas.
É esta idéia que está por trás de projetos como os telecentros comunitários, que espalham-se pelo país. Nesses espaços, a internet é usada como instrumento de produção, acesso e circulação da informação, resgatando a cidadania da população. “Há grande desejo político para isso e as tecnologias de informação podem ser utilizadas com esta finalidade”, acredita o cientista social e pesquisador do MIT Media Lab, dos Estados Unidos, Federico Casalegno, que participou do 7º Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor, encerrado nesta quarta-feira (19 ), em São Paulo. Um dos temas debatidos no encontro foi a utilização da produção e da propriedade do conhecimento como instrumentos de inserção social. “É muito importante para a comunidade produzir informação ativamente. Para melhorar a democracia, é preciso dar acesso à tecnologia e à informação”, disse Casalegno.
Dentro deste objetivo, os participantes do evento lembraram que é preciso, antes de mais nada, fazer a diferenciação entre comunicação e informação. O direito à informação, evocado pelos proprietários dos meios de comunicação, aparece junto a discussões de liberdade de expressão e liberdade de imprensa. “Embutida em seu conceito está uma certa idéia de unidirecionalidade do detentor da informação. Temos o direito porque alguém vai nos trazer a informação”, explica o sociólogo e jornalista Venício Lima. “Já a idéia do direto a comunicação dá um passo fundamental e faz com que o direito à informação quase que desapareça”, acredita.
Para Lima, o direito à comunicação é muito mais amplo e implica numa idéia onde o compartilhamento e a troca são necessários. Todos deveriam ter o direito a não apenas receber, mas transmitir informações e pontos de vista. Este direito, na forma como a comunicação tradicional hoje se estrutura, não é garantido à sociedade – o que prejudicaria a consolidação da democracia e aumentaria ainda mais a exclusão social.
O primeiro aspecto a ser transformado nesta realidade seriam os próprios veículos de comunicação. Considerada uma instituição com papel central na estrutura social, a mídia hoje mantém sua unidirecionalidade, sem abertura para a participação de todos. “É preciso repensar a mídia, levando em conta a comunidade, com acesso em local público e possibilidade produção de conhecimento pelas próprias pessoas que ali estão utilizando o serviço”, afirma Casalegno.
Tal mudança se faz urgente quando a convergência tecnológica do setor de telecomunicações tem provocado uma inédita concentração da propriedade dos meios. Os especialistas afirmam que, em pouquíssimo tempo, haverá somente cinco ou seis grandes grupos no mundo operando na área de mídia. A conseqüência direta deste fenômeno, que agora passa a fazer parte das preocupações do terceiro setor, é ausência da pluralidade e da diversidade essenciais para a construção de qualquer democracia. “Se temos menos proprietários, é muito mais difícil garantir esses aspectos”, acredita Lima.
Poder exclusivo
No Brasil, apenas nove famílias controlam a imensa maioria dos jornais, revistas, rádios e emissoras de tevê do país. A relação da mídia com as elites políticas regionais e locais, a hegemonia de um único grupo multimídia e a ausência de participação da sociedade na definição de políticas públicas para o setor, devido à inexistência de mecanismos sociais para interferência da população, fazem com que o direito à comunicação se mostre algo longe de ser efetivado.
“É uma luta difícil. Historicamente o Congresso Brasileiro tem tido representações de pessoas ligadas à mídia e, por isso, do ponto de vista da legislação, é difícil aprovar qualquer coisa que vá contra o interesse dessas pessoas. Hoje, elas formam 23% do Congresso”, conta Venício Lima, que também é membro do Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O conselho, formado por indicações da sociedade civil, é um dos poucos mecanismos públicos onde a população pode reclamar do conteúdo transmitido pela mídia.
Para ele, no entanto, é preciso que as ONGs se organizem e passem a interferir neste processo. “Não há sequer um acompanhamento nos processos de renovação de nem de novas concessões de rádio e tevê. Em nível local, por exemplo, podemos fazer um levantamento das emissoras de rádio e verificar quando suas concessões vencem. E então pressionarmos vereadores e também o legislativo federal para que elas não se renovem”, aconselha.
A conclusão do terceiro setor é a de que não há como promover mudanças a área de comunicação sem garantir transformações em outras áreas. A educação da população, por exemplo, é fundamental para que o acesso ao conhecimento seja possível através da informação disponibilizada. E para que o direito à comunicação seja visto como passo essencial para a democratização da sociedade.
Para saber mais sobre como o terceiro setor tem discutido o direito à comunicação, visite a página da Rits: www.rits.org.br