As feridas do duro combate aos comunistas na América Latina são coisa de um passado muito remoto? Nem tanto. Quem viveu os anos 60 e 70, certamente não apagou da memória uma época em que comunistas eram perseguidos, torturados, exilados ou mortos por governos militares e mais – com o apoio da CIA.

Se esse intrincado enredo pode sugerir às novas gerações um roteiro de filme de ação, para o jornalista Roberto Mader é apenas o ponto de partida de um documentário que pretende começar a rodar neste mês e que tem como fio condutor a chamada Operação Condor, “a sinistra conexão que culminou com a morte de 50 mil pessoas nos anos 70, sem falar em presos e exilados”, define o diretor.

Carioca radicado há 14 anos em Londres, onde realiza documentários e reportagens para a TV, Roberto Mader esteve no Brasil cobrindo a vitória “histórica” de Luiz Inácio Lula da Silva para o Channel 4. E é justamente em nome do registro da memória de tempos mais sombrios que ele vem se debruçando, há quatro anos, em parceria com a jornalista inglesa Jan Rocha, radicada em São Paulo sobre uma história recente que ainda pode ser contada por testemunhas – dos dois lados. Seu objetivo, revela, é seguir dois trilhos – o institucional e o pessoal – para falar de questões específicas da América Latina e, de forma mais ampla, sobre a violação de direitos humanos: “Os julgamentos de Pinochet e Milosevic levantam pontos muito interessantes sobre como lidar com o passado. Para muitos, anistia é uma forma de passar a borracha sobre fatos enquanto para outros, o passado revelado pode ajudar as pessoas a enfrentar fantasmas e construir um futuro em bases mais sólidas”, acredita.

Roberto Mader ressalta que o documentário será narrado na primeira pessoa, “coisa rara no Brasil, mas comum na Europa”, diz. E antecipa algumas linhas de investigação que enveredará por ditaduras militares nos países latino-americanos dos anos 70 e que se espalharam por Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Paraguai e Bolívia.

Por trás da linha de fogo, a atuação de Henry Kissinger, o poderoso secretário de Estado americano, na “costura” da luta contra o terrorismo.

“Hoje os Estados Unidos levantam sua bandeira contra o terrorismo em diversos países, e há 20 anos, apoiavam uma guerra contra o terrorismo na América do Sul”, observa Mader.

O documentário, antecipa, trará histórias de pessoas que sofreram violência e também dos protagonistas de todos os lados envolvidos. Na mira, depoimentos de generais, ativistas políticos, torturadores e, obviamente, suas vítimas, incluindo casos de crianças desaparecidas e seus parentes.

Entre os entrevistados, estarão a uruguaia Sara Mendes, e sua dolorosa busca, por 25 anos, do filho seqüestrado por militares quando estava na prisão, e Lilian Celiberti, também uruguaia, seqüestrada em Porto Alegre no final dos anos 70.

A estrutura do projeto já está definida e abordará seis histórias de vítimas da violência, bastidores dos acontecimentos, além de arquivos pessoas dos envolvidos e também análises de juristas, políticos e cientistas sociais:

“Uma parte do filme falará do trabalho de juízes que investigam a violação de direitos humanos, na Espanha, Argentina, Itália e Chile”, revela.

Mader enfatiza que a revisão da história da repressão política nos anos 70 partir de seus protagonistas pode ser dolorosa, mas é o melhor instrumento para desenvolvimento da democracia. “Calcula-se que, devido à Operação Condor, mais de 400 mil pessoas foram presas e 4 milhões exiladas. Os responsáveis começaram a enfrentar a justiça. O filme seria uma análise contemporânea desses evento, com uma característica: mostrará que houve avanços na questão de direitos humanos na América Latina.”

Para a produção do documentário, Roberto Mader está em negociações com TVs européias e já conta com apoio da Fundação Ford. Os interessados em conhecerem mais o projeto podem escrever para o endereço eletrônico admin@sambafilms.com.

Publicado em O Estado de São Paulo de 07 de fevereiro de 2003